Home / O Piquete Bancário / Entrevista / “A consulta pública é um instrumento da democracia”

“A consulta pública é um instrumento da democracia”

O tema da entrevista desta semana são as consultas públicas das Normas Regulamentadoras nº 04, 05 e 18. Para falar sobre o assunto, convidamos Fabrício Vieira, professor universitário, Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social, Especialista em Saúde do Trabalhador, Ergonomista, Técnico em Segurança do Trabalho, Especialista em Responsabilidade Social e membro da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (CIST).

 

O que dispõem as Normas Regulamentadoras º 04, 05 e 18?

A NR 04 é uma das mais importantes, pois estabelece o dimensionamento mínimo de profissionais (Engº de Segurança do Trabalho, Médico do Trabalho, Enfermeiro do Trabalho, Aux. de Enfermagem do Trabalho) que devem compor os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho – SESMT, com a finalidade de promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho. O dimensionamento do SESMT está relacionado à gradação do risco da atividade principal e ao número total de empregados do estabelecimento, constantes dos Quadros I e II, anexos da NR 04. A NR 05 trata da CIPA, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, e tem como objetivo a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador. A CIPA é composta por representantes do empregador e dos empregados, de acordo com o dimensionamento previsto no Quadro I da Norma, que leva em consideração o número de trabalhadores e o agrupamento das atividades econômicas estabelecido pela NR. Esta é uma norma bastante democrática, pois tem a participação direta dos trabalhadores elegendo seus representantes nos quesitos de Segurança e Saúde do Trabalho. A NR 18 é específica da Indústria da Construção Civil, que é um dos ramos empresariais que mais gera acidentes de trabalho com vítimas fatais, daí a necessidade de se pensar regras específicas para este segmento. Segundo o mais recente Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho (AEAT) aponta que em 2017 ocorreram 549.405 acidentes de trabalho em todo o país. Na construção civil, foram 30.025, equivalente a 5,46% de todos os casos. O número de afastamentos do emprego por mais de 15 dias por conta das atividades profissionais no Brasil foi de 142.782. No setor, o número chegou a 11.894 na construção ou seja 8,3% do total.

 

Qual a importância de o trabalhador participar das consultas públicas referentes a essas normas?

É importante o trabalhador participar das consultas para deixar registrado o que pensa a classe trabalhadora quanto aos aspectos de SST que permeiam as suas atividades, já que, quem se acidenta, adoece e morre no ambiente de trabalho são os trabalhadores. O problema é que muitos nem sequer sabem dos seus direitos com relação às questões de segurança e saúde. Devido ao medo do desemprego, à desinformação e à baixa qualificação técnica, acabam sujeitando-se às condições aviltantes e que os expõem a perigos no ambiente de trabalho.

 

Quais os possíveis interesses ou objetivos do governo ao propor uma consulta pública sobre as normas citadas?

A consulta pública é um instrumento da democracia que permite a participação popular na tramitação das proposições legislativas. O objetivo primaz deste instrumento é oferecer ao cidadão um meio de sugerir novas propostas de leis, alterações às que já existem, buscando aperfeiçoamento do nosso arcabouço legal, assim, o governo cumpre um ritual democrático, de “ouvir” a população quanto as possíveis alterações. O problema é que não se dá ampla divulgação às consultas públicas, não alcançando assim a efetiva participação popular, deste modo, as alterações propostas contemplam apenas interesses específicos. No caso do governo atual, a despeito de modernização e desburocratização, corre-se um sério risco de precarização nos aspectos relacionados à Segurança e Saúde no Trabalho. É sabido que o nosso sistema legislativo é extremamente burocrático e muitas vezes atravanca o desenvolvimento – pelo menos esta é uma das grandes reclamações da classe empresarial. Todavia, num país que apresenta elevados índices de acidentes, adoecimento e mortes no trabalho, essas alterações desburocratizantes devem ser muito bem acompanhadas pela sociedade civil organizada para que não representem fragilização da vigilância das condições de salubridade dos ambientes de trabalho, o que inevitavelmente contribuiria para o aumento do número de doenças, acidentes e mortes no trabalho.

 

Quais os impactos que o resultado dessas consultas pode trazer para a classe trabalhadora? E para os bancários, especificamente?

De modo geral o impacto tende a ser positivo, independente da classe trabalhadora, pois representa a participação da população sobre itens importantes que interferem nas relações de trabalho. No entanto, a não participação e o não acompanhamento das mudanças poderá proporcionar atualizações que geram maior insegurança aos trabalhadores, e aí inclui os bancários com todos os problemas advindos da atividade dos bancos. Um exemplo bastante simples: A NR 4 trata do dimensionamento do SESMT, estabelecendo o corpo técnico que o compõe, porém, muitos empresário queixam-se da real necessidade de ter o profissional no quadro, alegando que não tem muito trabalho a ser desenvolvido, sendo que o papel de qualquer profissional componente do SESMT é tornar o trabalho mais seguro e saudável possível, e isso se constrói no dia-a-dia, pois os aspectos de segurança e saúde vão sendo aprimorados constantemente conforme a dinâmica das operações. Como seria se não houvesse a obrigatoriedade de composição deste serviço especializado? Ou se estivessem restritos apenas às empresas médias e grandes? Será que as empresas contratariam estes profissionais ou mesmo contratariam prestadores de para cuidarem dos quesitos de segurança e saúde se não houvesse a imposição legal? E quanto aos trabalhadores, estes estariam devidamente conscientizados quanto à necessidade de sua proteção, exigindo das empresas os cuidados necessários? São perguntas reflexivas para dar uma ideia da dimensão dos possíveis impactos a serem gerados com o aprimoramento. Volto a frisar: o aprimoramento, a modernização, são necessários até porque os perigos no ambiente de trabalho mudam permanentemente, mas eles não podem ser implementados exclusivamente sob o viés da redução de custos para as empresas, pois isto pode ocasionar um elevado custo para a sociedade no futuro.

 

Como participar das consultas públicas?

No link abaixo o cidadão pode entrar e deixar sua opinião. É um link da secretaria do trabalho, lá o usuário terá acesso a todas as normas em revisão e o respectivo calendário, entretanto é muito importante que os profissionais da área, os sindicatos, as CISTs, mediante corpo técnico especializado, tenham efetiva participação.

http://participa.br/profile/secretaria-de-trabalho

Veja Mais!

Entrevista: “A defesa diante da discriminação de gênero está no cerne da luta dos trabalhadores”

Nesta edição, conversamos com a diretora de Assuntos de Gênero do SEEB/VCR, Camille Santos, sobre …