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“A médio e longo prazo há riscos para os próprios trabalhadores”

Nesta edição convidamos o economista, mestre em Economia (UFCG) e professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Marcos Antônio Tavares, para falar sobre as medidas do governo relacionadas ao FGTS.

O que é o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)? Qual o histórico desse direito?

O FGTS criado pela Lei 5.107, de 13 de setembro de 1966, governo do marechal Castelo Branco, e instituído em janeiro de 1967. Até então, era assegurado aos trabalhadores assalariados o direito a estabilidade após dez anos no emprego. Caso fossem demitidos, tinham direito a indenização. Com as reformas advindas pós-golpe de 1964, o governo militar inicia um processo de flexibilização das relações de trabalho de modo a facilitar as demissões. Com o fim da estabilidade foi criado esse fundo visando garantir uma poupança ao trabalhador em caso de demissão.

Quais os benefícios e os riscos para os trabalhadores, ao efetuarem o saque do FGTS neste momento de crise econômica?

É certo que os trabalhadores vão querer sacar R$ 500,00 a partir de setembro. É dinheiro que vem num momento em que a renda real média do trabalho não cresce. Assim, muitos trabalhadores vão sacar os R$ 500,00 para quitar dívidas. Contudo, a médio e longo prazo há riscos para os próprios trabalhadores. Os riscos são: a) a ideia de origem do FGTS é assegurar uma poupança para o trabalhador caso ele fique desempregado e em possível situação de vulnerabilidade social; b) fragiliza o fundo que fortalece programas sociais que em geral são destinados aos trabalhadores, especialmente aos de menores salários.

É importante destacar que a alteração que o governo faz na forma de acesso do trabalhador ao FGTS por meio da Medida Provisória (MP) 889/2019 vai além do direito de saque de até R$ 500,00. Na verdade, as alterações repercutirão não só neste ano como também nos próximos anos. Isso porque com essa MP o governo permite o saque imediato de até R$ 500,00 de setembro de 2019 até 31 de março de 2020. Mas não para por aí: a partir de abril de 2020 o trabalhador poderá escolher o acesso ao saldo da conta via saque rescisão, como existe hoje, ou acessar sua conta via o saque aniversário, que é a nova modalidade de saque criada com a MP do presidente Bolsonaro. Nesse último caso, o trabalhador poderá sacar um percentual do saldo da sua conta. Para as contas com até R$ 500,00 será liberado 50% do saldo; de R$ 501,00 até R$ 1.000,00, o percentual cai para 40% e assim sucessivamente chegando a 5% para as contas acima de R$ 20.000,00.

 O orçamento plurianual, avaliado pelo conselho curador da Caixa, aponta que o FGTS tem um rombo de R$ 93,5 bi e os saques ameaçam a paralisação de projetos nos setores da habitação, saneamento, infraestrutura e saúde, para o período de 2019 a 2022. Logo, qual será o impacto direto dessa medida para a população?

Enfraquecerá a capacidade que o fundo tem de financiar projetos/programas sociais como habitação popular que facilita o acesso dos trabalhadores à casa própria. Provavelmente uma parte significativa dos trabalhadores vão usar esses recursos para quitar dívidas o que beneficiará o sistema financeiro, talvez este seja o grande motivo para a liberação do saldo das contas (ativas e inativas). É importante lembrar que o ministro da Economia já demonstrou diversas vezes sua preocupação com esse setor da economia. Já a questão do desenvolvimento nacional, combate às desigualdades, programa de habitação popular e o fortalecimento das fontes de financiamento dessas ações não parecem ser a preocupação do governo federal.

Faz sentido a justificativa do governo, de que a liberação do FGTS irá aquecer a economia?

Para aquecer a economia é necessário a adoção de políticas econômicas que estimulem os investimentos público e privado e que também elevem o consumo das famílias. Contudo, não se verifica adoção de tais políticas. A não ser esta liberação do FGTS que ocorre de forma isolada. No conjunto constata-se a execução de políticas que retiram renda da população. Desse modo, não nos parece que a preocupação do Ministro é de aquecer a economia, mas, sim, de assegurar benefícios aos operadores do sistema financeiro. É certo que uma parte dos 28 bilhões de reais permitirão um aumento do consumo em 2019, mas outra parte vai para quitar dívidas. Então, o aquecimento vai ocorrer, mas em pequena proporção e provavelmente fará apenas com que a economia não continue desacelerando. O governo iniciou o ano com a projeção de crescimento econômico em torno de 4%. Contudo, dificilmente alcançará 1%. A taxa de desemprego cresce e o número de pessoas que desistem de procurar emprego (desalento) também. Com isso, numa situação de desemprego crescente os trabalhadores acabam vendendo sua força de trabalho por valores mais baixos. Esses são os resultados da política econômica do atual governo que aparece na forma de tragicomédia.

Veja, a contrarreforma trabalhista de 2017 ao permitir o trabalho intermitente (o trabalhador é contratado a realizar suas atividades de maneira esporádica) e flexibilizar demasiadamente a legislação trabalhista contribui para o rebaixamento da renda do trabalho. Desse modo, reduz o poder de compra das famílias o que leva ao baixo dinamismo do consumo. Outra contrarreforma em curso é a da Previdência, a qual se aprovada, além de ser injusta socialmente, vai no mesmo sentido, retirará renda dos trabalhadores, especialmente dos mais pobres. Será mais uma medida que dificultará a expansão do consumo de massa e não será alavanca da economia.

Qual pode ser saída para recuperação econômica a favor da classe trabalhadora? 

A recuperação econômica depende do investimento, do comércio exterior, do aumento do consumo das famílias e do consumo do governo. Então, para economia volta a crescer a taxas de 3% ou 4% é necessário que os trabalhadores possam ter maior poder de compra somado a um maior número de trabalhadores empregados, assim a renda aumenta e com ela o consumo. Vou citar apenas algumas medidas: 1) suspender essa contrarreforma da previdência que vai reduzir a renda das famílias e por conseguinte reduzirá a capacidade de consumo, além de ser socialmente injusta; 2) fazer uma reforma tributária na qual os ricos paguem mais impostos e a massa de trabalhadores passem a pagar menos nos moldes do que já acontece nos países europeus, com isso os trabalhadores poderão consumir mais; 3) o governo precisa apresentar um plano nacional de desenvolvimento, conforme Constituição Federal de 1988, visando reduzir as desigualdades; 4) retomar a política de valorização do salário mínimo; 5) fortalecer as políticas sociais como o Bolsa família; 6) reduzir a taxa de juros; 7) auditar a dívida pública federal, pois o pagamento dos juros consome boa parte dos recursos financeiros do Estado que poderia ir para investimentos em saúde, educação, saneamento básico, etc.. Todas essas medidas caminham no sentido de elevar a renda do trabalho, aumentando o poder de compra das famílias que, por conseguinte, impulsionará a demanda permitindo a economia crescer. O empresário só vai investir e gerar emprego se ele souber que há demanda e que esta tende a crescer, caso contrário ele não investirá. O consumo das famílias responde por mais de 60% do PIB brasileiro. O que acontece no Brasil hoje? O governo vem e adota políticas que achatam a renda das famílias, logo a expansão do consumo não vai puxar a recuperação econômica e com isso a economia tende a continuar patinando. Veja a contrarreforma trabalhista: no discurso do governo, deputados e empresários – os favoráveis a ela –, esta iria gerar emprego. Entretanto, o resultado foi o contrário do prometido com a elevação das taxas de desemprego e o fechamento de empresas acima da média nos últimos anos.

(As opiniões expressas não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.)

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