A era das privatizações está de volta. Basta olhar o pacote de recuperação fiscal que está sendo negociado entre o governo federal e o governo do Rio Grande do Sul para confirmar: estão na mira a Companhia Estadual de Energia Elétrica, a Companhia Riograndense de Mineração, a Sulgás e o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul).
O banco estadual é considerado “a joia da coroa” gaúcha, nas palavras do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Já o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, admitiu que sua venda “vai fazer parte das discussões” sobre “o que será necessário” para a recuperação do estado.
A venda do Banrisul como tábua de salvação para a economia faz parte de uma série de ataques feitos aos bancos públicos brasileiros nos últimos anos. Representa também o retorno à política de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente que deu fôlego às privatizações. Entre outras empresas públicas, vendeu principalmente bancos estaduais. Hoje, restam abertos cinco bancos estaduais.
Meirelles confirmou os interesses na privatização do banco gaúcho na quinta-feira passada, 26 de janeiro. Pouco mais de 24 horas depois, as ações do Banrisul registraram um aumento acumulado de 22,5% entre quinta e sexta-feira. A alta foi tão repentina que, no dia seguinte ao anúncio, o banco precisou emitir um comunicado ao mercado a pedido da Bovespa para “justificar a movimentação atípica de ações”. O texto, no entanto, não menciona o ministro, mas aponta como motivo da corrida por ações uma publicação jornalística:
“A movimentação atípica se deu a partir da matéria publicada pelo jornal Valor Econômico que, em seu artigo de capa e em versão eletrônica, colocou a privatização do Banrisul como condição para ajuda do Governo Federal ao Estado do Rio Grande do Sul.”
O anúncio da análise sobre a possibilidade de venda do banco foi o suficiente para deixar o mercado financeiro ouriçado. O banco BTG Pactual, segundo o site InfoMoney, já prevê que “o valor de um Banrisul privatizado seria de pelo menos duas vezes o valor atual”. Já o presidente do banco Santander, Sergio Rial, disse se considerar “obrigado” a avaliar a oportunidade, segundo o jornal Zero Hora.
O professor de economia Fabricio Jose Missio, da Universidade Federal de Goiás, afirma que, pelo posicionamento do governador gaúcho — de redução do tamanho do Estado e da venda de estatais — e dada a crise econômica do estado, “é provável que essa discussão siga em frente e que aconteça, de fato, a privatização”.
Tamanho interesse pelo banco gaúcho pode estar no fato de que a instituição renovou, em maio de 2016, o contrato exclusivo de dez anos para fazer o pagamento dos servidores do estado. O banco pagou R$ 1,27 bilhão para se manter o único operador dos salários do funcionalismo. No final de setembro de 2016, seus 45 mil consorciados lhe rendiam um saldo de ativos totais de R$67,8 bilhões. O banco tem 536 agências distribuídas pelo país e no exterior, com 11.255 funcionários.
Ironicamente, o Rio Grande do Sul está entre os estados listados com maiores problemas financeiros, com salários atrasados. “Existe uma expectativa, por parte da iniciativa privada, de gerenciar essa carteira que gera muito dinheiro”, explica Missio.
Há uma lógica perniciosa que motiva este interesse da iniciativa privada pelo Banrisul. Além de ser uma folha de pagamento robusta, já que todos os servidores do estado passam a ser obrigados a ter conta no banco, os débitos desses servidores também tendem a ser atrelados ao banco de sua conta salário. E, em tempo de crise econômica e salários atrasados ou parcelados, a tendência é de aumento do endividamento com empréstimos e cheque especial, que geram lucros para o banco a partir da cobrança de juros. A taxa de cheque especial em 2016, por exemplo, no Banrisul girou em torno de 12% enquanto no Santander ficou na faixa dos 15%.
