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Sobrecarga, desemprego e insegurança: a vida das mães um ano após chegada da covid-19

Brasil de Fato retoma contato com mulheres entrevistadas em maio de 2020 para entender o que mudou desde então

Recife – Mãe de três crianças, Rosangela Henrique Barbosa conta que, com o fim da creche e as intervenções no bairro, ficou mais difícil levar e buscar o mais velho na escola (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Cuidar dos filhos, das tarefas domésticas, enfrentar o desemprego e um futuro incerto. Essa tem sido a vida de muitas mulheres brasileiras que no último domingo (9) comemoraram o segundo Dia Das Mães em meio à maior crise sanitária do país.

No ano passado, em razão da data, o Brasil de Fato entrevistou algumas mães para entender quais foram os primeiros impactos sentidos após a chegada do vírus. Doze meses depois, estas mesmas mulheres declaram que a situação socioeconômica está ainda pior.

Uma realidade confirmada por dados que abrangem o gênero feminino como um todo. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), calculada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o coronavírus deixou mais da metade das brasileiras fora do mercado de trabalho, cerca de 8,5 milhões de pessoas.

A babá Bruna Mendonça, de 31 anos, entrou para essa estatística, mas, preocupada com as condições de sobrevivência de sua mãe e da filha de 5 anos, adaptou-se a uma nova e difícil rotina.

Quando conversou com a reportagem há um ano, ela já havia se mudado do Grajaú, onde vivia com sua família na periferia da zona sul de São Paulo, para morar com o namorado próximo a Raposo Tavares.

A ideia era ficar mais próxima da casa dos patrões, no Morumbi, para que eles arcassem com o custo de corridas por aplicativos e garantissem um deslocamento com menor risco de contaminação pela covid-19.

Mãe solo, deixou a pequena aos cuidados da avó com a mudança compulsória. Para sua surpresa, com o aprofundamento da crise econômica, teve sua rotina estremecida novamente.

“Eu fiquei desempregada bem na pandemia, porque tiveram problemas financeiros e me mandaram embora. Minha vida mudou de ponta cabeça. Percebi que na minha área estavam procurando pessoas que podiam dormir no serviço”, conta Bruna.

“Trabalhei mais dois meses na casa de uma família que precisou, na emergência, e agora trabalho em Santana. Estou trabalhando de segunda a sexta, dormindo no serviço e vou para casa no fim de semana. Cuido de três crianças”, diz a mãe, que sente alívio por estar empregada, mas que enfrenta a saudade de segunda a sexta.

“O difícil mesmo é ficar longe da minha filha, só que eu já ficava. Eu preciso para manter ela. O ex-marido só ajuda quando quer. Para conseguir cuidar dela, me adaptei de novo. Estou pensando no futuro. Com essa epidemia, não sei como vai ser o dia de amanhã”, desabafa a babá.


Bruna Mendonça Carvalho, de 30 anos, e a filha de 4 anos durante os encontros aos finais de semana / Arquivo Pessoal

Quando chega o fim de semana, Bruna volta para o Grajaú, e, como diz, “sente o baque” tentando dar conta de todas as demandas – desde as compras no mercado ao ajudar no esforço escolar da filha, que está em fase de alfabetização e tenta superar o prejuízo das aulas presenciais suspensas.

A mãe de Bruna, Beatriz Mendonça, também lidou com todas as dificuldades da maternidade solo. Hoje, as duas se apoiam para conseguir superar os impactos da pandemia.

Ela é costureira e autônoma, sem renda fixa. Estava recebendo o auxílio emergencial ao longo do ano passado e produzindo máscaras de tecido para venda. Agora, é afetada pela queda brusca no valor do benefício e diminuição da demanda por máscaras.

Ano passado ela recebia o valor de R$ 600, mas atualmente recebe apenas R$ 150.

“[O novo auxílio emergencial] É uma ajuda de custo que não supre nem o preço de uma cesta básica. É muito fácil chegar na televisão e falar que o auxílio não é aposentadoria. Todos nós sabemos disso, mas a pandemia não é culpa nossa”, diz, citando declaração do presidente Jair Bolsonaro em janeiro deste ano, quando negou a volta do auxílio.

“A pandemia está nesse ponto por culpa deles. De um ano para cá, as coisas só pioraram, nada melhorou. Continuamos pagando aluguel, água e luz cada vez mais cara. Esse presidente não faz nada pra ajudar, deveria baixar ao menos a alimentação, não cobrar tanto imposto. E a conta de luz aumentando… As coisas estão cada vez mais difíceis”, lamenta.


Bruna, sua mãe Beatriz e a pequena Brenda / Foto: Arquivo Pessoal

Trabalho não remunerado

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano passado, mulheres dedicam em média 18,5 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, na comparação com 10,3 horas semanais gastas nessas atividades pelos homens.

Se as mulheres já dedicavam mais tempo às tarefas de cuidados do que os homens antes mesmo da pandemia, a mudança da dinâmica dos lares aprofundou as condições de desigualdade, como mostra o estudo Sem Parar – o trabalho e a vida das mulheres na pandemia, da Sempreviva Organização Feminista (SOF), publicado no ano passado.

