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“Quem mais se beneficia com a dívida são os bancos”

Conversamos com a auditora Fiscal aposentada da Receita Federal e coordenadora nacional da ONG Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, sobre a dívida pública brasileira e seus reflexos na sociedade.

 

Qual o histórico da dívida pública brasileira e quem se beneficia com ela?

Diferentemente do objetivo teórico do endividamento público (financiar investimentos sociais), no Brasil e em muitos outros países, o endividamento tem funcionado com uma fonte de subtração de recursos públicos, por meio da armadilha dos juros sobre juros e outros artifícios financeiros. Desta forma, quem mais se beneficia da dívida são os grandes bancos e investidores. Atualmente, cerca de 40% do orçamento federal são destinados para juros e amortizações da chamada dívida pública, que nunca foi auditada como manda a Constituição, enquanto áreas sociais fundamentais como saúde e educação recebem cerca de um décimo disso.

 

Como se constitui a relação entre o pagamento dos juros da dívida e as políticas econômicas do país?

Para pagar a alta carga de juros – os mais elevados do mundo -, os sucessivos governos têm utilizado a dívida pública como justificativa para contínuas privatizações de patrimônio público, para a realização de contrarreformas (como a da Previdência) e também para alterações legais que ditam todo o funcionamento da economia do país, a exemplo da EC-95, que estabeleceu teto para todas as despesas e investimentos públicos, mas deixou livre os gastos financeiros com a dívida pública e com as novas empresas estatais que estão sendo criadas para operar o esquema financeiro da Securitização de Créditos.

Confira mais sobre a PLP 459/2017.

Além do privilégio representado por fatia anual de quase a metade do orçamento federal para o pagamento de juros e amortizações, a dívida pública tem tido privilégios abusivos, como benesses tributárias e liberdade de movimentação de capitais que tornam o Brasil um paraíso fiscal para rentistas, enquanto a população padece no cenário de escassez.

É preciso modificar o modelo econômico aplicado no Brasil, que privilegia o gasto financeiro, quebrar esse círculo vicioso, a começar por uma ampla auditoria da dívida com participação social.

 

De que forma a Auditoria Cidadã da Dívida pode ajudar a entender se há uma parte legítima da dívida?

Uma auditoria da dívida pública pode verificar a legalidade da dívida, tal como ocorrido no Equador, que em 2007 decretou a realização da auditoria – com participação social – e como resultado em 2009 reduziu em 70% da dívida externa com bancos privados internacionais. Esse fato histórico comprova que quando há vontade política, é possível enfrentar o problema.

A auditoria é uma ferramenta que trabalha com documentos e dados oficiais, possibilitando mostrar as graves ilegalidades.

A dívida “interna” federal já ultrapassa a marca dos R$ 5 trilhões, mas o mais grave é que esta dívida monstruosa não serviu para desenvolver o país, mas tem se alimentado de diversos mecanismos financeiros que geram dívida, como por exemplo: escandalosas transformações de dívidas do setor privado em dívidas públicas; salvamentos bancários (PROER, PROES); cobertura de prejuízos operacionais e com operações de swap cambial praticadas do Banco Central (que remuneram com dinheiro público os investidores de acordo com a variação do dólar); as operações compromissadas (que na prática se prestam a remunerar a sobra de caixa dos bancos, já ultrapassam R$1,2 trilhão e custaram quase meio trilhão aos cofres públicos nos últimos 4 anos), entre outros.

Sobre a dívida gerada de forma ilegítima, incidem os juros mais altos do mundo, historicamente, que são o principal fator de multiplicação da dívida por ela mesma. Embora a taxa básica de juros (“Taxa Selic”) esteja em 6,5% ao ano, na prática os juros médios incidentes sobre os títulos da dívida pública federal são de cerca de 10% ao ano, conforme dados oficiais.

A auditoria irá escancarar essas aberrações que têm sangrado os orçamentos públicos.

 

Recentemente, em entrevista para a Band, o presidente eleito, Jair Bolsonaro indicou que poderia renegociar a dívida, mas, no dia seguinte, o futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, apontou que está fora de questão a renegociação e que a centralidade do problema financeiro do brasil é o gasto público. O que podemos esperar desse futuro governo?

