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Manifesto contra o assédio moral e sexual na Uesb

Assédio moral e sexual na Uesb
Um manifesto contra a leniência institucional

Bates-me e ameaças-me
Agora que levantei minha cabeça esclarecida
E gritei: “Basta!” (…) Condenas-me à escuridão eterna
Agora que minha alma de África se iluminou
E descobriu o ludíbrio E gritei, mil vezes gritei: _Basta!”.
Armas-me grades e queres crucificar-me
Agora que rasguei a venda cor-de-rosa
E gritei: “Basta!”

Condenas-me à escuridão eterna Agora que minha
alma de África se iluminou E descobriu o ludíbrio..
E gritei, mil vezes gritei: _Basta!_

Ò carrasco de olhos tortos,
De dentes afiados de antropófago
E brutas mãos de orango:

Vem com o teu cassetete e tuas ameaças,
Fecha-me em tuas grades e crucifixa-me,
Traz teus instrumentos de tortura
E amputa-me os membros, um a um…

Esvazia-me os olhos e condena-me à escuridão eterna… –
que eu, mais do que nunca,
Dos limos da alma,
Me erguerei lúcida, bramindo contra tudo:
Basta! Basta! Basta!

Por Noémia de Sousa

A voz de Noémia de Sousa, poetisa moçambicana, ecoa dor e humilhação, ecoa resiliência e resistência, ecoa morte e vida, ecoa alto e forte as vozes das mulheres vilipendiadas na senzala e no pelourinho, no eito e no serviço “doméstico”, na fábrica e no “doce lar”, na terceirização e na informalidade. Ontem, vendidas no mercado de escravas; hoje, exploradas no mercado de trabalho, sem proteção ou direitos sociais, reificadas tanto pelo senhor da casa grande, homem branco e colonizador, quanto pelos “donos da República”. Eis uma ordem que organiza a sociedade de classes em torno de figuras de autoridade do sexo masculino, heteronormativa, heterossexista, machista, misógina e racista.
No Brasil, as mulheres há muito conhecem o mercado de pessoas reduzidas a sua força de trabalho, silenciadas pela imposição da necessidade. As negras escravizadas labutavam nos serviços pesados de forma indiscriminada, grávidas ou lactantes realizavam o que havia para ser feito, punidas com brutalidade, constantemente lembradas da sua condição pela violência sexual e imposição da maternidade. As imigrantes, operárias nas fábricas no inicio do século XX, estavam submetidas a jornadas de até 16 horas diárias, assim como homens e crianças. Não bastasse a expropriação da força de trabalho a elas ainda era reservado o constrangimento moral, abuso sexual e salários inferiores aos dos operários. Mais de cem anos depois, continuamos a reivindicar “salário igual para trabalho igual” e o fim dos abusos praticados pelos chefes imediatos e patrões.
No século XXI, as relações de sexo, raça e classe têm condenado as mulheres a transitar entre a exploração e apropriação de suas vidas. O mercado de trabalho, sob o fetiche da igualdade de oportunidades, é o “locus do livre acordo entre patrão e empregada”; sob a inexorável realidade, é o locus de expropriação máxima e de alienação das trabalhadoras, que se exerce de forma sutil e brutal ao mesmo tempo, que subordina a mulher ao capital e a reduz a sua condição única de reprodutora e força de trabalho, que a transforma em pura necessidade, subsumida aos valores, ideias e representações daqueles que continuam a usar o açoite e a assediar na rua, na escola e no trabalho.
Patrões e chefes usam o temor da mulher em perder seu meio de subsistência para coagi-la a cumprir jornadas de trabalho extenuantes, a tolerar ofensas, constrangimentos e humilhação, além dos abusos relativos ao corpo.
O assédio no local de trabalho envolve uma relação de poder, na qual a mulher está, conforme padrões socioeconômicos e históricos, em posição hierarquicamente inferior e sente-se vulnerável, humilhada, culpada e com medo de reagir. De modo geral, o assédio sexual caracteriza-se por comentários insistentes e constrangedores sobre o aspecto físico, roupas e comportamento; convites reiterados e coercitivos; contato permanente e indesejado por meio das redes sociais; toque no corpo sem consentimento; proposta ou chantagem de natureza sexual manifestada por palavras, gestos ou outros meios; exigência de sexo em troca de benefícios ou para evitar prejuízos. Já o assédio moral, implica em desqualificação do trabalho e aspecto físico e, em muitas situações, as mulheres são fragilizadas, apontadas como péssimas profissionais e colocadas sob suspeita.
Contudo, o assédio moral e sexual não pode ser reduzido a uma prática isolada a ser combatida nos homens, mas como um fenômeno social engendrado pelo patriarcado, pelo o racismo e pelas desigualdades inerentes a uma sociedade de classes, como a brasileira. A reestruturação das forças produtivas, com a profunda terceirização e contratos precários de trabalho, intensificou o processo de exploração das mulheres.
É urgente políticas de combate ao assédio, com aparelhos públicos que permitam proteger as mulheres; projetos pedagógicos que discutam o tema; campanhas informativas e espaços de acolhimento, preparados para acompanhar as situações, sem julgamento moral ou punitivismo. É preciso reconhecer que no campo formativo, a Universidade Pública tem um papel social determinante, tem o compromisso de produzir conhecimento sobre a temática, mas acima de tudo, estimular uma nova sociabilidade e espelhar, na prática, o enfrentamento ao comportamento abusivo daqueles que dirigem a Autarquia.
Sabemos que a causa histórica da superação do assédio moral e sexual não reside na punição, mas o movimento de mulheres organizadas tem nos ensinado que a leniência não é omissão, mas uma posição em defesa da “sociedade organizada em torno das figuras de autoridade masculina.”
Nesta perspectiva, aqui nos manifestamos contra todas as formas de leniência com a violência institucional na Uesb. Reivindicamo@os que o Magnífico Reitor instale o Processo Administrativo Disciplinar para apurar as acusações de assédio moral que recaem sobre o gestor do Sistema UESB de Rádio e Televisão Educativas (SURTE), conforme relatório produzido pelos membros da Comissão de Sindicância Administrativa Investigatória, instituída em 14 de março de 2023, por meio da Portaria n°143, de 14 de março de 2023, designados pelo próprio Reitor, Prof. Dr. Luiz Otávio de Magalhães.

Basta! Basta! Basta!

Assinam este Manifesto:
Profa. Dra. Márcia Lemos – Departamento de História |Uesb;
Profa. Dra. Carmen – – Departamento de Filosofia e Ciências Humanas |Uesb;
Profa. Dra. Maria Madalena Souza dos Anjos – Departamento de Ciências Sociais Aplicadas|Uesb;
Profa. Dra. Sofia Manzano – Departamento de Ciências Sociais Aplicadas|Uesb;
Profa. Dra. Luciana Santos Silva – Departamento de Ciências Sociais Aplicadas|Uesb e presidente da OAB Subseção Vitória da Conquista – Bahia;
Viviane Sampaio – Vereadora por Vitória da Conquista|Integrante da Secretaria de Mulheres – PT;
Gisele Assis – Advogada e membro da comissão de Direito Civil e da Criança e Adolescente da OAB subseção Vitória da Conquista – Bahia;
Keu Souza – Graduanda em História|Uesb e Conselheira no Conselho Municipal da Mulher;

Camille Correia Santos – Diretoria p/Assuntos de Gênero do Sindicato dos Bancários de Vitória da Conquista e Região;

Entre outras.

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