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Após escândalos de corrupção, regulamentação do lobby volta à pauta

A influência desproporcional dos interesses privados sobre os agentes públicos  resultaram em grandes esquemas de corrupção no Brasil, como aqueles revelados pela Operação Lava Jato. Tais evidências trouxeram à tona a necessidade de uma legislação que regulamente essas relações. É neste contexto que a regulamentação do lobbyvolta à pauta da Câmara dos Deputados após o recesso parlamentar, que termina na terça-feira 1.

Dessa vez, é o projeto de lei 1202/07 que está prestes a ser votado. De autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), o texto tramita desde 2007 e foi desarquivado no início de 2011. Em fevereiro deste ano, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com o substitutivo da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ). Segue agora em regime de urgência.

Lucas Cunha, pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor do estudo Propostas de regulamentação do lobby no Brasil: Uma análise comparada, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), defende que o momento atual é favorável à votação do PL. “Certamente essa legislação está em pauta agora por conta do surgimento de denúncias de corrupção, que atingiram em cheio a estabilidade política no país”.

Para Zarattini, autor do projeto, as mudanças do substitutivo diminuíram, porém, sua efetividade e até a troca de termos utilizados caracterizam a fragilidade. “Ela [a deputada Cristiane Brasil] transformou o projeto, nem sequer usa a palavra lobby. Utiliza o termo “agentes de representação”, isso é simbólico, mostra que não quer se colocar de frente para o problema. E não obriga o lobista a se registrar, fica voluntário, opcional”, criticou o deputado.

O projeto original trazia a definição da atividade de lobby, de grupos de pressão e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal. Determina também o que é recompensa, presente, lobista e dirigente responsável.

Além disso, previa o cadastramento, a prestação de contas dos gastos feitos pelos grupos e a declaração de quais matérias seriam do interesse de cada um desses agentes. A transparência permeia o texto original, na divulgação online dos gastos contratantes e individuais.

No substitutivo de Cristiane Brasil, o registro do lobista passa a ser voluntário e a quarentena para agentes públicos – exceto para ex-presidentes, ex-governadores e ex-prefeitos – foi retirada. A deputada alega que uma legislação muito dura no credenciamento afastaria cidadãos não profissionalizados no lobby: ela os denomina como lobistas eventuais.

“É o cidadão que, por exemplo, na votação das dez medidas anticorrupção saiu por livre e espontânea vontade da sua casa e foi ao Congresso pressionar os parlamentares. Esse cidadão não é lobista e não trabalhará como profissional de relações institucionais e governamentais”, afirma.

Ela ainda acredita ser vontade da maioria dos lobistas obter o cadastro, já que serão deslegitimados aqueles sem identificação legal. “Os profissionais vão se cadastrar e terão todo o interesse de se cadastrar”, disse. Segundo ela, havia inconstitucionalidades no projeto original, como no caso da atribuição dada à Controladoria-Geral da República (CGU) de efetuar o credenciamento, o que é função do Executivo.

A opinião do deputado é semelhante a de Lucas Cunha. Segundo ele, o cadastramento opcional é um problema. “Se o registro continua facultativo, alguns interesses impopularestornam-se omissos, como o lobby da indústria farmacêutica, das armas e do tabaco”, exemplifica.

“Eu parto da premissa que essa regulamentação do lobby é pelo menos uma tentativa, diante de um problema evidente que está minando a democracia”, completa a advogada  Ana Frazão, ex-conselheira do Cade e professora da Universidade de Brasília (UnB). “Não é interesse de ninguém colocar luz e transparência nesse tema. No Brasil a gente tem uma cultura de blindagem de autoridades, de procedimentos”, critica.

Regulamentar é consenso

Para o pesquisador Lucas Cunha, a regulamentação do lobby é consenso tanto entre os agentes públicos quanto entre os agentes de interesse. Apesar disso, o pesquisador ressalta que “quando a questão remete para a necessidade de registrar publicamente suas atividades, o consenso é menor”.

Para o cientista político, é fundamental olhar “para a estrutura da representação no país, bem como para o financiamento de campanha e para a capacidade das entidades e organizações de se mobilizarem em busca de seus interesses no Congresso Nacional”.

Já Zarattini argumenta que é fundamental aprovar o projeto, pois a relação entre os setores público e privado está criminalizada. “Nós temos que regular essa relação e dar transparência a ela”, defende o deputado. Cristiane Brasil salienta a urgência de lançar luz sobre o tema e dizer o que pode ou não ser feito. “O bom lobby deve ser separado da operação de propina”, afirma.

