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“Um aprofundamento da retirada de direitos”

Conversamos com a supervisora Técnica do DIEESE – Bahia, Ana Georgina da Silva Dias, sobre o projeto econômico e previdenciário anunciado pelo futuro governo.

Temos para 2019 um projeto político e econômico para o país, declaradamente liberal. Quais serão os impactos desse projeto para a classe trabalhadora?

Embora o presidente eleito sinalize através de seu futuro ministro da Economia Paulo Guedes, algumas medidas de cunho liberal, não temos ainda um desenho claro de projeto de governo. Até agora, foram sinalizadas algumas possibilidades que não nos permitem ter uma ideia clara do projeto. No entanto, o que já foi sinalizado tem impactos negativos sobre a classe trabalhadora. Pensando do ponto de vista do trabalho, por exemplo, a criação da Carteira de Trabalho Verde e Amarela mostra a opção do governo por um aprofundamento da retirada de direitos dos trabalhadores. Isto decorre do fato de que, nesta nova modalidade, os trabalhadores teriam apenas aqueles direitos trabalhistas que são constitucionais, como, por exemplo, férias, 13º e FGTS. Outros direitos importantes não estariam contemplados na mesma. A agenda privatista proposta pelo novo governo também certamente trará prejuízos para a classe trabalhadora e a sociedade em geral, uma vez que transfere para o setor privado várias empresas que são extremamente importantes para o crescimento econômico e desenvolvimento do país.

Recentemente, a reforma trabalhista, que tinha como promessa a ampliação da contratação no país, completou um ano e não resolveu o problema do desemprego. Recentemente Bolsonaro afirmou que Bolsonaro o trabalhador terá de escolher entre direitos e ou o emprego. Como você avalia essa precarização do trabalho?

Após um ano de vigência da Reforma Trabalhista, podemos perceber, sem espanto, que flexibilizar direitos dos trabalhadores não surtiu o efeito esperado na geração de empregos e nem melhorou a qualidade dos mesmos ou elevou a remuneração. A Reforma, em verdade, acabou por institucionalizar e dar legalidade à precarização do trabalho. A ideia de flexibilizar era para reduzir, uma vez que a legislação trabalhista sempre foi o piso das negociações e não o teto. Deste modo, retirar direitos além de não assegurar a geração de emprego, que depende na sua maior parte do nível da atividade econômica, traz uma condição ainda mais precária para os trabalhadores. Basta lembrar que, após um ano de Reforma Trabalhista, a informalidade no mercado de trabalho aumentou. Ou seja, mesmo flexibilizando os direitos não houve um movimento de geração de empregos mais protegidos. Desta forma, a Carteira Verde e Amarela pode aprofundar a retirada de direitos sem surtir os efeitos esperados.

Vem sendo divulgado na impressa o projeto da equipe do futuro governo de recorrer às privatizações para o pagamento da dívida pública. Isso é possível e quais as consequências que podemos ter?

Isso é possível, embora não seja desejável. Outros países do mundo e até mesmo o Brasil no governo FHC utilizaram as privatizações com esta finalidade e não foram bem sucedidos. Em geral, utiliza-se como justificativa para a adoção de tais medidas duas ordens de argumentação. A primeira assenta-se na ideia de que a iniciativa privada, orientada pela busca de lucros, seria mais eficiente na realização de suas atividades e, portanto, daria maior contribuição ao desenvolvimento do país por meio da prestação de serviços ou da produção de bens de melhor qualidade e a preços mais baixos. A segunda ordem de argumentação baseia-se na ideia de que, frente a problemas fiscais, o processo de desestatização permitiria, ao mesmo tempo, enfrentar os crescentes desequilíbrios nas contas públicas e realizar novos e maiores investimentos em infraestrutura. No entanto, as empresas públicas, ao contrário do discurso naturalizado na sociedade, são lucrativas. Além de lucrativas operam em setores estratégicos da economia e ajudam a garantir a nossa soberania. Muito do desenvolvimento brasileiro se deve aos investimentos feitos pelas estatais. Seja criando novas tecnologias, seja garantindo acesso da população a serviços essenciais como água, saneamento e energia. Muito do crédito que fomenta a atividade econômica no país, especialmente em regiões menos desenvolvidas é fomentado pelos bancos públicos, que ainda são mantém sua lucratividade completamente alinhada à lucratividade dos bancos do setor privado. Vender estes ativos para pagar a dívida pública não necessariamente resolveria o problema, vide privatizações ocorridas no governo FHC e o comportamento da dívida pública pós-privatização. Perdeu-se os ativos, os valores não foram bem apropriados e a dívida continuou em expansão.

