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Setembro Amarelo: “As empresas não podem fingir que suicídios não acontecem”, afirma especialista

Em entrevista para a Fenae, o Prof. Marcelo Finazzi destaca a importância das políticas de prevenção ao suicídio dentro dos ambientes de trabalho

A cada ano, cerca de 800 mil pessoas tiram a própria vida e um número ainda maior de indivíduos tenta suicídio. O problema de saúde pública atinge famílias, amigos, colegas de trabalho e causa sequelas permanentes nas pessoas deixadas para trás.

Apesar disso, são poucas as empresas que investem em políticas voltadas ao bem-estar emocional dos empregados. Segundo pesquisa de benefícios corporativos realizada pela consultoria Mercer Marsh Benefícios, apenas 46% das companhias brasileiras têm alguma iniciativa focada na saúde mental.

Para falar sobre esse assunto tão delicado, a Fenae convidou o Prof. Marcelo Finazzi, autor do livro Patologia da solidão: o suicídio dos bancários no contexto da nova organização do trabalho. A Fenae também vai realizar na próxima quinta-feira (24/9), live no facebook sobre saúde mental e sobre a campanha “Não Sofra Sozinho”, com a participação da médica e pesquisadora em Saúde do Trabalhador, Dra Maria Maeno.

Confira a entrevista completa:

1. Como a pandemia pode impactar os números de suicídio?  

A pandemia é um momento muito excepcional que nós estamos passando. A sociedade, evidentemente, tem que se adaptar a uma situação inédita para a nossa geração e pelo ponto de vista individual.

De repente a gente se pega em um contexto em que a realidade ou a nossa vivência cotidiana se altera de uma forma bastante drástica e somado a isso, as pessoas podem começar a ter questões relacionadas à insegurança, medo do desemprego, de adoecer, de vivenciar eventualmente o luto de entes queridos ou amigos próximos. Essa série de coisas anormais na nossa realidade podem acabar gerando, não necessariamente em todas as pessoas, quadros de depressão, ansiedade e stress, muito além daquele estamos acostumados a vivenciar. Por conta desse cenário, há um aumento expressivo de pessoas adoecendo mentalmente e o adoecimento mental pode resultar, como uma das suas consequências mais nefastas, no suicídio.

Ainda é cedo para afirmamos com dados o aumento de suicídios durante a pandemia, mas já sabemos, por exemplo, que a procura por atendimento psicológico e psiquiátrico aumentou de uma forma bastante significativa neste período que estamos. As pesquisas e indicadores a respeito de assuntos relacionados à saúde mental também têm aumentado bastante. Termos como depressão e ansiedade têm aparecido com bastante força.

2. O suicídio é um problema de saúde pública, mas não é discutido como deveria na sociedade e dentro das empresas. Na sua opinião, por que isso acontece?   

As empresas, principalmente aquelas que têm uma finalidade lucrativa e que trabalham em um mercado bastante competitivo, necessariamente vão buscar trabalhadores que são mais suficientes no ponto de vista de aguentar os passivos relacionados ao negócio.

Como estamos falando de ambientes de trabalho em que existe competição, onde as pessoas estão disputando a manutenção do emprego com colegas que já são empregados como ela e com um contingente gigantesco de desempregados, a pressão acaba sendo muito grande para que o empregado exiba uma condição acima da média e que se mostre bastante suficiente no sentindo de suportar um dia-a-dia severo e desafiador.

Além disso, nosso país carrega uma questão cultural que as pessoas têm vergonha de assumir que elas não estão bem, que estão passando por dificuldades. Na prática, as pessoas para manterem o emprego, acabam por sonegar ou esconder um eventual adoecimento mental. De uma forma resumida, ninguém quer ser taxado de louco, principalmente dentro de uma empresa.

Por exemplo, é muito mais fácil para o trabalhador apresentar um atestado médico de afastamento por uma perna quebrada, já que ele não será questionado sobre isso, do que dizer para a empresa que ele está com depressão porque ele será visto como frágil, alguém que não tem força mental, que não é emocionalmente preparado. Em um ambiente totalmente competitivo, ele acaba sendo atingido negativamente. Então, juntando a questão econômica e a questão cultural, as pessoas preferem esconder, ignorar ou manter isso em segredo.  Isso é um triste reflexo da pressão sofrida pelos trabalhadores pelas empresas, que pelo contrário deveria ampará-los e não levá-los a esse tipo de comportamento.

3. O suicídio pode afetar algumas categorias de trabalhadores mais do que outras?  

Sim. Os estudos mostram que algumas categorias têm características laborais muito próprias que acabam gerando uma propensão maior ao adoecimento mental. Como exemplo: policiais, professores, profissionais da saúde e categorias profissionais que são atreladas às profissões que exigem altíssima competitividade, como os bancários.

