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“A mulher no mercado de trabalho é extremamente penalizada”

Em entrevista do Piquete Bancário, a historiadora e professora doutora da UESB, Márcia Lemos, aborda as lutas do movimento feminista e a condição das mulheres no mercado de trabalho.

Como você avalia historicamente a presença das mulheres no mundo do trabalho? As mulheres pobres, negras, indígenas, quilombolas, sempre estiveram no mundo do trabalho. A diferença é que essas mulheres sempre estiveram nos postos mais precarizados, mal remunerados, no setor terceirizado, nos serviços gerais, e essas mulheres, além de ocuparem esses postos com menor remuneração, a elas também também são destinadas as profissões com menos prestígio social, como assim colocado, as profissões do cuidado – a doméstica, a enfermeira, a babá, a cuidadora -, observe à sua volta como todas essas tarefas são realizadas pela mulher. E, para que ela se insira no mundo do trabalho, ela também tem que absorver as tarefas de casa, como o cuidado com os filhos, o cuidado com a casa, o cuidado com os idosos, com os animais e com o próprio marido. Vejam que essa mulher cumpre três funções importantes para o estado burguês que gerencia o capital. Primeiro, ela é uma força de trabalho que empurra os salários para baixo, porque de modo geral, historicamente, ela é um exército de mão de obra que, apesar de qualificada, tem dificuldade de entrar no mercado. Segundo, essa mulher é reprodutora da própria força de trabalho. E, por fim, ela baixa os custos da força de trabalho para o estado, porque o estado não tem obrigação comas creches, com os restaurantes públicos, com as lavanderias públicas, porque todas essas obrigações são atribuídas à mulher. Então, vejam que a mulher no mercado de trabalho é extremamente penalizada, o que nos leva a perceber como o capital se apropria dos paradigmas do patriarcado para extenuar a exploração da força de trabalho dessas mulheres.

Qual a importância da organização das mulheres em momentos de retirada de direitos? A classe trabalhadora, hoje, sofre um conjunto de ataques vindos do governo federal e também dos governos estaduais e municipais. Mas, entre esses, nós temos observado que apesar da sociedade patriarcal, sexista e misógina que nós vivenciamos, o movimento feminista tem conseguido puxar para a organização grupos de mulheres para fazer o enfrentamento à retirada dos direitos trabalhistas e previdenciários. É só observarmos à nossa volta, o quanto alguns temas que não eram debatidos, hoje, nos chamam a atenção, como o assédio moral e sexual em nossos locais de trabalho e de estudo. Esse tema hoje é debatido por conta de as mulheres estarem reagindo e criando uma agenda de mudança de paradigmas, com todos os seus limites, mas que é extremamente importante. A organização da mulher, nesta conjuntura, eu diria que é o motor alavancador da reorganização da classe trabalhadora, no Brasil, no século XXI.

Como o feminismo tem contribuído para o fortalecimento das mulheres? Eu gosto muito dessa pergunta primeiro para a gente entender primeiro o que é o movimento feminista. O movimento feminista não é um movimento de oposição entre homens e mulheres. É um movimento que eu também não gosto de qualificar como um movimento que pauta a igualdade de direitos entre homens e mulheres, porque se a gente for observar, tem homens ricos, heterossexuais, cis, e tem homens, negros, pobres, favelados. Então, nós queremos nos equiparar em direitos a qual homem? Então, a pauta verdadeira do movimento feminista é a pauta pela emancipação, por uma igualdade, por uma liberdade substancial. E isso passa obrigatoriamente pela sua organização dentro da classe trabalhadora. E o movimento feminista, para além de chamar a atenção da mulher para sua condição histórica e a construção do seu papel social – que não é natural, é construído -, ele também se constitui num instrumento de luta das mulheres trabalhadoras. Daí, nós devemos fazer um combate à demonização do movimento feminista. O movimento busca, sim, promover equidade entre homens e mulheres, mas, essencialmente melhorar as condições de vida do conjunto da população, porque a mulher não é um ser isolado da sociedade, e os homens também não vão mudar a sua concepção e a sua relação social de sexo se não houver um processo de construção junto dessas mulheres. Daí o movimento feminista tanto é um instrumento político, de luta, de organização das mulheres para que elas tomem consciência de si enquanto mulher, e não de si enquanto mulher construída socialmente, e seja protagonista, seja responsável pela organização da sua classe e os enfrentamentos que são necessários.