A reforma da Previdência Pública foi uma pauta durante o governo Temer e promete ser uma das centralidades do governo de Jair Bolsonaro, com grandes esforços para ser aprovada o quanto antes. Existe um déficit na Previdência? E o que precisa ser discutido sobre reformulação da Previdência em nosso país?

A justificativa do governo para apresentar a proposta se baseia em uma concepção de que a Previdência Social brasileira se tornou insustentável financeiramente, apresentando reiterados déficits orçamentários, e que seriam necessárias medidas para garantir sua “sustentabilidade por meio do aperfeiçoamento de suas regras”. Atribui como principal causa desta crise de financiamento as mudanças demográficas em curso na população brasileira (em particular, o envelhecimento populacional). Além disso, atribui a existência de “algumas distorções e inconsistências do atual modelo”, que criariam, entre outras questões, disparidades entre os modelos do RGPS e dos RPPSs e entre os diferentes segmentos populacionais. Contudo, o financiamento da Seguridade Social, sistema do qual a Previdência faz parte, não é feito apenas pela contribuição de trabalhadores e empregadores. Além das contribuições há tributos como Imposto de Importação, a CSSL e os jogos de prognósticos (loterias e jogos da Caixa) que também ajudam a financiar o sistema. O financiamento é feito pelo conjunto da sociedade. Deste modo, a Previdência não é deficitária, embora tenha desequilíbrios entre receita e despesa previdenciária. O desequilíbrio nas contas da Previdência não é só devido ao fato de que estamos vivendo mais e, consequentemente, envelhecendo. Além da grande informalidade que temos no mercado de trabalho, o que reduz o volume das contribuições, temos um período longo de crise nos últimos anos que tem reduzido o consumo, a arrecadação e consequentemente as receitas que financiam a seguridade social. Embora haja necessidade de ajustes na Previdência, os mesmos não podem ser feitos apenas do lado do trabalhador. É preciso investir em fiscalização, na recuperação de dívidas das empresas com a Previdência, melhorar a atividade econômica e criar mecanismos de formalização do emprego.  O efeito seria muito mais efetivo e imediato.

Uma das propostas que está sendo discutida é a criação de uma previdência capitalizada. Quais os riscos para quem ingressar nesse modelo?

A previdência pública brasileira é baseada no princípio do pacto intergeracional. Isto é, os trabalhadores que estão em atividade hoje financiam com suas contribuições as aposentadorias, pensões e demais benefícios dos trabalhadores que já trabalharam e estão na inatividade. Ao contrário do que ocorre, por exemplo, com o FGTS, o trabalhador não tem uma conta individual para suas contribuições. O fundo é coletivo e formado por outras fontes de financiamento. No sistema de capitalização, o trabalhador vai usufruir no momento da aposentadoria ou em outras oportunidades quando não puder trabalhar, daquilo que ele contribuir ao longo da sua vida laboral. Sobre as contribuições haverá rendimentos que serão fruto dos investimentos que forem feitos com estas contribuições, a exemplo do que ocorre hoje com a previdência privada. Considerando as interrupções na vida laboral como períodos de desemprego e licenças de saúde, por exemplo, podemos perceber que talvez o trabalhador chegue ao momento da aposentadoria com um montante muito pequeno para fazer frente a todo o período de vida que ainda lhe resta. Dependendo de quanto ele conseguiu juntar, talvez seja insuficiente para garantir sua subsistência. Este modelo foi adotado pelo Chile e está em franca decadência. Inclusive com possibilidade de mudança. Deste modo, considerando as especificidades do mercado de trabalho brasileiro, especialmente com as flexibilizações recentes, pode ser bastante prejudicial aos trabalhadores.

 

As opiniões expressas no artigo não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.

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