A influência de grupos de pressão na esfera pública em países com grande disparidade econômica devem ser consideradas nos processos legislativos. Segundo Cunha, “existe uma desigualdade entre os grupos que são representados no âmbito da sociedade. Quem tem mais recursos financeiros acaba tendo maiores possibilidades de ter seus interesses representados”.

Questionado sobre as doações para campanhas eleitorais, o cientista político crê que o que se tem na verdade “é um acesso e eventualmente uma relação espúria entre os interesses públicos e privados”. Segundo o especialista, a regulamentação do lobby deve contemplar, sobretudo, os mecanismos de controle dos recursos financeiros, a divulgação de gastos, o cadastramento, a transparência, a definição de lobista, o registro eletrônico online, a fiscalização e os mecanismos de quarentena.

Lobby regulamentado

Com a aprovação do projeto de lei, o lobista, intitulado como “profissional de Relações Governamentais”, será autorizado a atuar junto ao Executivo e ao Legislativo apresentando análises de impacto dos projetos de lei a serem votados, oferecendo emendas, substitutivos e demais proposições legislativas ou regulatórias.

Com o credenciamento, os lobistas transitarão na Congresso e terão liberdade para propor audiências públicas e requerer a apreciação de um projeto de lei por comissão temática. Poderão, ainda, efetuar estudos e pareceres para instrução do processo de tomada de decisões. Atualmente, os lobistas circulam sem credenciais, apenas como anônimos “autorizados”.

Caso haja a percepção de qualquer vantagem, esse agente sofrerá as penalidades da Lei de Improbidade Administrativa. Dentre as punições previstas estão a perda dos bens ou valores recebidos, o ressarcimento integral do dano, a suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, o pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e a perda da função pública.

E aí outra mudança do substitutivo em relação ao projeto original: entre os pontos alterados por Cristiane Brasil está a redefinição de ato de improbidade administrativa no lobby. A doação de presente, benefício, cortesia ou vantagem que possam influenciar no processo de decisão é colocada como ato ilícito no 11º artigo do parecer e estarão vinculados às penalidades da Lei de Improbidade Administrativa. Já no texto do petista, o Tribunal de Contas da União (TCU) fixaria um valor limite. O texto previa teto de 500 Unidades Fiscais de Referência, atualmente 500 reais.

Cidadãos que tenham sido condenados por corrupção, tráfico de influência, ou improbidade não podem ser cadastrados como agente de interesse. Profissionais com registro cassado pelo Conselho de Ética da entidade de classe representante também serão impedidos de atuar como lobistas.

Como é lá fora

Na contramão de inúmeros países, a regulamentação do lobby no Brasil ainda engatinha. União Europeia (Comissão Europeia e Parlamento Europeu), Estados Unidos e Chile são exemplos de onde o lobby foi regulamentado de distintas maneiras e já há bastante tempo.

Na União Europeia a legislação é mais frágil e menos transparente, já que questões como gastos, atividades e quarentena não são tratadas de forma explícita na legislação.

Segundo a pesquisa de Cunha, países com pouca regulamentação e transparência tendem a ser corporativistas, a exemplo da Alemanha, onde grupos não representantes do capital e trabalho têm pouca influência.

Na América Latina, o pesquisador ressalta a experiência chilena como a mais completa em termos de definição e regulação. Ela promove transparência, pois exige um cadastro bienal e a criação de uma agenda pública de lobistas. “Há também o registro de doações presentes e viagens, isso certamente torna a regulamentação bastante sofisticada, ainda que seja num grau baixo se comparada com outros países”, expõe o professor.

Nos Estados Unidos, explica Lucas Cunha, “cada estado possui sua legislação e o pluralismo sobrepõe-se ao corporativismo, principalmente devido ao histórico de competição por influência política e ao alto índice de transparência”. Lá, desde 1946 a legislação obriga o registro dos lobistas e a divulgação de relatórios de clientes e gastos. Em 1995, o então presidente Bill Clinton elevou o grau da regulamentação, definindo os tipos de lobistas.

Segundo o estudo, Mudança e continuidade na regulamentação do lobby nos Estados Unidos, do cientista político Ricardo José Pereira Rodrigues, a legislação de Clinton diferenciou os lobistas residentes, dos “de fora”. O primeiro versa sobre os “que promovem os interesses das organizações ou empresas das quais são empregados”. O segundo trata dos “contratados pelas organizações ou empresas especificamente para o trabalho de lobby”.

Fonte: Carta Capital

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