Em meio a debates, disputas políticas, campanhas, votações em plenário ou corpo a corpo nas ruas – com reuniões em diferentes cidades e inclusive aos finais de semana e feriados –, mulheres conciliam a maternidade com a atuação política.
“A primeira gestação há 26 anos foi tranquila do ponto de vista da saúde e desejada, mas a licença maternidade foi um conflito. Antes de mim, as mulheres no Congresso tinham que aceitar outras formas de licença, como auxilio doença. Eu não aceitei por entender que é um direito constitucional previdenciário e um direito das mulheres.”, afirma a deputada federal (PCdoB) Jandira Feghali, primeira parlamentar brasileira a conseguir licença-maternidade.
Mãe de Helena e Thomas, a luta pela licença maternidade na Câmara dos Deputados em 1993 se tornou um marco na história das mulheres que ocupam os espaços de poder. Quando o pedido de licença de 120 dias foi deferido, abriu jurisprudência para outras gestantes não só no Congresso, mas nas Assembleias Legislativas estaduais e nas Câmaras dos Vereadores.
“O nascimento da minha filha foi algo mágico, que trouxe um aprendizado sobre como ser mulher, mãe, cidadã e também sobre amor. Me trouxe outras formas de viver e enxergar o mundo.”
Helena foi amamentada durante um ano, passou a vivenciar o trabalho da mãe e esteve sempre junto com ela em eventos políticos.
“Na medida que ela foi crescendo, fui entendendo a construção dela e fomos criando outras formas de estar juntas e os tempos foram modificados. Somos amigas, ela é linda, super justa, feminista e solidária”, conta Feghali.
Para a deputada, houve avanços sobre o tema, mas ainda há muito preconceito, pois acredita-se que a política é lugar de homem. Apesar do aumento da representatividade feminina nos espaços de poder após a legislação específica de cotas eleitorais em 2009, o Brasil ainda está distante em relação à igualdade de gênero no parlamento.
Em um ranking de 190 países sobre representação feminina em parlamentos – elaborado em 2019 pela ONU Mulheres, em parceria com a União Interparlamentar (UIP) –, o Brasil ocupa o rodapé com a 152ª posição.
As mulheres são 52,5% do eleitorado do país, mas representaram apenas 31,6% das candidaturas nas eleições, sendo 28 mil candidaturas registradas, e apenas 9.204 concorreram a cargos eletivos. Destas, 290 foram eleitas, o que representa 16% do total. As eleitas resistem e enfrentam ainda o desafio da invisibilidade dos trabalhos.
Neste cenário, conciliar política com maternidade dificulta ainda mais a situação das mulheres. “Culturalmente somos cobradas pela escolha de ser mãe, dona de casa e ter a militância política: três jornadas”, explica Feghali que preza pela presença com os filhos e mesmo com tempo limitado, tenta equilibrar a vida parlamentar e pessoal.
“Estamos no maior momento de representação das mulheres na política, apesar de ser ínfima, mas a luta vem de longe. Chegar no Senado não foi fácil, mas já sabia da minha responsabilidade como mulher negra, ex- empregada doméstica, favelada, com filhos e morando ainda em condições péssimas em barraco”. A fala é da deputada federal Benedita da Silva (PT), mãe aos 17 anos, e primeira mulher negra a entrar no Senado em 1982.
Ela conta o sacrifício que foi deixar os filhos em casa.
“Eu tinha que escolher ou eles comiam ou eu ficava em casa. Não foi fácil, principalmente quando tem que deixar eles sozinhos e ficava com a preocupação de voltar e encontrá-los vivos. Eles iam para a escola, e a mais velha de 8 cuidava do irmão de 6 anos”, lembra.
Benedita foi mãe solteira.Trabalhava como empregada doméstica e criava os filhos em uma situação socioeconômica precária. Hoje já é avó de 8 e bisavó de 3.
“Eu queria botar para dormir, mas tinha que fazer uns biscates para complementar a renda. Muitas mulheres passam até hoje por essa situação, a única coisa que dependia de mim e eu dava era o carinho, o resto tinha que sair para gente sobreviver”, conta.
No Brasil, 11,6 milhões de famílias são chefiadas por mulheres, segundo o IBGE. E 56,9% das famílias comandadas por mulheres com filhos vivem abaixo da linha da pobreza.
Benedita lembra que participava dos movimentos políticos e, ao mesmo tempo, ia envolvendo os pequenos. Na época em que morava no morro Chapéu Mangueira, iniciou sua trajetória na Associação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro. A política era opção viável para melhorar as condições de vida dos seus e da sua comunidade.
“Eu não fazia política partidária nessa época, mas fazia política comunitária. A gente tinha que sobreviver. Não tinha água, luz e saneamento básico”, explica.
Quando foi para o Senado, a situação melhorou e Benedita conseguiu evitar que os netos e bisnetos passassem por dificuldades como os pais passaram.
“Não quero que nem eles, nem uma criança tenha uma vida tão cruel como foi a minha. Quando se está na política você se sente mais responsável de lutar pelas crianças e mulheres, porque a gente sabe o que é ser mãe solteira.”