O governo e a grande imprensa continuam dizendo que o principal vilão do orçamento é o gasto com a Previdência e com servidores públicos, e por isso já anunciam medidas como a reforma da Previdência e o ataque à estabilidade no setor público. O governo também defende a manutenção da absurda Emenda Constitucional nº 95/2016, que congela por 20 anos os gastos sociais, deixando sem limite os gastos com a questionável dívida pública. Temos de seguir revelando os dados corretos, mostrando que antes de qualquer contrarreforma ou medidas que cortam direitos da classe trabalhadora, é preciso investigar o maior gasto público, que é o gasto financeiro, realizando a auditoria da dívida com participação social para, a partir do conhecimento da realidade, adotar as medidas corretas.

 

Paulo Guedes também declarou que a Previdência é o principal impulsionador dos gastos públicos. Há uma fragilidade nessa argumentação, principalmente quando temos um relatório do Senado que indica que a Previdência não é deficitária?

O governo aponta um grande “déficit” do Regime Geral de Previdência em 2019 de R$ 218 bilhões, porém, a Previdência (INSS) está inserida no orçamento da Seguridade Social, que inclui também as áreas de saúde e assistência social, e possui receitas (ignoradas pelo governo) como a COFINS e a CSLL. De 2005 a 2016, a Seguridade acumulou um superávit de mais de R$ 1 TRILHÃO, em valores atualizados para 2018, portanto a falácia de déficit não cola.

Com relação à Previdência dos servidores públicos, o governo anuncia um “déficit” de R$ 90 bilhões em 2019, porém, metade deste valor corresponde ao “déficit” da previdência dos militares que geralmente não são inseridos nas propostas de reformas encaminhadas ao Congresso. Além do mais, tal “déficit” decorre do desmonte do Estado nas últimas décadas: de 1991 a 2015 (em 24 anos), o número de servidores civis ativos do Poder Executivo cresceu apenas 8% (de 662 mil para 717 mil), enquanto a população brasileira cresceu 39%. E agora os governos se utilizam deste desmonte para dizer que existem poucos servidores na ativa para “sustentar” a aposentadoria de muitos aposentados, como se essa fosse a única fonte de financiamento da aposentadoria dos servidores…  Devido ao desmonte do Estado, o gasto com pessoal (incluindo-se aposentados e pensionistas, de todos os Poderes) caiu de 54,5% da Receita Corrente Líquida em 1995 para 42% em 2017. Ou seja, não é verdade que os gastos com pessoal têm subido exageradamente.

 

O que significa para nós brasileiros a independência do Banco Central, apontada como uma das alternativas para recuperação fiscal do próximo governo?

Atualmente, o Banco Central já opera sob forte influência do mercado financeiro, estabelecendo altas taxas de juros (sob a falsa justificativa de combater a inflação, que é causada, na realidade, pela alta de preços administrados pelo próprio governo) e remunerando a sobra de caixa dos bancos com estas taxas absurdas (às custas do povo), enquanto nos países mais ricos a taxa de juros é bem abaixo da inflação. Com a “independência” do Banco Central, os diretores deste órgão não poderão sequer ser demitidos pelo presidente da República, ou seja, será a pá de cal na possibilidade de se mudar a política monetária suicida que tem sido adotada no país.

A justificativa para tal “independência” é, como sempre, a obtenção da credibilidade dos rentistas, que assim ficariam bonzinhos com o governo e aceitariam reduzir os juros. Porém, seguimos as regras do mercado financeiro há muitas décadas e continuamos praticando os juros mais elevados do mundo, continuamos sendo o único país do mundo que garante atualização monetária automática e cumulativa para as aplicações financeiras e, ainda por cima, destinamos todo ano, cerca de 40% do orçamento federal para os mesmos rentistas da dívida pública. Querem a independência para sacramentar essa política suicida, que inibe e impede os investimentos geradores de desenvolvimento socioeconômico do Brasil.

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