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Solitários no pavilhão: caboclos do 2 de Julho inspiram novos tipos de comemorações

Festa ao 2 de julho não terá desfile pela primeira vez; imagens não serão vistas, mas receberão orações

Barrados na ocasião do centenário da Independência da Bahia, em 1923, as figuras dos caboclos, representações das lideranças indígenas da revolta contra Portugal, deixaram de desfilar no cortejo do 2 de Julho, sendo substituídos pela imagem do Senhor do Bonfim. Naquele ano eles não puderam ir à festa. Neste também não irão. Não por causa de proibição, mas sim devido à pandemia de coronavírus que impede  a realização do desfile. É a primeira vez na história, em seus 197 anos, que o evento cívico não acontecerá.

No dia em que o sol nasce diferente na Bahia, optou-se por hastear a bandeira do estado e do país de forma simbólica, na presença das imagens. Longe do público, é verdade. Mas, para este foi pensada uma série de atividades virtuais como exibição de filmes e live show de fanfarras.

“Imagina se a gente ia deixar o Caboclo nu e preso? Vai ter roupa sim, e eles vão respirar na frente do pavilhão e voltar”, brinca Fernando Guerreiro, diretor cultural da Fundação Gregório de Mattos. Por receio de aglomerações, a prefeitura achou melhor não promover a saída das imagens.

Apesar da solidão, os caboclos se arrumarão com roupa de festa, como em todos os anos anteriores. As vestimentas das figuras têm quase sempre as cores da bandeira brasileira, mas agora terão  predominantemente amarelas, cor usada neste momento como sinal de alerta constante e demonstração que a situação está fora da normalidade. Mas o artista plástico responsável pelos trajes, João Marcelo, conta que escolheu a tonalidade para homenagear Obaluaê, orixá da medicina, evocando a cura contra o vírus inimigo.

 

Reconfiguração 
Participante da festa desde a adolescência, o restaurador José Dirson Argolo terminou sendo o responsável pela conservação dos caboclos e vem fazendo isto desde 1998. Não fosse pelo cenário, em maio, seu estúdio começaria a consertar as rachaduras que o trajeto irregular do calçamento provoca nas representações.

“Para mim, é uma das festas mais bonitas da cidade por causa da participação popular. Este ano é atípico, é horrível essa sensação de tristeza num dia em que a Bahia celebraria com tanto entusiasmo a sua independência, a sua história. É um vácuo”, opina José Dirson.

Pesquisador da festa e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o historiador Milton Moura inclui este momento de suspensão do cortejo como mais um na linha do tempo da tradição e define que “o Caboclo é a própria reconfiguração”. Símbolo da luta pela liberdade da Bahia, os caboclos foram sendo incorporados às religiões de matriz africana e até hoje recebem oferendas , além de pedidos.

“O Caboclo é a entidade que melhor nos ajuda a refletir sobre as mudanças que estão acontecendo. O Caboclo não se deixa prender por modelo, nem por orixás, nem por nada católico. Ele aparece na imagem de um índio, ele é a própria nacionalidade baiana em movimento”, explica Moura.

O designer gráfico Daniel Soto Araújo, que pesquisa o imaginário das festas populares, tem conversado com especialistas e descobriu a história mais aceita sobre a origem da expressão “chorar no pé do caboclo”:

“Se dizia ‘vá chorar ao vigário’, mas as pessoas não tinham acesso ao vigário. Aí veio depois a estátua do Caboclo, que ficou lá no alto, inacessível, e passaram a dizer ‘vá chorar no pé do caboclo’”.

Choro virtual
O pesquisador Milton Moura acredita ser bem provável que as pessoas não tentem percorrer as ruas neste dia diante da não realização oficial do evento, mas cada uma dará um jeito de celebrar, seja em pensamento, lembrando do dia histórico ou colocando oferendas e bilhetes no pedaço de natureza mais próximo de casa. O historiador observa, ainda, a introdução da virtualidade na festa, com a promoção de lives para contar a história do cortejo.

“Todas estas lives que têm acontecido já são a presença do 2 de Julho na internet. Eu não diria que a festa cedeu à virtualidade, ela está ocupando este espaço. O Caboclo dá jeito em tudo. Se não é mais possível aglomerar como antes, as pessoas vão descobrir outras formas de fazer”, avalia ele, que é fiel frequentador da festa e pretende deixar uma oferenda no gradil da Praça 2 de Julho, no Campo Grande.

Fonte: Correio da Bahia

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