Ao se aproximar a data que simboliza as lutas da classe trabalhadora, nesta semana entrevistamos Milton Pinheiro, doutor em Ciência Política, para falar do 1º de Maio e seus marcos. Ele é autor/organizador de oito livros, pesquisador de história política da USP e professor da UNEB.
Qual o marco histórico do 1º de maio? Essa data, para além da sua gigantesca simbologia histórica, transformou-se mundialmente em um momento de luta social, quando os trabalhadores (a depender da conjuntura política), apresentam seu projeto classista, sua perspectiva emancipatória ou, em momentos de menor ascensão das lutas sindicais, pautam manutenção de direitos trabalhistas, previdenciários e de recomposição salarial. O programa da classe trabalhadora exige, para implementação, uma profunda avaliação da relação de força entre patrões e empregados no sentido de estabelecer a centralidade das lutas. O 1º de Maio, historicamente, tem esse papel de afirmação da combatividade dos trabalhadores, apresentando sua pauta e reivindicações, chamando o conjunto das categorias, a exemplo dos bancários, para comemorar a data histórica, também reafirmando a centralidade das pautas lançadas e as preocupações com o futuro do Brasil.
Diante da história da humanidade, o que representa a organização para a vida da classe trabalhadora? Passamos por uma quadra histórica muito complexa. O conjunto das ações que os governos têm aplicado nos principais países do mundo capitalista impactam de forma extremamente negativa na vida social dos trabalhadores. O momento presente é de grave crise sistêmica da ordem do capital, um conjunto de “mudanças” na organização do modo de produção capitalista, no Estado como instrumento jurídico e normatizador da vida social, e na subjetividade da classe trabalhadora, que nos coloca em um processo social de afirmação da barbárie. Qual é a bala de prata da ordem do capital? O capitalismo não consegue mais revalorizar a extração de lucros pelos meandros da produção, então essa horda anticivilizatória voltou-se para o fundo público como a saída da crise. Ao atacar o fundo público (tesouro dos Estados), os países, por uma decisão de prioridade política, não conseguem manter as mínimas condições de funcionamento da vida social: educação de qualidade, saúde com ampla capacidade de atendimento e segurança cidadã, para que o tecido social não seja esgarçado pelas contradições do próprio capitalismo. Diante desse cenário de presença da barbárie, quando a vida social transformou-se numa mercadoria, a principal questão da classe trabalhadora é criar formas e meios para uma profunda organização social e política. Precisamos entender os mecanismos da dominação burguesa, avançar em bandeiras da pauta dos direitos e construir a possibilidade de termos um programa mais geral que configure um projeto classista. Historicamente a defesa da humanidade em momentos de desintegração social foi feita pelas ações e lutas dos trabalhadores.
Em um momento de tantos ataques contra os direitos dos trabalhadores, qual deve ser o caráter das comemorações do 1º de maios deste ano? Nessa complexidade que estamos examinando, primeiro, a classe trabalhadora deve dirigir-se ao conjunto da população para informar o que pode ocorrer com a vida social em nosso país se não houver um forte questionamento sobre a política de terra arrasada do governo federal (ataques ao fundo público). Segundo, trabalhar na mobilização e na informação necessária para que as categorias, e o conjunto da nossa classe, consigam colocar-se em movimento para impedir que o projeto de destruição do Brasil, a partir da retirada dos direitos trabalhistas, previdenciários, sociais e humanos ocorra.
A partir desse entendimento que é necessário fazer o enfrentamento, as pautas do 1º de maio passam pela reafirmação da defesa dos nossos direitos, pela defesa de uma pauta que unifique o conjunto da classe trabalhadora e, em especial, pela possibilidade de educar na luta pela construção de uma greve geral.
O que tem sido a movimentação da extrema direita na atual ordem? Qual a relação disso com a reorganização no mundo do trabalho, como as perdas de direitos, aumento de jornada, entre outros retrocessos? Essa questão é muito grave, a extrema-direita tem alimentado entre nós um arcabouço sócio-político que possibilita a construção de um neofascismo. Configura-se, em tempos de desânimo social e crise societária uma profunda incapacidade de entender o que está acontecendo na cena política. Os trabalhadores cansados do pacto político da “democracia” formal e seu sistema de representação, tem procurado de forma desesperadora “novas” perspectivas para não sucumbir socialmente. Contudo, o sistema midiático e a consequente corrosão moral da ordem burguesa empurra o conjunto da população para a bizarria de personagens irrelevantes que, em tese, apresenta-se como a possibilidade de saída para a crise em que o conjunto dos pobres foi levado. Essa tem sido a aposta da ordem do capital: populistas de direita, com pautas conservadoras na questão dos costumes querendo voltar no tempo e atacando todo princípio da solidariedade social. São posturas políticas que estimulam a xenofobia, atacam minorias, constrangem pessoas com outras perspectivas sexuais, comportam-se de forma racista e questionam as relações sociais a partir da lente opaca das interpretações messiânicas. Devemos ficar preocupados com nossas ações, discursos e projetos, pois, a classe trabalhadora está paulatinamente sendo convencida pela lógica dessa ‘desrazão’, ou seja, trabalhadores e pobres afirmando pautas que em verdade são contra os seus interesses. É neste sentido que as propostas das contrarreformas são, por vezes, entendidas pela população como algo que pode lhes ajudar. O mais grave de tudo isso é que o discurso ideológico da burguesia, e seus segmentos mais reacionários, se materializou na perspectiva política da classe trabalhadora. Precisamos disputar essa agenda político-social com novas formas de informação e formação. É mais que necessário efetivarmos uma reforma moral e intelectual que seja uma construção coletiva ao lado da classe trabalhadora. O projeto ideológico das hordas burguesas está, por enquanto, vencendo.
Como podemos avaliar esses primeiros meses do governo Bolsonaro para organização da luta? O projeto ideológico do reacionarismo burguês ganhou forma com a eleição do Bolsonaro. Contudo, a incapacidade política, a imbecilização da vida social, o extremo ataque ao Estado e a postura patética do presidente têm gerado contradições que estão sendo percebidas pelo conjunto da população.
São meses de paralisia política, incapacidade de ter qualquer proposta que tente minorar a principal questão social brasileira: o desemprego.
O governo é um alimentador do caos, fica uma dúvida: trata-se da mais profunda ignorância para governador ou é uma política de Estado?
Diante dessa cena política ainda pouco desvelada, o principal papel que deve ser exercitado pela classe trabalhadora é, sem dúvida nenhuma, avançar na mobilização/organização. Todavia, ter propostas que sejam compreendidas pelo conjunto das categorias e dos trabalhadores é algo seminal no fator envolvimento para estimular as lutas.
Por exemplo, como trabalhar a informação que o sistema financeiro/bancário é o mais lucrativo do país e os bancários têm baixos salários e poucos benefícios.
A categoria bancária historicamente tem buscado formas de unificar e fortalecer sua organização nacional. Qual a importância de avançar na unidade da classe trabalhadora na luta? A história do movimento sindical brasileiro tem na categoria bancária um destaque fundamental. Do final dos anos 1970 até o tempo presente, os bancários deram uma enorme contribuição para a organização da classe trabalhadora e para a mobilização social. Chegamos, portanto, em um momento histórico com novas preocupações quando se faz necessário que a categoria bancária pense na reorganização da classe trabalhadora como algo que possa construir uma forte unidade classista e possibilitar que os brasileiros deem a importante contribuição à luta dos trabalhadores do mundo, afinal, mais do que nunca, a palavra de ordem símbolo da luta emancipatória está viva: “Proletários de todo mundo uní-vos!”.
As opiniões expressas não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.