“Eu não deixo de fazer o almoço da família a cada 15 dias, telefono, estou longe – eles moram no Rio, e eu em Brasília –, mas envolvo falando das agendas e atos que participo para encontrá-los, por isso que a gente mantém o amor também por correspondências e fotos.”
Maternidade em dose dupla
Foi em 2013, quando foi reconhecida a união homoafetiva no estado de São Paulo, que Mariana Cútis Arante, agricultora e professora de geografia, e Daiane Santos se casaram no civil e começaram a pensar em um possível registro do nascimento do filho. As duas são assentadas da reforma agrária no sul do país, em Catanduvas (SC). A vontade de ser mãe sempre existiu para as duas.
“Eu achava que ia vir como adoção, mas fomos vendo a possibilidade de engravidarmos. Como estávamos em São Paulo, tentamos a fertilidade em vitro e fizemos economias para realização desse desejo. Para a nossa sorte a primeira tentativa já deu certo, a Daiane engravidou do Pedro e voltamos para o sul do Brasil. Só quando a gente se torna mãe é que se dá conta da dimensão da maternidade”, conta Mariana.
“Ser mãe e sem-terra significava carregar a identidade política para todos os espaços, seja na militância, na plantação de uvas agroecológicas e comercialização de sucos, vinhos e geleias, seja quando lecionamos e até na educação do Pedro.”
Mariana conta que um desafios é culpabilização da mães.
“Tentamos sempre ser perfeitas e tentamos sempre fazer o melhor, respeitar e conversar com ele. [Principalmente porque] penso que ele vai ser questionado por ter duas mães e a família dele ser diferente, ainda mais porque vivemos em uma cidade pequena, complicada para enxergar a diversidade”.
No município ele é a única criança a ter duas mães. Ela diz que o esforço é tentar naturalizar e mostrar que existem famílias diferentes, mas aos 4 anos ele já ouve. “E o pai? E ele responde não tenho dois pais, mas duas mães”.
Mariana também fala que a parceria com Daiane ultrapassa os dos desafios diários na criação do filho. “É muito mais fácil ser mãe com ela por conta da parceria, que é muito bonita. Não sei se teria em outra relação, desde a divisão das tarefas do dia a dia, até porque a maternidade não tem folga, somos sempre mães do Pedro, e somos sempre responsáveis por uma criança em desenvolvimento. Gostamos tanto de ser mães, que já estamos na fila de adoção”.
Nova geração de mães no parlamento
“Eu queria ter um filho e compreendi o cenário absurdo que o país vivia em relação à saúde materna. Os anos que levei para engravidar foram importantes, porque fiquei mais preparada e conhecedora do processo e de algum modo passei a construir um outro parto possível não só para mim, mas para todas as mulheres.”
Foi assim que em 2002 Raquel Marques se tornou ativista pelo parto humanizado e na promoção da equidade de gêneros, tornando-se mãe cinco anos depois. Raquel é presidente da Artemis, associação de combate à violência contra a mulher e contra a violência obstétrica. Esse ano ela está também como parlamentar na Bancada Ativista, no mandato coletivo como deputada estadual pelo PSOL em São Paulo.
Raquel Marques explica que durante a militância se deparou com diversos casos de violência obstétrica – que são atos ou omissões durante a gestação, parto ou pós-parto e promovem sofrimentos desnecessários de ordem física, psicológica ou moral e se materializam em intervenções e procedimentos desnecessários, falta de analgesia e ameaças cometidas por profissionais da saúde.
“Desde o golpe contra a presidenta Dilma tem sido difícil defender o direito das mulheres e das minorias e recrudesce esse ano com o governo Bolsonaro. A gente não entende ainda se é um retrocesso ou uma reação dos avanços que tivemos até 2016. É num nível tão absurdo que não é difícil que outras linhas ideológicas defendam o direito das mulheres. O fim da violência obstétrica não é uma questão de direita ou esquerda, mas o entendimento que existem questões que precisam estar acima de qualquer partido ou ideologia”, defende
Para a ativista e parlamentar, a maior dificuldade tem sido dialogar com o governo sobre as reivindicações das mulheres.
“Todos os canais de de diálogo foram fechados. Antigamente a gente recebia uma denúncia e enviava para o executivo municipal ou estadual e algum canal era estabelecido para buscar soluções conjuntas possíveis. Agora ficou inviável. A denúncia cai no nada e ficamos no silêncio.”
“Ser ativista é ter disponibilidade para o mundo e para o outro. Quem lida com violência sabe, é algo que afeta nossa saúde mental, desgasta e é preciso esforço para separar os momentos de alegria e descanso das demandas que não param de chegar, porque infelizmente a violência contra as mulheres não para de acontecer. Eu tive uma série de privilégios, mas a mulher comum, que precisa cuidar da casa e dos filhos sozinha, e precisa sair para trabalhar, fica incompatível com a dedicação à maternidade”, ressalta a mãe dos meninos Bruno, de 11, e Gabriel, de 12.
Fonte: Brasil de Fato