Nesta edição d’O Piquete Bancário entrevistamos a economista do Dieese/BA, Ana Georgina Dias, a respeito das mudanças tecnológicas e o cenário econômico atual.
Como a sra. avalia o impacto das novas tecnologias da informação e comunicação no mercado de trabalho? A gente sabe que algumas competências e qualificações, talvez desconhecidas hoje, vão ser necessárias nesse novo momento, nessa transição tecnológica. Talvez o mais dramático para o mercado de trabalho é que mesmo nos países mais desenvolvidos, onde você tem uma proteção social, por conta de uma ascensão de algumas políticas mais neoliberais, essas garantias têm se reduzido. E em países onde você não tem efetivamente uma política social – ou ela é muito pequena – isso é dramático.
Quais são os maiores desafios enfrentados pela classe trabalhadora, sobretudo a bancária? Acho que para o trabalhador o maior desafio seja, primeiro, manter o emprego e um emprego que não necessariamente se sabe qual é – que tipo de atividade, de ocupação, que nasce com essas revoluções tecnológicas. Além disso, outro desafio se constitui em resistir com os direitos que ainda se têm, para que possa se enfrentar melhor essas questões tecnológicas. O desafio também é de quem representa os trabalhadores em termos sindicais, principalmente com essa forma de trabalho mais dispersa, com essa quebra de fronteiras geográficas. Você pode estar aqui, mas, trabalhando para alguém que está na Índia. Isso já acontece, por exemplo, com muitos call centers americanos, inclusive de bancos. É muito mais difícil você se organizar como classe e mobilizar.
A tecnologia tem influenciado o estabelecimento da jornada de trabalho. Nesse contexto, quais são as principais mudanças que envolvem a reforma trabalhista? Uma das coisas que a reforma trabalhista trouxe foi exatamente o home office, o trabalho em tempo parcial, aquele em que não necessariamente você tem uma jornada. Você perde a fronteira entre o privado e o público, entre o que é seu trabalho e o que é sua vida pessoal. Alguns países como a França já colocaram em suas legislações que você responder e acessar e-mail, responder telefonemas fora do horário o qual foi contratado, configura hora extra, uma jornada a mais. Mas, o fato é que hoje, um dos aspectos que a revolução tecnológica traz é a possibilidade de você não estar nos lugares e estar em qualquer lugar. Você pode estar em casa, no avião, no táxi, e estar trabalhando. Essa fronteira fica absolutamente frouxa, e aí, normalmente quando os governos querem regulamentar isso, não regulamentam no sentido de colocar barreiras, mas regulamentam para que isso seja legal.
Estamos vivenciando o início de um novo governo. Na sua opinião, quais são as perspectivas para a economia do país, uma vez que há propostas de privatização de várias estatais com o intuito de gerar caixa para os cofres da União e saldar parte da dívida pública? Na realidade, a gente tem um cenário econômico extremamente desafiador. A conjuntura econômica é bastante delicada não só para nós, mas podemos dizer que, em termos globais, há problemas complicados. Em relação à questão da privatização, nós temos uma escolha, que é de continuar tendo empresas que, ao contrário do que as pessoas pensam e que o senso comum diz, são empresas lucrativas. A energia e o saneamento, por exemplo, são setores estratégicos que você precisa garantir que as pessoas vão ter acesso, e quando você transfere para o setor privado, isso não necessariamente é uma verdade. Muita gente hoje, mesmo com o saneamento na sua maior parte público, não tem acesso ao esgoto nem à água tratada. Imagina se isso vira uma mercadoria mesmo? A Embasa, entre 2017 e 2018, teve um aumento de lucro de mais de 88%, mas é um lucro que não despreza o caráter social daquilo que é gerado. É difícil a gente pensar numa política de habitação sem um banco público como a Caixa Econômica. Será que um banco privado tem interesse de financiar residência para pessoas com renda baixa? Já vivemos uma onda privatista na década de 90 e até hoje o que foi amealhado com isso, a gente não sabe onde foi investido. Com as privatizações, corre-se o risco de se desfazer das empresas públicas, não sanar o problema da dívida e o problema pode se agravar. Seria muito mais interessante criar mecanismos para a economia crescer com retomada de investimentos, que fatalmente acabaria retomando o emprego, e consequentemente o consumo e a arrecadação.
E qual a importância do Sindicato estar promovendo a discussão desses temas junto a categoria? O sindicato sempre foi uma instituição extremamente importante. Hoje, principalmente com a dificuldade de acesso da Justiça do Trabalho e da possibilidade de sua extinção, o sindicato precisa ser um lugar de resistência. E, quando se fala resistência, é no sentido mesmo de mobilizar e juntar os trabalhadores para perceberem que a grande maioria daquilo que se acha que é algo dado pela empresa ou pelo governo, é fruto de luta, de pressão social. Atividades como essa realizada por vocês são extremamente importantes, assim como todas as outras ações sindicais nesse momento se revertem numa importância gigantesca. Talvez aí, também nas ações sindicais, a gente precise passar por uma revolução, e usar a própria tecnologia para isso. Quando a gente fala em revolução, é fazer diferente. Talvez a forma que a gente vinha fazendo ao longo dos anos não dê mais conta do tipo de organização do trabalho, tipo de relação de trabalho que a gente tem. Mas, ainda acho que é o sindicato que dá esse salto.
As opiniões expressas não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.