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“A pessoa se sente totalmente abandonada, no fundo do poço”

Nesta semana conversamos com Marcos Dias dos Santos, o bancário do Bradesco, sobre a sua luta para garantir seus direitos após adquirir Lesão por Esforço Repetitivo.

Há quantos anos você é bancário? Entrei no Banco Econômico em 1980, mas minha carteira foi assinada em 1º de abril de 1981. Então, este ano eu completo 37 anos como funcionário de banco. Passei pelo Econômico, Excel, Bilbao Vizcaya – BBV e, atualmente, estou no Bradesco.
Antes de adoecer, qual era a sua percepção sobre a LER? Posso resumir da seguinte maneira: só sabe o que é LER/DORT quem tem. Por ser uma doença que não é visível, quem está de fora julga e confunde com “corpo mole”, mas isso não é verdade. Os exames comprovam a força muscular que você vai perdendo, o formigamento, a fraqueza e os diversos sintomas sérios adquiridos pela exploração e excesso de trabalho. Para o banco, o que você fez ontem, hoje, não serve e, a cada dia, é preciso produzir mais. Quando você não consegue, por estar doente, é descartado.
Qual a reação do banco sobre a sua doença? A gente acha que o banco é uma família, quando, na verdade, não é. Meus superiores da época, ao saberem da lesão, me demitiram utilizando um exame periódico falso. Quando houve o fechamento do Econômico e fomos para o Excel, pela motivação da reabertura, nós assinamos vários papéis, inclusive esse exame periódico em branco, que ficou em posse de um médico e foi usado posteriormente de forma irregular. Em 2005, conseguimos provar, por meio de um exame grafotécnico, que houve má-fé e fomos reintegrados. Após essa ocasião, já fui demitido mais outras duas vezes, conseguindo posteriormente as reintegrações com ordem judicial. Às vezes, somos inocentes na relação com a instituição. Eu, por exemplo, nunca fiz greve. Mas o banco só dá algo exigindo o retorno e, para cortar os custos, nada nem ninguém é preservado. Na minha agência, temos mais ou menos de 15 a 20 pessoas lesionadas que se afastam e voltam a trabalhar. Não temos um apoio no RH do banco para incentivar o tratamento ou encaminhar para uma aposentadoria por acidente de trabalho. Nos sentimos abandonados. A realidade é que, a qualquer momento, o trabalhador adoecido pode ser demitido, como eu já fui por três vezes.
Após seu retorno do INSS, como ficou o ambiente de trabalho? Na época, havia um superior que promovia uma perseguição com intuito de me difamar, chegando a buscar imagens minhas na rua utilizando pasta de trabalho.Particularmente, nessa época, com esse gestor, foi terrível. O retorno ao banco não foi nada receptivo. Era um ambiente de assédio, onde fui direcionado para setores com serviços de movimentos repetitivos, que, ao invés de ajudar, só fizeram agravar o meu caso.
Posteriormente ao adoecimento, você conseguiu crescer na empresa? Quando a pessoa se afasta por doença, na grande maioria dos casos, é bloqueada em qualquer tentativa de desenvolvimento. Infelizmente o banco entende que, com o adoecimento, o funcionário não tem mais nada a oferecer e, por isso, busca encostá-lo e, de alguma forma, tirá-lo da empresa para acabar com o “problema”. Isto eu tenho visto naquela época e também nos dias de hoje, pois não é disponibilizado acesso para nada. Perspectiva zero. Quando, eventualmente, surge uma oportunidade de promoção, é para outra cidade, o que não resulta em ganho real.
Como você vem fazendo o tratamento? Hoje eu faço fisioterapia, hidroginástica, acupuntura, alongamentos, tive que contratar um personal trainer para me ajudar nos procedimentos e tomo medicamentos diários. Então eu posso lhe afirmar que a despesa é frequente. O pior é quando acontece a demissão: você pega toda a sua reserva e vai destruindo com o tratamento, porque você perde, primeiramente, o plano de saúde. Quando não se tem a doença, quase não utilizamos o plano e fazemos a empresa crescer. Após adoecer, perdemos o plano e ficamos com a doença. Ao estar doente, desempregado e sem plano de saúde, a pessoa se sente totalmente abandonada, no fundo do poço. Podemos observar que hoje, nos bancos, há mobílias apropriadas para desempenhar a função e o envio de pessoas de Recursos Humanos unicamente para demonstrar posturas adequadas durante o trabalho, mas, devido à cobrança diária por resultados, ninguém consegue permanecer na maneira correta ou pausar para fazer alongamentos. Tudo isso é uma maquiagem.
Qual a importância do apoio do Sindicato nestes momentos? Esta equipe que está à frente do Sindicato possui pessoas que já passaram pelos mesmos problemas que citei aqui e, por isso, tem feito da entidade uma extensão da casa do trabalhador. Essa diretoria tem feito um bom trabalho, justamente por entender o que acontece com os adoecidos. Quando você sabe pelo que o outro passou, fica mais fácil representar. Hoje temos acesso aos diretores, um apoio jurídico bastante presente e advogados muito representativos. O que o trabalhador tem que saber é o seguinte: no momento delicado, que é o adoecimento, o único apoio que ele tem é o Sindicato. Independente de não gostar da organização ou de ouvir o que não quer, é necessário andar com o Sindicato. Uma sugestão que faço é que os bancários se unam e não esperem ficar adoecidos para tomar uma atitude. Vamos nos organizar, chamar os políticos, os médicos, o INSS, para criar uma bancada e não deixar a luta apagar. Não adianta conseguir apenas o afastamento. Os bancários que têm LER/Dort precisam andar unidos e denunciar para que uma mudança possa acontecer. Não fique no silêncio, porque se hoje você é badoque, amanhã você pode ser espelho.

As opiniões expressas na entrevista não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.

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