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O desmanche da lei trabalhista e a terceirização da atividade-fim

Confira o artigo do advogado Álvaro Quintão. Publicado originalmente na revista Consultor Jurídico.

Não satisfeitos com o desmanche da legislação trabalhista provocada pela Lei 13.467/2017, a nossa Suprema Corte aprofunda a precarização das relações de trabalho colocando toda a sociedade a serviço do lucro fácil com a autorização da terceirização da atividade final do empregador.
Os votos até então proferidos no julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252, ao considerar constitucional a contratação de terceirizados para prestação de serviços em atividade-fim empresarial, são o retrato da fragmentação dos direitos sociais, amplia a precarização das condições de trabalho e aprofunda a cisão da classe trabalhadora em total violação aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.
As razões apresentadas nos 4 votos proferidos da mais alta corte, subjuga princípios e direitos fundamentais constitucionais para prevalecer um compromisso com a livre iniciativa e a não interferência no “modelo organizacional de uma empresa”, ampliando uma forma perversa de contratação que aniquila a igualdade de direitos e deveres entre empregados e terceirizados e a representação sindical direta.
Esses fundamentos contradizem o princípio da função social da empresa consagrado em nossa Constituição da República. Invertendo a lógica e colocando o trabalhador a serviço do capital e não o capital a serviço da sociedade.
A terceirização na atividade-meio da empresa já evidenciava profundas marcas de desigualdade dentro do próprio desequilíbrio do sistema, onde alguns estudos mostram trabalhadores que exercendo idênticas atividades no mesmo ambiente chegam a ter diferenças salariais com variações de 20% a 25%, onde de cada dez acidentes de trabalho oito são de terceirizados, e a cada 5 mortes relacionadas ao exercício profissional, quatro são de terceirizados.
A terceirização irrestrita chancela aprovações de medidas que desrespeitam e discriminam direitos conquistados, permitem contratação de trabalhadores com jornadas mais extensas e expostos a riscos em ambientes de trabalho com maior incidência em acidentes fatais; aprofundam desigualdades através de salários menores para exercerem as mesmas funções; favorecem a chamada “pejotização” assim conhecida como a contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas com reflexos negativos na previdência social e outros fundos públicos dentre tantas outras questões que refletem diretamente na sociedade brasileira.
O julgamento que prosseguirá no próximo dia 29 de agosto terá relevância histórica nacional já que a intermediação de força de trabalho em qualquer tipo de atividade, se autorizada pela decisão do STF potencializará os males.
A intermediação através da terceirização conduzirá a impactos além do ordenamento jurídico, inclusive com novas figuras de difícil tratamento legal como a empresa sem empregados, estímulo à quarteirização e quinterização, onde a sombra dos atravessadores de mão-de-obra significará redução salarial do terceirizado, nos contratos com duração menor pela rotatividade das empresas de contratadas, distância entre o empregado e real tomador de serviços, rescisões contratuais em períodos pequenos causando maiores períodos sem gozo de férias etc.
É importante marcar no caminho das decisões judiciais e da história nacional que a corte maior brasileira, em seu último julgamento sobre matéria relacionado à Lei 13.467/2017 julgou constitucional o artigo que desobriga a contribuição sindical e pauta, essa semana, a terceirização irrestrita, onde uma das consequências mais nefastas é justamente a fragmentação da classe trabalhadora em prejuízo direto à organização sindical.
Pesquisas demonstram com clareza absoluta que contratação por empresa interposta não amplia a competitividade e tampouco aumenta a oferta de empregos, ocorrendo a substituição de trabalho direto para empregos indiretos, desviando-se o prisma do crescimento econômico que é o real responsável pela geração de empregos.
O Supremo Tribunal, guardião maior da Constituição Federal, através de seus ministros, na quarta-feira quando a sessão for transmitida pela Tv Justiça e os trabalhadores, advogados, sindicatos e demais entidades estiverem assistindo e antecipando um empate seguido de um voto a favor da terceirização irrestrita, certamente trará à reflexão os impactos jurídicos e de várias ordens que envolvem as repercussões da terceirização.
A prestação de serviços por empresa terceirizada rompe totalmente a noção de relação de trabalho encontrada na Constituição e na CLT e que conceitualmente representa a relação entre dois sujeitos – empregado e empregador.
Em tempos de debates sobre reforma da previdência, nota-se um profundo silêncio no embate da terceirização irrestrita no âmbito da seguridade social, já que o consentimento para terceirizar implica na redução real do salário de milhões de brasileiros e a precariedade nos vínculos com contratos mais curtos. Aumenta a rotatividade e diminui a contribuição previdenciária, aumentando o uso dos benefícios sociais como o seguro desemprego, sem falar no aumento do número de acidentes e doenças profissionais e a sua consequente procura por benefícios previdenciários.
Também não prospera a alegação de que a terceirização gerará novos postos de trabalho etc. Ao mesmo tempo em que se decide a ADPF 324 uma grande empresa aérea comunica a demissão de 1300 de seus empregados que serão substituídos por trabalhadores terceirizados.
Os contextos multifacetários que envolvem a temática necessitam de estudo aprofundado, não se limita ao olhar jurídico ou político. Esta questão alcança os Direitos Humanos e, como não poderia deixar de ser, os reflexos da adoção de retrocessos maiores suportam transformações que devem ser de conhecimento de toda sociedade brasileira.
Sob análise jurídica, indefensável a terceirização da atividade fim e, sob o argumento da livre iniciativa e desenvolvimento econômico, outra conclusão não há de que a redução salarial traz efeitos diretos sobre o mercado de trabalho, já que para a riqueza circular é necessário sujeito capaz de consumir, logo, bem remunerado.
A terceirização enraíza o mal maior entre a classe trabalhadora que é a desunião, a desconstrução, promove a divisão dos trabalhadores em contratados diretamente e terceirizados, retirando-lhes a condição de reconhecimento como classe.
O terceirizado é um estigmatizado, começa e termina em si mesmo, conhecido como uma coisa e não por sua qualificação técnica, é apenas e tão somente um terceirizado com refeitório, plano de saúde diferenciados dos empregados da tomadora de serviços, afinal, pertencem a outro tipo de trabalhador.
O capital aniquila o principal e, talvez, o único elemento que o trabalhador possui para fazer frente à força do capital que é a união. E cria-se uma disputa interna, uma concorrência entre o trabalhador diretamente contratado e aquele terceirizado, que almeja fazer parte dos quadros da empresa. As diversas questões como as disparidades salariais, condições do ambiente de trabalho, assédio moral coletivo, deixam de ser identificadas como questões comuns (como já ocorre em ambientes invadidos pela terceirização).
A Carta Magna de 1988, insere os direitos trabalhistas no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, fixando parâmetros mínimos que, como o próprio caput do art. 7º refere textualmente, não exclui outros que promovam a melhoria da condição social.
Em leitura hermenêutica, é evidente a evolução da função do Direito, com a criação de normas tipicamente trabalhistas onde figura como sujeito de direitos, consumidor e constituinte de uma sociedade que se pretende viável.
Nessa medida, declarar a constitucionalidade de terceirizar atividade fim precarizando as relações de trabalho, seja no âmbito público ou privado, caracteriza ofensa literal ao projeto de sociedade insculpido na Constituição.

As opiniões expressas no artigo não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.

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