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Com escalada de fome no Brasil, governo destrói programa alimentar

Ao mesmo tempo em que a fome atingiu patamares recordes no Brasil, com fila de pessoas em busca de osso para comer, o governo federal destruiu e praticamente zerou o orçamento do principal programa de aquisição de alimentos da agricultura familiar. Intitulada Alimenta Brasil, a ação é voltada para a compra da produção agrícola de famílias e doação de comida para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. Sem recurso, cooperativas encerraram suas atividades e projetos assistenciais reduziram a qualidade da comida oferecida para famílias carentes, crianças em creches e idosos em acolhimento.

No ano passado, o país chegou a apresentar o Alimenta Brasil à Cúpula dos Sistemas Alimentares, da ONU (Organização das Nações Unidas), como “importante estratégia para o combate à fome e à desnutrição”. Apesar do discurso, o governo, na realidade, reduziu os recursos ao longo dos anos. A ação chegou a ter em 2012 a aplicação de R$ 586 milhões do orçamento federal. Em 2021 foram R$ 58,9 milhões e, até maio deste ano, apenas R$ 89 mil.

A política criada em 2003 era chamada até 2021 de PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). À época, foi modificada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) no bojo da criação do Auxílio Brasil: ganhou o rótulo de Alimenta Brasil e perdeu parte dos critérios para distribuição, como a priorização de regiões onde os índices de pobreza são maiores, ao ter a maior parte do seu orçamento atrelado às emendas de relator — que dependem mais de vontade política do que de estudos técnicos, e que são distribuídas sem total transparência sobre quem indica o recurso e os motivos para isso. Segundo o professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e ex-diretor da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) Sílvio Isoppo Porto, o PAA cresceu entre 2003 e 2012, mas teve esvaziamento drástico a partir de 2016, com exceção de 2020, quando a mobilização popular levou parlamentares a destinarem recursos extras a essa política devido à pandemia.

“Perde-se a oportunidade de estimular e assegurar a aquisição de alimentos da agricultura familiar e impõe às famílias em insegurança alimentar e nutricional seguir nessa situação de fome. Esse programa poderia, sim, ser parte da solução [para o problema da fome no país]”, diz Porto que também é diretor de Sistemas Alimentares e Agroecologia do Instituto Fome Zero.

Segundo dados da Conab (órgão do governo atrelado ao Ministério da Agricultura e um dos responsáveis pela execução do programa), o número de unidades recebedoras das doações de alimentos por parte do programa caiu de 17 mil em 2012 para 2.535 em 2020 (dado mais recente disponível). Já o total de fornecedores (famílias produtoras) passou de 128.804 em 2012 para 31.196 em 2020.

Ao abrir um chamado para cooperativas interessadas em participar do programa, em setembro do ano passado, a Conab recebeu a demanda de R$ 330 milhões, segundo fontes, mas pôde disponibilizar apenas R$ 20 milhões no fim de dezembro, que ainda não foram totalmente executados.

No prato

O presidente da comunidade Estação dos Ventos, em Santa Maria (RS), Tito Rodrigues, foi atingido diretamente pela destruição da política alimentar. No auge do programa, Tito trabalhava em uma cooperativa que recebia recursos do PAA e doava para a comunidade que ele lidera, com quase 400 famílias. A parceria, no entanto, se manteve até 2016, quando os recursos começaram a secar.

“Tínhamos aquilo como uma fonte segura de alimentos e nutrição, com a qualidade dos produtos, mas isso foi diminuindo até tirarem tudo”, diz Tito. “Hoje criei uma nova forma de ajudar as pessoas. Virei um pedinte. Vivo nas redes sociais pedindo e criei uma cozinha popular, mas o que você não vê aqui são verduras e legumes. Isso não temos de onde tirar.”

Em Alagoas, estado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), cooperativas fecharam as portas sem a garantia do recurso do programa. A Coplal, uma cooperativa que agregava produtores de laranja-lima no interior do estado, chegou a funcionar com 800 famílias, mas acabou encerrando suas atividades há três anos sem a verba federal. “Esse pessoal está sofrendo tentando vender de qualquer jeito”, diz o ex-presidente da cooperativa Antônio Carlos de Souza.

Em Goiás, o agricultor familiar Valons Mota conta que conseguiu participar do programa do governo até 2020, quando o estado chegou a fechar, segundo ele, projeto de até R$ 80 mil, mas que depois a fonte secou. Hoje, ele afirma que os produtores precisam buscar emendas parlamentares para a Conab. “A partir da hora que é por emenda nem todos temos padrinhos políticos”, diz.

Expedito Alexandre, presidente da Coopercacho, em Jaçanã, no Rio Grande do Norte, afirma que desde 2012 conseguia participar do programa do governo e receber a verba para os produtores. Em 2020, a cooperativa teve mais uma vez um projeto aprovado, mas não chegou a receber o recurso. “Causa uma expectativa de comercialização no agricultor e acaba atrasando o lado dele. São pequenos agricultores que dependem disso daqui para viver”, diz.

Congresso

Para o deputado Heitor Schuch (PSB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agricultura Familiar, está em curso um desmonte das políticas públicas voltadas aos mais vulneráveis. No ano passado, ele apresentou sete emendas à medida provisória que criou o Alimenta Brasil, entre elas um dispositivo para garantir que o governo se comprometesse em contratar as propostas do PAA já cadastradas na Conab, aguardando verba para contratação, há dois anos. Nenhuma das sugestões do parlamentar foi aprovada.

“O que estamos vendo é o governo tirando recurso do setor produtivo, dos programas sociais, dentro daquilo que o governo, desde o primeiro momento, disse que como ia tratar as políticas públicas”, afirma Schuch.

Em abril deste ano, a Secretaria Nacional de Inclusão Social e Produtiva publicou uma portaria estabelecendo metas, limites financeiros, requisitos para execução da modalidade compra com doação simultânea, entre outras regras para a execução do Alimenta Brasil. Um mês depois, no entanto, o governo revogou a portaria deixando os governos sem plano de ação e sem recursos para executar o programa.

O Ministério da Agricultura e a Conab foram procurados pela reportagem, mas responderam que a execução orçamentária do programa é de responsabilidade do Ministério da Cidadania. A pasta, por sua vez, não respondeu aos questionamentos do UOL até a publicação desta reportagem. O posicionamento será incluído, caso seja enviado.

Fonte: UOL.

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