Nesta edição, O Piquete traz um artigo de Rubens Goyatá Campante, doutor em Sociologia pela UFMG e pesquisador do Núcleo de Pesquisas da Escola Judicial do TRT-3ª Região. O texto foi publicado pelo site Brasil de Fato e aborda a conquista do 13º salário como direito do trabalhador por meio da greve de 1962.
O 13º salário não era, até aí, uma obrigação legal. Certas empresas, especialmente grandes estatais e multinacionais, já o pagavam – algumas, menos que o salário mensal. A grande maioria dos empregadores, porém, não o fazia até que o Congresso Nacional aprovasse, uma semana após a greve, a Lei 4090/62, estabelecendo sua obrigatoriedade. As associações patronais anunciaram o fim do mundo: a lei seria demagógica, populista e irresponsável, típica de “agitadores” que mergulhariam o país no comunismo; não era por má vontade, insistiam, que não se pagava o 13º – era por impossibilidade, ele desestabilizaria a economia, quebraria as empresas, traria desemprego. Quando o projeto de lei ainda estava em discussão no Congresso, o jornal “O Globo” estampou: “Considerado desastroso para o país um mês de 13º salário”.
O desastre, é claro, não veio. Pelo contrário, o 13º, plenamente incorporado à sociedade nacional, injeta, desde então, recursos na economia. Mas foi ferozmente combatido por um discurso que brandia “responsabilidade” e argumentos técnico-econômicos para disfarçar a exploração do capital sobre o trabalho. Como sempre.
A greve, deflagrada 18 dias após o Brasil conquistar o bicampeonato mundial de futebol – o que desmente análises rasteiras que vinculam os sucessos no futebol a uma “apatia sócio-política” da população –, afetou sobretudo empresas estatais ou sob controle do governo, embora o setor privado não tenha passado incólume. Nos transportes, ferrovias, bancos e portos a paralisação foi expressiva, assim como nas refinarias e distribuidoras da Petrobras. Cruzaram os braços trabalhadores de São Paulo, Fortaleza, Belém, Recife, Salvador, Campina Grande, Vitória, Santos, Cubatão, Belo Horizonte, Paranaguá, Itajaí, Criciúma, entre outras.
Mas, no Rio de Janeiro o movimento teve o alcance mais profundo – e mais trágico. Lá a paralisação foi majoritária entre os trabalhadores da construção civil, de telefonia, gráficos e têxteis, e praticamente total entre os bancários, aeroviários, rodoviários, metalúrgicos e trabalhadores de transportes como os carris (bondes) e ferroviários da Central do Brasil. Por conta da greve destes últimos, a população da baixada fluminense que se dirigia ao trabalho, na manhã de 5 de julho, ficou sem condução. A insatisfação do momento, somada à insatisfação crônica com as carências da vida, levou a saques e depredações de casas comerciais. Pegos de surpresa, os comerciantes, a princípio, pouco puderam fazer. À tarde, quando as forças policiais chegaram, mataram mais de 50 pessoas. Esse “motim da fome”, como a imprensa chamou o acontecido, deixou na baixada outro saldo triste: os grupos de extermínio. Segundo o sociólogo José Carlos Alves, ao perceberem que os clientes e moradores poderiam, de uma hora para outra, virar saqueadores, devido à sua miséria, grupos de comerciantes locais criaram, com apoio de alguns policiais, o primeiro grupo de extermínio, batizado Vigilantes da Ordem.
A greve teve, também, um objetivo explicitamente político: impedir, dentro do regime parlamentarista da época, a formação de um gabinete conservador e, como dizia o jargão nacionalista, “entreguista”. Meses depois outra greve geral reivindicou a antecipação do plebiscito que decidiria sobre a continuação ou não do parlamentarismo. Esse crescimento e politização do movimento obreiro alarmou sobremaneira as classes dominantes, e foi, certamente, um dos fatores do golpe de 1964. A direita, portanto, não fala dessas greves. E para o chamado “novo sindicalismo”, que surgiu no fim dos anos 1970, todo o sindicalismo de 1946 a 1964 era “pelego”.
A greve de 1962, que nos trouxe o 13º salário, permanece, assim, quase esquecida. Há que lembrá-la, para sabermos que os direitos de hoje são frutos de lutas de ontem, e que se não continuarmos a lutar, amanhã teremos nada.
As opiniões expressas no artigo não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.