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“Não se trata de modismo dos bancárias e bancários”

""Nesta edição entrevistamos o professor da Universidade Federal da Bahia, doutor em Saúde Pública e coordenador da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CIST), Luis Rogério Cosme, sobre o adoecimento no ambiente bancário.

Quais são os principais tipos de adoecimento no ambiente de trabalho bancário? De um modo geral, os dados dos serviços no país apontam para dois grupos principais de agravos ocupacionais que acometem os bancários. Primeiro, as doenças do aparelho musculoesquelético, a exemplo das LER/DORT, e, segundo, os transtornos mentais. São problemas reconhecidos pela Previdência Social. No Brasil, segundo dados previdenciários, de 2003 a 2014, observou-se um aumento dos auxílios por distúrbios musculoesqueléticos na população geral de trabalhadores de 199% e um aumento de 1964% dos transtornos mentais relacionados com o processo e a organização do trabalho. Neste contexto, os bancários estão em grande número, sem dúvida.

Como o mobiliário influencia o aparecimento de doenças ocupacionais? O mobiliário desempenha um papel importante nas lesões musculoesqueléticas. Ele condiciona o trabalhador a posturas inadequadas, por exemplo. No caso do movimento repetitivo, uma “quina viva” de mesa pode causar micro traumas em punhos e cotovelos, que só serão percebidos mais adiante, quando diagnosticados como LER/DORT. Contudo, nós que atuamos no campo da promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, não entendemos o mobiliário como fator principal de adoecimento. A conjugação de fatores é que chama a atenção pelo risco que exerce para a saúde do trabalhador. Por exemplo, você pode tiver o mobiliário mais adequado do mundo, mas se as metas forem desumanas, se as relações de poder e hierarquia nas agências forem centradas na cobrança abusiva de produtividade, se a estimulação à concorrência beirar o assédio moral, se não existe por parte dos bancos o cumprimento da lei de pausa no trabalho, então o mobiliário é um fator de risco menor.

Como é feita a fiscalização nos bancos? A ação de fiscalização é uma atribuição do Ministério do Trabalho. No SUS, por meio do Ministério da Saúde, o que se faz é vigilância. Ou seja, no SUS a abordagem da saúde transcende o conceito de fiscalização pontual no âmbito trabalhista, do trabalho e da segurança. A vigilância é diferente. Sua prática imprime a necessidade da educação sanitária e revela uma ação contínua e sistemática. A política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, lançada em 2011 pelo Governo Federal, veio para fortalecer as interfaces entre estes dois ministérios (Trabalho, Saúde e o da Previdência Social). As ações dos ministérios podem ser conjuntas ou isoladas, geralmente têm sido isoladas e incipientes. Cabe aos sindicatos na região atentarem para isso, no sentido de fortalecer as ações de saúde do trabalhador, ocupando espaços nas entidades e instituições que deliberam sobre esse campo.

As instituições financeiras impõem algum tipo de dificuldade no momento da fiscalização? Tanto a fiscalização quanto a vigilância são ações que geram retraimento por parte dos bancos. Mas cabe ao poder público negociar o acesso ao ambiente de trabalho, afinal, a legislação vigente não é somente para punir banqueiros, mas para proteger os trabalhadores e os patrões dos danos que o trabalho em condições precárias e insalubres podem acarretar. É comum que a equipe de vigilância aguarde “um pouco” na porta da agência para que a autorização de acesso seja permitida. Há sempre um desconforto quando se está submetido a avaliação de condições de trabalho. Não é tranquilo ser supervisionado. Talvez sabendo disso, os bancos tratassem melhor seus funcionários.

Após a identificação da doença, quais medidas devem ser tomadas pelo banco? A princípio, ninguém deve adoecer ou morrer em função do trabalho. Muito menos o bancário. A função do trabalho é gerar riqueza, gerar satisfação, gerar qualidade de vida, promover identidade do sujeito e saúde. No século 21, o costume de limitar o cuidado à saúde ao ato mecânico de “identificar doença do trabalho” nos bancos do Brasil é uma tragédia. Mas, uma vez doente, o bancário deve exigir a emissão da CAT e o banco deve afastá-lo do fator de risco, imediatamente, para que haja o devido tratamento. Um caso desse pode desencadear medidas de prevenção, porque se um bancário adoece, outros virão em seguida. Não se trata de modismo dos bancários e bancárias. Na verdade, situações assim apontam para a necessidade de mudança urgente no processo e na organização do trabalho, porque são insalubres.

Existe paralelo entre a pressão psicológica e o adoecimento físico? Se os banqueiros lessem A loucura do trabalho, de Christophe Dejours, para além da cartilha dos economistas, teriam uma visão mais realista da relação entre trabalho e sofrimento psíquico, e como este sofrimento se relaciona com os quadros de dor física em seus trabalhadores. A linha que separa estes dois estados mórbidos (físico e psíquico) é delicada, contudo os estudos científicos avançam nesta área gradativamente. Imagine que se o indivíduo tem LER/DORT, em grau 3 ou 4, com dor crônica persistente, ainda sofra assédio moral pela incapacidade, dentro e fora do trabalho, não é impossível que este quadro limitante afete a saúde mental daqueles que vivem do trabalho. A não ser que sejam compreendidos como máquinas.

As doenças estão relacionadas ao tempo de trabalho e às funções? Os fatores de riscos podem estar distribuídos por tarefas, atividades, bem como por ocupação ou função. Com relação ao tempo de exposição, imagine que uma certa quantidade de toques no teclado gere fadiga no punho no tempo de 6 horas, depois de trabalhar anos nessa função. Se a jornada de trabalho é ampliada por alguma razão, o que ocorre? Ocorre o aumento do tempo de exposição do bancário ao fator de risco. Aumenta-se, então, a probabilidade de lesões decorrentes da tarefa. Quando as mudanças no processo de trabalho não podem ser alcançadas, convém ampliar as pausar e reduzir também o tempo geral de exposição ao fator de risco. Ou seja, a luta da classe trabalhadora pela redução da jornada de trabalho está longe de ser por preguiça, muito mais como medida de promoção e proteção da saúde.

Qual a importância dos trabalhadores se submeterem a exames médicos periódicos? É fundamental que os trabalhadores façam os exames previstos na NR 7, não somente o periódico. Entretanto, o periódico vai proporcionar a identificação de algum dano ou lesão em fase inicial. Este é um tipo de prevenção secundária que não se pode desprezar. Mas isso não é tudo. Os bancários têm escondido seu adoecimento por vários motivos: estigma, medo de demissão, receio de viverem na incerteza – jogados entre o banco e o INSS como se fossem bolas de ping-pong -, e não seres sociais, para quem o Estado tem a obrigação de acolher e a empresa o dever de preservar. As mulheres são as maiores vítimas desse estado de coisas no mundo dos bancos.

As opiniões expressas no artigo não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.

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