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Artigo: Renda Básica e a redução das desigualdades

Por  Luísa Maier Flores*.

Publicado originalmente pelo Diap.

A pandemia da Covid-19 trouxe a necessidade do mundo revisar e repensar as suas estruturas sociais e econômicas, pois a crise sanitária expôs as fragilidades dessas estruturas e desencadeou crises no âmbito político, social e econômico.

Segundo estimativas divulgadas em junho pelo Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial deve sofrer uma contração de 5,2% no ano de 2020; segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o mundo terá 190,5 milhões de desempregados no ano de 2020.

No Brasil a situação não é diferente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) projetou, em junho, uma queda de 6% no PIB do Brasil em 2020; e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em maio, a taxa de desemprego foi de 12,9%.

Começam a surgir perguntas sobre como recuperar a economia, como evitar que as desigualdades sociais e econômicas se aprofundem e como possibilitar condições mínimas para a população. É nesse cenário que o debate sobre a renda mínima ganha força, apesar de não ser um debate novo.

Na década de 1980, no estado do Alasca, Estados Unidos, o governador Jay Hammond instituiu o Fundo Permanente do Alasca, que obtinha os recursos dos royalties do petróleo, e repassava um pagamento anual a todos os moradores do estado.

O resultado dessa política pública foi a diminuição da desigualdade, em 1980 o estado era o mais desigual dos Estado Unidos e, em 2016, passou a ser o segundo mais igual.

O Irã instituiu a renda básica de cidadania em 2010, com modelo semelhante ao do Alasca; Macau, região administrativa chinesa, instituiu, em 2011, a renda básica financiada pela legislação do jogo. Outros países estão realizando testes da renda mínima: Namíbia – na vila Omitara; Índia – no estado Madhya Pradesh; Canadá – na província de Ontário; Holanda – na cidade de Utrecht; entre outros.

A Finlândia realizou uma experiência de janeiro de 2017 a dezembro de 2018, comparando 2 mil participantes desempregados que recebiam 560 euros por mês, com um grupo de controle de 173 mil desempregados. A conclusão do estudo mostrou um pequeno efeito no emprego, o grupo que recebeu o auxílio teve uma pequena variação positiva de pessoas empregadas em relação ao grupo controle; a diferença significativa foi nos níveis mais baixos de insegurança e estresse relatados pelo grupo que recebeu o benefício em relação ao grupo controle.

No Brasil o ex-senador Eduardo Suplicy, atual vereador do PT na cidade São Paulo, defende a renda básica universal há pelo menos 30 anos. Em 2004, o projeto de sua autoria foi aprovado no Congresso e sancionado, pelo então presidente Lula, na forma da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004, que institui a renda básica de cidadania e dá outras providências.

Como a lei coloca a cargo do Executivo as decisões sobre a implementação, o valor do benefício e a origem dos recursos, em conformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal, a legislação acabou sendo posta de lado.

Outro programa, que possui objetivos e desenho distinto ao programa de renda mínima, foi impulsionado pelo governo, o Programa Bolsa Família, instituído pela Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004.

Outra política brasileira de renda básica é o de Maricá, município do Rio de Janeiro. Em 2013, foi criado o Fundo Municipal Banco Comunitário Popular de Marica, por meio da Lei Municipal nº 2.448, de 26 de junho de 2013, que apoia o financiamento do banco comunitário popular de Maricá. O banco criou a Moeda Social Mumbuca, uma moeda eletrônica que, desde 2015, é paga para todos os habitantes da cidade mensalmente e em igual valor.

No cenário político atual, devido ao caráter temporário do Auxílio Emergencial de R$ 600 e a necessidade de amparar a população mais vulnerável, o debate sobre renda básica voltou a pauta. Em decorrência desse cenário, o governo Bolsonaro lançou a ideia da criação do programa Renda Brasil.

Segundo divulgado pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, ocorreria a unificação de alguns programas já existentes – abono salarial, seguro-defeso, salário-família e outros – com o Bolsa Família. Com essa alteração a população que hoje recebe o Auxílio Emergencial passaria a receber permanentemente o Renda Brasil, que teria um valor maior que o do Bolsa Família.

Na sociedade civil, foram criados movimentos que lutam pela renda básica, como o Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB) e o Renda Básica que Queremos.

No Congresso Nacional, novos projetos estão sendo apresentados com essa temática. Até o dia 30 de julho a Câmara dos Deputados possuía em tramitação: um projeto sobre o financiamento da renda básica (PLP 193/2020); um projeto sobre renda básica universal (PL 4856/2019); três que tratam sobre o enfrentamento da pobreza (PL 7078/2002, PEC 200/2019 e PEC 208/2019); um com foco em crianças (PL 3196/2020); um com foco na família (PL 2943/2020); com renda básica para pessoa com deficiência (PL 7980/2014); um sobre unificação de gestão e execução das ações de transferência de renda (PL 3023/2020); e um sobre programa de renda mínima permanente com recorte de renda (PL 3934/2020). No Senado Federal estão tramitando três projetos que propõem uma renda básica para famílias com recorte de renda (PL 2621/2020, PL 2742/2020 e PL 3241/2020). Também foi lançada a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica, com o deputado João H. Campos (PSB-PE) como presidente.

Além do desafio de definição de desenho da política a ser implementada, existe o desafio das contas públicas. O teto de gastos, instituído pela Emenda Constitucional 95/2016, limita o crescimento das despesas do governo, portanto, dificulta a criação de projetos que impliquem em mais recursos.

Segundo o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, o governo não tem nenhuma intenção de desrespeitar o teto de gastos. Porém, a pressão para a revisão do teto se intensifica. A reforma tributária é outra pauta que necessita de atenção. Segundo o presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica, deputado João H. Campos, a reforma é uma excelente oportunidade para mostrar que responsabilidade fiscal e responsabilidade social devem ser interligadas.

Também ressaltou que “Ninguém aqui quer quebrar o Estado brasileiro. Longe disso. Mas precisamos construir um Estado inclusivo que olhe para os mais pobres com olhar acolhedor e de viabilidade. Não podemos aceitar que um país seja um grande concentrador de renda e um grande gerador de desigualdades”.

Outra reforma que deve ser impulsionada pelo debate da renda básica é a reforma administrativa, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrou em julho o envio da proposta do governo e afirmou “Independentemente de ser a melhor proposta, a gente tem que fazer o debate. Principalmente depois da pandemia, a necessidade de a gente organizar direito, não por gambiarra, a situação fiscal e administrativa brasileira é muito importante”.

A necessidade da reformulação das estruturas estatais, sociais e econômicas já vinha sendo debatida e sentida, porém, com a pandemia essa necessidade foi exacerbada. O Brasil e o mundo precisam de ações rápidas e reestruturantes que possibilitem soluções efetivas.

 

*Graduanda em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de Brasília e estagiária da CONTATOS ASSESSORIA PARLAMENTAR

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