Quando se tem alguma categoria profissional, onde o mercado é muito acirrado e com níveis de exigência de performance bastante elevada, há uma tendência bastante alta do trabalhador desenvolver um quadro de patologia mental. Os bancários são uma categoria bastante crítica já que sofrem por cobranças, pressão e metas.

4. Que tipos de políticas devem ser implementadas nas empresas para prevenir o suicídio?  

Temos vários exemplos práticos que vão demonstrar de uma forma bastante concreta a maneira que a empresa pode agir.

Em primeiro lugar, a empresa precisa discutir o assunto. Ela não pode fazer de conta que isso não acontece, e não pode tratar os casos com indiferença ou como casos isolados. A empresa precisa desmitificar esse tema para que as pessoas vejam o transtorno mental e a própria vontade de morrer como algo que precisa ser discutido. É importante também que a empresa faça um trabalho de conscientização perante toda a organização para que os funcionários aprendam a respeitar e ajudar as pessoas que eventualmente estejam passando por um momento desse.

O papel primordial da empresa é apoiar, não é recriminar, julgar ou tentar encontrar causas ou motivos para as pessoas que estão adoecidas mentalmente. Qualquer pessoa, por mais forte e resiliente que seja, está sujeita a vivenciar algum tipo de adversidade na vida que pode desencadear transtornos mentais e por isso não podemos ter esse tipo de visão preconceituosa dentro das empresas.

Em segundo lugar, a empresa precisa dar um espaço para que o trabalhador, que não está se sentindo bem ou que está se sentindo comprometido nas suas faculdades mentais de alguma forma, tenha amparo e assistência médica especializada.

Essas práticas são muito fáceis de serem implementadas e trazem um resultado muito positivo. As empresas que fazem esse trabalho de discussão, desmitificação e criam um canal de atendimento e encaminhamento, geram um ambiente de trabalho mais saudável e são feitos verdadeiros milagres na prevenção do suicídio.

5. Como as pessoas próximas podem identificar comportamentos suicidas?  

Devemos observar mudanças muito importantes no humor ou na forma que a pessoa costuma agir ou lidar. Se você tem um colega que é mais expansivo, brincalhão, extrovertido e de repente, a pessoa começa a se retrair ou começa exibir sinais de que ela está muito fechada no seu próprio mundo, é um alerta de que algo de anormal está acontecendo.

A pessoa muitas vezes pode se demonstrar mais chorosa, menos interessada em fazer atividades prazerosas como sair ao ar livre, praticar esportes encontrar os amigos, socializar. Ela começa a evitar o contato mais próximo com os outros e começa a questionar o sentido da própria vida.

Já as pessoas que exibem sinais de ideação suicida mais severa, temos outros sinais. Se a pessoa começa a transparecer de que está planejando o próprio suicídio, se ela pesquisa na internet meios de morrer, se começa a banalizar a morte e começa exibir pouco valor a própria vida, a família e amigos precisam agir de uma maneira mais enérgica.

E como os amigos, parentes e colegas podem ajudar? conversando, fornecendo apoio, entendendo e aceitando o processo que a pessoa está passando e principalmente não julgando. Se você tem um familiar ou um amigo que está passando por uma situação difícil, se coloque em condição de ouvir e de querer ajudar. Se você observar que a pessoa está alterada em termos comportamentais, busque ajuda, procure um médico, psiquiatra ou psicólogo para que ela possa receber uma assistência técnica de pessoas que são qualificadas para ajudá-la nesse momento.

Muitas vezes, esperar que tempo resolva essa situação pode ser tarde. Há muitos casos de suicídios que poderiam ser evitados se as pessoas próximas, diante de um sinal desses, agissem. Acione um serviço médico, marque uma consulta, acompanha ela ao médico. O mais importante é não desprezar os sinais.

6. Como o trabalhador pode identificar se os sintomas que ele sente são passageiros ou se pode virar uma patologia mais grave?   

A própria percepção que temos de nós mesmos a respeito da nossa condição mental é muito importante. Não podemos achar que todos vão vivenciar um quadro depressivo severo. Todos estamos condicionados ao entristecimento, mas não chega a configurar um quadro severo de depressão ou de ansiedade.

É importante se conhecer. Quando você começa a observar que a vida começa a perder a graça, as coisas deixam de fazer sentido, os fatores que te motivam ou que lhe dão prazer se perdem, seu mundo se torna pálido e cinza, é hora de procurar ajuda, há algo errado com você.

Não Sofra Sozinho

A campanha “Não Sofra Sozinho”, foi lançada no ano passado pela Fenae com o objetivo de conscientizar e prevenir o adoecimento mental no trabalho.

Para os trabalhadores que estão se sentido depressivos, ansiosos, angustiados, a Fenae criou um e-mail para receber relatos e oferecer suporte psicológico, principalmente nesse momento difícil para todos. Basta enviar a mensagem para [email protected]. O sigilo e a discrição em relação às mensagens recebidas estão garantidos.

Fonte: Fenae

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