Confira o artigo de Frei Betto sobre a necessidade da reforma com taxação das grandes fortunas. O texto foi publicado originalmente no Correio da Cidadania.
Estudos contidos no livro “Tributação e desigualdade” (Rio, Letramentos, Casa do Direito e FGV Direito, 2017) demonstram que, no Brasil, a alíquota do imposto direto cresce na medida em que o rendimento aumenta. Mas isso somente para quem ganha, por ano, de R$ 24,4 mil a R$ 325 mil. Nesses casos, o imposto é de 12%.
Quem ganha mais de R$ 325 mil por ano é beneficiado por aberrações de nosso sistema tributário. A alíquota entra em ritmo de queda, e cai de 12% para 7% para quem ganha anualmente mais de R$ 1,3 milhão.
Por quê? Porque a maior parte dos rendimentos dos mais ricos provém de lucros e dividendos isentos para pessoas físicas!
O resultado é a brutal distorção: a parcela 0,05% da população brasileira (100 mil pessoas) paga, proporcionalmente à sua renda, menos imposto que 5,8 milhões de pessoas que ganham mais de R$ 81,4 mil por ano.
A solução, diz o estudo, não reside apenas em criar alíquotas mais altas para quem ganha mais, o chamado imposto progressivo. É preciso mudar todo o sistema tributário brasileiro.
A maior parte da renda dos 100 mil mais ricos não deriva do trabalho, como acontece com o comum dos mortais, sujeitos à alíquota progressiva. Dois terços dos mais ricos são isentos!
Nosso sistema tributário figura entre os 15 mais injustos do mundo, porque concentra renda no topo da pirâmide social em vez de distribuí-la. Hoje, a carga tributária responde por 33% do PIB.
A Receita Federal cobra muito das empresas, mas quase nada das pessoas físicas e da renda patrimonial dos ricos. Como os empresários exercem poder sobre o governo, obtêm com frequência isenções tributárias e perdões de dívidas.
Criar alíquotas para lucros e dividendos pode resultar na redução de nosso sistema produtivo. O dinheiro migrará da produção para aplicações financeiras.
Já os impostos indiretos, embutidos no consumo de bens e serviços, pesam mais no bolso dos mais pobres. Os 10% mais ricos da população abocanham 47% da renda nacional e respondem por 43,7% da arrecadação. Os 10% mais pobres ficam com apenas 0,7% da renda nacional e respondem por 1,6% da arrecadação.
A tributação indireta sacrifica mais os pobres porque eles não conseguem poupar, enquanto os ricos investem o excedente de seus ganhos no mercado financeiro. Segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), 53% das famílias brasileiras não conseguem fazer poupança. Apenas 10% das famílias poupam com regularidade. Em média 20% de sua renda anual.
Nos países mais desenvolvidos, que pertencem à OCDE, os mais ricos são tributados de modo mais justo. Os impostos indiretos, embutidos em bens e serviços, respondem, em média, por 34% da arrecadação. No Brasil a mordida do Leão responde por 53%!
A Receita Federal alega que é mais fácil arrecadar os impostos indiretos. Ora, com as novas tecnologias é possível tributar menos o consumo e mais a renda e o patrimônio. Falta é vontade política.
Um estado como São Paulo concede, com frequência, desoneração do ICMS sem prejudicar a arrecadação, o que não podem fazer os estados mais pobres.
Ao comparar a tributação de duas famílias que ganham dois salários mínimos por mês, uma em São Paulo e outra no Pará, constatou-se que a do Pará paga o dobro de impostos sobre alimentos do que a família de São Paulo.
O governo brasileiro não obedece aos princípios de capacidade contributiva, seletividade e progressividade dos impostos, previstos na Constituição de 1988.
Segundo o princípio da seletividade, os governos teriam a obrigação de aplicar alíquotas menores a produtos essenciais, como cesta básica. A energia elétrica, um produto essencial, tem tributação alta.
As distorções de nosso sistema tributário afetam a Previdência. A participação dos contribuintes que ganham acima de dez salários mínimos por mês na arrecadação do INSS caiu de 31,5% em 1988 para 2,7% em 2015!
Não falta dinheiro para desenvolver o Brasil. Faltam governo, justiça social e iniciativa privada mais voltada à coletividade.
As opiniões expressas no artigo não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.