O coletivo aponta que 50% das brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia e 72% afirmaram que a necessidade de monitoramento e companhia aumentou. A pesquisa também evidenciou o racismo estrutural no país: 58% das mulheres desempregadas são negras.

De acordo com a SOF, “a organização do cuidado ancorada principalmente na exploração do trabalho de mulheres negras e no trabalho não remunerado das mulheres é um fracasso retumbante para a busca de redução das desigualdades antes e durante a pandemia do coronavírus.”

O estudo constatou ainda que cerca de 40% das mulheres afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco.

Esse é o relato mais comumente ouvido por Miriam Hermógenes dos Santos, de 48 anos, que trabalha como secretária na Central de Movimentos Populares (CMP). Há um ano, quando conversava com a reportagem, a situação das famílias que recebiam doações do movimento já era delicada.

Um ano depois, ela conta que parcela considerável das famílias assistidas e sem renda foram despejadas. A queda no valor do auxílio emergencial e a manutenção do desemprego em alta acentuam ainda mais a vulnerabilidade dessas pessoas.

“É a mulher que sofre maior impacto. Só ver nos metrôs e nos trens, muitas mulheres com crianças pedindo ajuda… São as mulheres que têm que garantir o leite e o pão pros filhos”, afirma  Miriam.

Trabalhando e se entregando à militância, o dia a dia de Miriam está mais atribulado do que nunca. Além das tarefas do trabalho, ela lida com a preocupação constante com seus 4 filhos e 3 netos, e outros parentes.

“Estamos nos desdobrando. A situação econômica e social do país se agravou demais. São muitas pessoas desempregadas na minha família, estamos tendo que nos juntar para ajudar os sobrinhos, que tiveram que ser acomodados na casa da minha mãe depois de perder emprego”, diz.

Atualmente, vive somente com sua filha de 16 anos, a quem tenta ajudar, sem sucesso, a conseguir o primeiro emprego. Segundo ela, seus filhos mais velhos não tiveram tanta dificuldade para ingressar no mercado de trabalho como a encontrada hoje.

Com unhas e dentes, Miriam enfrenta um cotidiano exaustivo misturando trabalho, militância, afazeres domésticos e a maternidade. Ainda que seus filhos sejam adultos, o  coração aperta diante do risco de contaminação pela covid-19.

Ano passado, a preocupação com seu filho que mora nos Estados Unidos a visitou todos os dias. “Graças a Deus ele já tomou as duas doses da vacina e continua trabalhando lá. Falava pra ele se cuidar, ele trabalha com fast food lá. Os daqui, tadinho, vão demorar para ser vacinados. Nem sei nem se eu consigo tomar”, critica.


Miriam e seus 4 filhos / Foto: Arquivo Pessoal

No limite

Todo esse contexto de pressão acende um sinal vermelho para a saúde mental das trabalhadoras, e, novamente, das mães. Um estudo da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) mostrou que quase 84% delas sentiram maior sobrecarga em cuidar dos filhos durante a pandemia.

Dentre as 822 mulheres entrevistadas, das quatro regiões do país, 25% apresentaram sintomas depressivos; 26,7% apresentaram sintomas de ansiedade; 22% de estresse e 39% apresentaram estresse pós-traumático.

Home office

A sobrecarga não é apenas relacionada aos trabalhos domésticos ou para as mulheres que não tiveram a opção de cumprir o isolamento social. Mesmo aquelas que entraram em regime de teletrabalho também sofrem o ônus com a sobreposição de papéis sociais.

Bárbara Castro, pesquisadora da sociologia do trabalho e docente da Unicamp, comenta que boas condições para trabalhar não perpassam somente pela garantia de infraestrutura mas pelas condições de existir um ambiente propício para o trabalho, sem interrupções. Algo que é ainda mais difícil para o gênero feminino. Principalmente para as mães.

“As mulheres, quando estão em casa, articulam trabalho e família o tempo inteiro, sobrepostos. A grande maioria delas não tem um espaço reservado e mesmo quando tem, as que possuem família, relatam terem suas rotinas interrompidas o tempo inteiro pelas demandas familiares, existe uma sobreposição”, explica Castro.

Ela afirma que durante as pesquisas que tem realizado é comum que a maioria dos homens tenham um escritório ou outro espaço reservado, e que o relato de interrupções são menores ou inexistentes para eles. Exatamente por isso, os homens afirmam ser mais produtivos trabalhando em casa enquanto as mulheres sentem que rendem menos.

Sob condição de maior estresse em razão do acúmulo de tarefas de cuidado, seja da casa ou dos filhos, as mulheres realizam jornadas mais pesadas no trabalho remoto e no presencial.

De acordo com a pesquisa da SOF, 41% das mulheres que seguiram trabalhando durante a pandemia com manutenção de salários afirmaram trabalhar mais na quarentena.

Fonte: Brasil de Fato

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