Nesta última década, com o avanço das redes sociais, se avançou também na organização da luta? Qual deve ser o futuro do movimento feminista? Eu costumo dizer que as redes sociais podem ser um importante instrumento de informação e qualificação dessa informação. Mas, também podem distorcer, por exemplo, um termo como “empoderamento”. Hoje, o capital, o mercado, comprou o empoderamento, e ele vende enquanto uma mercadoria, virou um produto de consumo. Então, muitas mulheres acham que pela via individual, pelo seu mérito, elas vão se empoderar e vão constituir-se dentro dessa sociedade num lugar de prestígio. E isso não é verdade, porque a exceção vai confirmar a regra. As mulheres que ocupam os principais postos de trabalho, que aparecem, que têm proeminência no espaço político ou qualquer outro, ela é uma conquista individual. Mas, observe que ela é uma exceção, e essa exceção a Heleieth Saffioti chama de “mulher álibi”. Aquela mulher que o sistema ultraliberal utiliza para dizer às outras mulheres que o caminho não é o da organização coletiva, não é o da organização dentro da classe, mas o da luta individual. E que você, sozinha, inclusive competindo com outras mulheres, pode constituir-se como uma mulher de sucesso. Então, as redes sociais são importantes, nós as utilizamos, mas temos que ter cuidado com o conhecimento rápido, baseado no senso comum. O que eu indico, é que a gente se organize dentro de espaços coletivos, que façamos formação política, com leitura de literaturas qualificadas como a Heleieth Saffioti, a Angela Davis, a Flávia Biroli, que, de fato, nós vamos nos formar e compreender o que é o movimento feminista e o que representa o empoderamento dentro da sociedade do capital.

O que significa o atual cenário para a vida das mulheres? A conjuntura no Brasil é extremamente complexa para o conjunto da classe trabalhadora, mas, especificamente para as mulheres ela tem alguns agravantes. Com a proposição da Reforma da Previdência, as mais penalizadas acabam sendo as mulheres negras, indígenas, quilombolas, as mulheres de periferia, lésbicas e trans. Essas mulheres têm dificuldade de ocupar os postos de trabalho e, de modo geral, quando se refere à Reforma da Previdência, o aumento do tempo de contribuição e de idade de contribuição não considera a situação de desigualdade que a mulher tem em relação aos homens e o cumprimento das duplas e triplas jornadas. Além da Reforma da Previdência, nós temos uma Reforma Trabalhista que impôs às mulheres um conjunto de punições que eu chamo de sanção – eu chamo de sanção porque é uma punição por a mulher ser mulher, como por exemplo as grávidas estarem obrigadas a trabalhar em espaços insalubres. Hoje, no Brasil, além de termos um governo ultra liberal, ou seja, que prega o Estado mínimo e nenhum compromisso com os direitos sociais, políticos e previdenciários, é um governo que se reafirma como reacionário e conservador, e retira das pautas escolares, por exemplo, debates sobre relações sociais de sexo e de gênero, o que traz um grave prejuízo para o combate da violência à mulher e para melhoria das suas condições de vida dentro dessa sociedade na qual nós vivemos.

Qual a importância da organização das mulheres em momentos de retirada de direitos? A classe trabalhadora, hoje, sofre um conjunto de ataques vindos do governo federal, mas também dos governos estaduais e municipais. Mas, entre esses, nós temos observado que apesar da sociedade patriarcal, sexista e misógina que nós vivenciamos, o movimento feminista tem conseguido puxar para a organização grupos de mulheres para fazer o enfrentamento à retirada dos direitos trabalhistas e previdenciários. É só observarmos à nossa volta, o quanto alguns temas que não eram debatidos, hoje, nos chamam a atenção, como o assédio moral e sexual em nossos locais de trabalho e de estudo. Esse tema hoje é debatido por conta de as mulheres estarem reagindo e criando uma agenda de mudança de paradigmas, com todos os seus limites, mas que é extremamente importante. A organização da mulher, nesta conjuntura, eu diria que é o motor alavancador da reorganização da classe trabalhadora, no Brasil, no século XXI.

 

As opiniões expressas não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.

 

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