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Artigo: Brasil é rebaixado ao ficar de fora do ‘G10 ou G11’ previsto por Trump

Por Assis Moreira.

 

O anúncio do presidente Donald Trump de que quer reunir uma espécie de “G10 ou G11” em setembro, sem mencionar o Brasil, representa um retrocesso constrangedor à posição brasileira na governança global, uma espécie de rebaixamento para a segunda divisão da ordem internacional.

No sábado, Trump disse a jornalistas que adiou de junho para setembro o encontro de cúpula do G-7, no qual ele pretendia reunir nos EUA os líderes das principais economias desenvolvidas (EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Canadá e Itália). O adiamento ocorreu depois que a premiê alemã, Angela Merkel, anunciou que não compareceria, por cauda da epidemia de covid-19.

A novidade é que Trump agora quer convidar também Rússia, Coreia do Sul, Austrália e Índia para o evento. O presidente americano descreveu o encontro como um “G10 ou G11” para discutir o futuro das relações com a China.

“Estou adiando porque não acho que, como G7, represente adequadamente o que está acontecendo no mundo”, disse Trump, segundo a agência Reuters.

Para o Brasil, se a reunião ocorrer realmente nesse formato, estará em contradição com a própria hierarquia internacional. O Brasil seria a única grande economia do mundo excluída. Representará um rebaixamento brutal no lugar que ocupa na governança mundial.

Essa “desmoralização”, como notam alguns analistas, seria a tradução de um desgaste monumental na cena internacional, que começou na época do impeachment da então presidente Dilma Rousseff e a campanha do PT no exterior; agravou-se com a eleição de Jair Bolsonaro; acelerou-se com os incêndios na Amazônia, e atinge agora o auge com a gestão da pandemia do covid-19.

O anúncio de Trump vai também na contramão do que disse o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, na famosa reunião ministerial no Palácio do Planalto, cujo vídeo foi divulgado por ordem do STF.

Na ocasião, Araujo declarou-se “cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade, de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial. […] Assim como houve um Conselho de Segurança que definiu a ordem mundial depois da Segunda Guerra, vai haver uma espécie de novo Conselho de Segurança e nós temos, dessa vez, a oportunidade de estar nele e acreditar na possibilidade de o Brasil influenciar de forma a ajudar a formatar um novo cenário”.

Como organizador da cúpula do G7 neste ano, Trump pode convidar quem quiser. É o que pretende fazer, por exemplo, com o convite para a Rússia, que foi suspensa do G8 em 2014, após a anexação da Crimeia, que era da Ucrânia. Moscou não volta como sócio do clube, mas como convidado.

Normalmente, o país sede do G7 ou mesmo no G20 convida alguns países de fora (outreach) para uma participação. A escolha normalmente tem um caráter predominantemente regional ou de relacionamento mais próximo.

Apesar da relação quase carnal que Bolsonaro quer ter com Trump, o presidente americano parece mais focado em outros países nesse caso.

Em termos de participação global, antes da grande crise financeira global de 2008-09, o Brasil foi convidado por alguns anos pelos países do G7 para participar de uma parte dos encontros de cúpula das maiores economias desenvolvidas.

Quando explodiu a crise de 2008-09, os principais países cogitaram vários formatos para incluir grandes emergentes na resposta à grande recessão global. Foi nesse período também que surgiu o Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).

Na época, os países discutiram a criação de um G-13, e o então presidente francês Nicolas Sarkozy mencionou um formato de G14, que incluiria o Egito. Mas em todos os formatos imaginados, o Brasil estava dentro.

O então presidente George W. Bush optou pelo formato G20, influenciado por seu secretário do Tesouro, Henry Paulson, que conhecia como funcionava esse grupo na área financeira, que já funcionava há vários anos.

Uma das histórias que se contava à época apontava a Austrália como o país que mais argumentou por um G20, porque em todos os outros formatos o país estava de fora – ao contrário, portanto, do Brasil.

Durante a crise financeira e no pós-crise, o Brasil teve participação importante na governança global, incluindo nas tentativas de reformas. O contraste agora é enorme.

Pode-se até argumentar que, se não ser convidado para o dito G11 de Trump, o governo Bolsonaro evita o constrangimento na relação com a China, principal comprador dos produtos agrícolas brasileiros. Mas isso não é algo com que partidários do governo Bolsonaro parecem estar preocupados. Basta ver seu filho Eduardo falando na internet com a bandeira de Taiwan atrás dele.

A percepção que vai prevalecer é mesmo de que o governo Bolsonaro terá ficado de fora de uma reunião internacional importante, para a qual Trump convidou alguns amigos.

 

Assis Moreira é correspondente em Genebra do Valor Econômico desde 2005. É formado em jornalismo pela Universidade de Brasília, e estudou também na Universidade de Fribourg (Suíça) como bolsista do governo suíço. Começou no jornal O Dia, de Teresina, na adolescencia. Foi repórter do Jornal de Brasília, O Estado de S. Paulo, Radio Suíça Internacional em Berna, correspondente da Gazeta Mercantil em Genebra. Cobriu vinte vezes o Fórum Mundial de Economia, em Davos, e dezenas de conferencias ministeriais em vários países.

Publicado no Valor Econômico.

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