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“Essa reforma foi a ampla precarização dos direitos trabalhistas”

O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Davi Furtado Meirelles, esclarece questões sobre as implicações práticas da reforma trabalhista nesta edição d’O Piquete Bancário.

Em que as alterações na CLT, sancionadas pelo governo Temer, podem implicar para a sociedade brasileira e suas relações de emprego? Elas representam a alteração mais significativa já feita dentro da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. A CLT é bastante antiga, ela vem desde a época de Getúlio Vargas, e realmente precisava de modernização e atualização, mas a proposta que veio na reforma trabalhista do governo Michel Temer, além de ter sido muito ampla, deixou alguns aspectos que precisavam ser modernizados e sequer foram abordados. Nesse escopo, sobre essa cortina de fumaça, de que haveria essa necessidade de modernização, o que representou essa reforma foi a ampla precarização dos direitos trabalhistas. O que nós estamos assistindo é a total desregulamentação dos principais direitos dos trabalhadores. É uma reforma feita sob a ótica e a lógica empresarial, feita para agradar os empresários e, de forma alguma, foi pensada para o trabalhador brasileiro.

Quais os impactos sociais de uma flexibilização da jornada de trabalho e no salário? Vão ser muitos. Para começar, esta reforma tenta justificar algumas situações que hoje ainda acontecem na informalidade, trazendo essa situação para dentro da CLT, como, por exemplo, o trabalho intermitente. No entanto, como está sendo regulamentado, vai mascarar um possível índice de desemprego no país, fazendo parecer que está todo mundo trabalhando, quando, na verdade, serão empregos precários reduzindo postos de trabalho e, consequentemente, a contribuição para a própria Previdência. Quer dizer, a Previdência que, já vem sendo dita há muito tempo como deficitária, vai sofrer um déficit maior, e isso vai mudar o sistema de seguridade social no Brasil, o que poderia, no futuro, ser usado como justificativa para sua privatização, que é o que parece que o governo quer fazer.

De que forma a legislação conseguirá intervir nas novas relações de flexibilização do emprego? O trabalhador vai poder se apegar ao fato de que muitas das alterações aprovadas por meio desta reforma são realmente inconstitucionais. Tem sido quase que voz uníssona, entre os juízes, os membros do Ministério Público, os sindicatos e aqueles que militam na questão do trabalho, o entendimento de que a reforma esbarra em vários artigos e princípios constitucionais e em tratados internacionais assinados pelo Brasil como lei supralegal. Mas o que contraria em absoluto a Constituição? Pois bem, hoje é possível negociar trocando um direito legislado por negociado, mas desde que o vise sua melhoria social. Entretanto, na reforma, tomou-se cuidado de colocar um parágrafo para dizer que, se não houver cláusula compensatória que dê direito de compensação ao que está sendo tirado, a inexistência dessa cláusula não vai invalidar o acordo coletivo de trabalho. Ao que me parece, isso leva para a precarização, não uma flexibilização daquilo que é melhor para as partes. A ideia do governo é realmente permitir uma desregulamentação dos direitos trabalhistas.

Para a categoria bancária, quais são os desafios mais iminentes advindos com as alterações nas leis trabalhistas? A categoria bancária é sempre muito organizada, tem um processo de negociação unificado em âmbito nacional e conseguirá sobreviver a esses aspectos. As categorias bem organizadas, que têm sindicatos fortes, não vão sofrer muito, quem vai ficar mais descoberto são aquelas categorias que têm uma representatividade menor, sindicatos cartoriais, sindicatos pouco atuantes, sindicatos que nem sabemos se existem mesmo, que estão muito distantes da sua base. Esses sindicatos não têm força para negociação, para mobilização da categoria para uma greve, e não vão conseguir garantir direitos mínimos que os seus trabalhadores, muitas vezes, têm por sentença normativa, não por convenção coletiva, com a intervenção do Judiciário, com o poder normativo da Justiça do Trabalho. No caso dos bancários, acredito na força desta categoria.

Há mecanismos legais para revogação desta reforma trabalhista? Esta é uma questão muito polêmica. A legislação vai ser analisada à luz dos princípios do Direito. Aplicar pura e simplesmente na lógica empresarial que ali está posta é um pouco temerário, até porque, como eu pontuei, vários dispositivos ali serão vistos como inconstitucionais pela Justiça do Trabalho. Provocar uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo, em relação a toda lei, não vejo como a melhor alternativa, já que há o risco de o próprio STF declarar constitucionalidade de tudo. Acho que a questão deve ser levantada de maneira pontual. Não podemos esquecer que o princípio constitucional maior, e o maior princípio do Direito do Trabalho, é o princípio protetivo. O trabalhador, como parte mais fraca da relação de trabalho, tem que ser protegido, e isso não vai ser esquecido no momento de se aplicar as regras. Por outro lado, a própria reforma tentou afastar o poder do Judiciário nas relações de trabalho, já prevendo isso, porque sabe que a Justiça não vai aceitar com facilidade essas alterações das formas que elas foram feitas. A reforma traz um princípio de intervenção mínima do Judiciário, ao dizer que, na análise de acordos e convenções coletivas de trabalho, a Justiça do Trabalho deverá se ater aos aspectos formais, que dizem respeito a legitimidade de quem está negociando, licitude do objeto que se está negociando e se a forma da negociação está prescrita em lei. Quer dizer, apenas os aspectos formais poderiam ser analisados pela Justiça, sem poder adentrar ao mérito dos acordos e negociações.

As opiniões expressas no artigo não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.

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