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O direito “pago” ao lugar de direito

Confira o artigo do funcionário da Caixa, bancários há 17 anos, graduado em Administração e mestrando em Ciências da Comunicação, Carlos Nascimento, sobre a monetização dos serviços.

Há poucos dias minha esposa relatou que teve que pagar R$ 2 por uma embalagem de presente numa loja de chocolates finos localizada em um shopping da cidade. Por mais acostumado que esteja com situações semelhantes, este fato me indignou e me fez refletir, pois, uma loja de chocolates especiais não vende “chocolates”, seu negócio é vender presentes. Afinal, chocolates, de melhor ou pior qualidade, são encontrados por preços mais em conta em lojas de alimentos, e nestas as referidas embalagens já são, há algum tempo, vendidas à parte. Mas, uma loja de presentes cobrar a mais pela embalagem de presente? O que justifica isso?

Também noutro dia estive em um cinema tradicional e, para minha surpresa, os assentos centrais da sala de projeção, aqueles de melhor visualização da tela, haviam sido substituídos por poltronas mais confortáveis e reclináveis. Para ocupá-las, agora é cobrado um acréscimo no valor do ingresso de coincidentes R$ 2. Entendo que se trata de um valor pequeno, e que o consumidor tem o direito de pagar a mais por aquele benefício, contudo, mantenho meu questionamento: e o direito dos demais, que até então se esforçavam para chegar um pouco mais cedo para ocupar aquele lugar? Agora não se basta? É preciso, além disso, pagar um preço a mais pelo mesmo espaço?

Agreguemos a isso as já discutidas viagens de avião, onde se deve pagar à parte pela bagagem, pela comida e pelo lugar marcado. Também as vagas pagas dos estacionamentos dos shoppings ou as tarifas bancárias, ambas cobradas para dar o “direito” ao cliente de consumir aquele serviço oferecido. No caso dos bancos por exemplo: dar o direito ao cliente de emprestar seu dinheiro àquela instituição. O consumidor, ao pagar por um produto ou serviço, consegue comprar agora apenas a sua matéria bruta. O resto? Virou acessório. Forma barata e enganosa de explorar e ganhar dinheiro fácil.

Apesar de ter consciência das teorias de eficiência empresarial que ensinam a maximizar os lucros a partir do foco no objeto do negócio e no incremento de serviços aderentes, me pergunto quais os reflexos para uma sociedade como a brasileira, endividada, assolada pelo desemprego e com baixa renda per capita?
Retomando os exemplos dados: uma sessão de cinema com minha família custa hoje, grosso modo, cerca de R$ 100, e agora, para sentarmos ao centro da sala, 108. Ocorre que minha renda familiar, assim como a da maior parte da renda dos brasileiros, não teve nos últimos anos um aumento real de 8% e, ainda que isto tivesse ocorrido, é sensato pensar que este deviria ser revertido em poupança, saúde, ou mesmo itens de conforto, não necessariamente em um consumo imposto por demandas inventadas.

Logo, fácil é concluir que as cobranças aqui exemplificadas se servem a propiciar o aumento do lucro através da oferta ao consumidor do direito (ou da opção) de permanecer no lugar onde historicamente sempre esteve, desde que agora possa pagar por este. Desta forma, contribuem para uma hierarquização violenta da sociedade, uma vez que seus entes são lançados para baixo e convencidos, através da crença na autoafirmação pelo consumo, da necessidade de haver sempre um empenho extra para o alcance do reconhecimento merecido. Discurso justo e adequado ao processo meritocrático, indutor de uma depressão coletiva dada aos que passam a se sentir incompetentes ou inferiores por não conseguirem gerar capital suficiente para a manutenção de seu status.

Tomando o caminho inverso, caberia perguntar a chocolateria se, pela mesma lógica da sacola de presente, não seria direito do cliente comprar a iguaria por um preço menor, abrindo mão de seu vistoso invólucro? Afinal, o produto de venda é o chocolate, não seus complementos. Talvez também um possível desconto no preço de quem venha a comprar um assento nas extremidades da sala de projeção, assumindo para si o desconforto de assistir ao filme de um ângulo menos adequado? Ou quem sabe, por aquela poltrona do avião que não reclina direito por ficar imprensada junto ao sanitário? Abate-se quanto?

Abate-se nada! E já que estas possibilidades não se fazem reais, como reagem as pessoas que se veem ceifadas de seu lugar no mundo pela dura e crua monetarização deste? A sociedade pós-moderna, ao estabelecer a valoração dos seres humanos por sua capacidade de compra, também se coloca como promotora de violências e frustrações que emergem das limitações impostas a esta felicidade idealizada.

Reagir a estes processos com cautela e inteligência pode se revelar um caminho possível a melhor compreensão deste momento de mundo. A construção da identidade pessoal não pode ceder ao imperativo do consumo como forma de afirmação, pois, seu fim será a exaustão e o esgotamento dos recursos naturais, humanos e financeiros para a sustentação de um modelo social tacanho, que sorve impiedosamente seu próprio sustentáculo na esperança de se preservar para além de sua obscura opção.

As opiniões expressas não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.

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