O ataque aos bancos públicos começa em 2009. O motivo central das críticas feitas por analistas da imprensa tradicional era o aumento nos repasses feitos do Tesouro Nacional para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A ideia, então, era estimular a economia com mais financiamentos direcionados em investimentos que se convertessem em emprego e produção para combater a crise econômica. Entre 2009 e 2014, o Tesouro transferiu cerca de R$ 411 bilhões ao BNDES. Essas medidas foram então elogiadas até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
A pesquisadora da Unicamp Maria Cristina Penido de Freitas, doutora em economia pela Universidade de Paris, explica que, após o impeachment, o cenário mudou:
“Agora que mudou o governo, que o neoliberalismo regressou, voltou também a discussão sobre a privatização, que era uma discussão da época do FHC. Com a crise dos estados, vão aproveitar para vender o que ainda é público. Estão ressuscitando até a ideia de fundir a Caixa ao Banco do Brasil.”
Mais do que a venda, entre os bancos federais tem se destacado a mudança de gestão voltada para os interesses do mercado. Eles estão agindo sob a mentalidade de bancos privados, que focam no lucro, e, com isso, o País perde. Mudanças recentes no Banco do Brasil, por exemplo, demonstraram um interesse maior em aumentar a rentabilidade e “melhorar a eficiência operacional”. Em outubro, BB e Caixa chegaram a manter juros mais altos do que os de bancos privados.
“Se é para se comportar como banco privado, então privatiza”, critica a professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Denise Gentil. Ela explica a diferença entre os posicionamentos e a importância de bancos públicos:
“O resultado que um banco público quer colher é o progresso. Eles podem correr o risco de fazer empréstimos de longo prazo que os bancos privados não fazem, porque têm um objetivo de retorno a curto prazo como lucro elevado. Por isso, numa crise, os bancos privados se protegem. Então eles correm para outros ativos que não são de interesse coletivo, eles se preservam da crise. Eles param de emprestar, como vimos em sua forma mais dura no Rio de Janeiro, onde alguns serviços foram vetados.”
O Brasil já tem um número restrito de bancos. Dos quatro maiores (Banco do Brasil, Itaú, Caixa e Bradesco), dois são federais. Juntos, os quatro detêm 72,4% do mercado. Isso faz aumentar a importância dos dois principais bancos públicos, porque não existe competição forte que faça, por exemplo, as instituições disputarem na oferta de empréstimos. Ou seja, a alta concentração bancária diminui a oferta de crédito.
“A questão é que as taxas de lucro dos bancos no Brasil são absurdamente altas”, explica Freitas. Entre julho e setembro de 2016, o Banco do Brasil teve um lucro líquido de R$2,337 bilhões de reais. Para ela, não é necessário que bancos públicos tenham taxas de juros tão elevadas quanto as privadas e não se pode avaliar um banco público com os critérios de bancos privados, porque seus objetivos são diferentes: “O argumento de que um banco público não é eficiente é absolutamente ideológico”.
Quem acaba sofrendo mais com essas mudanças de posicionamento dos bancos federais é a população mais pobre, que é cliente de empréstimos menores. Os serviços dos quais ela depende não interessam aos bancos privados, que focam em empréstimos de altas quantias a curto prazo, porque dão mais lucro.
Da mesma forma as agências fechadas em regiões para fora do ciclo Rio-São Paulo, onde está o maior peso da economia, também não interessam por não gerarem tanta lucratividade. É o que explica Missio:
“Quando o Banco do Brasil fecha agências, por exemplo, você pode ter certeza que quem vai sofrer mais vai ser a população rural familiar. Porque não estamos falando de um país como a Inglaterra, que tem uma agência bancária em cada esquina. A alta concentração bancária e os juros altos sempre vão afetar a parcela mais pobre da população.”
Finalmente, os juros dos bancos federais ficarem mais altos do que o dos particulares é, segundo o professor, “um ajuste no tamanho do Estado” e “uma estratégia para fortalecer os bancos privados que, junto da Fiesp, são os principais apoiadores do processo de impeachment”.
Ou seja, a conta chegou.
Fonte: Caros Amigos