Os vaivéns de suas falas na área econômica, seara que o presidente já admitiu mais de uma vez que pouco entende, ocorrem principalmente por conta de um aperto orçamentário para 2020. Há ministério que sofrerá cortes de até 58%. E uma brusca redução dos investimentos públicos. Analisando o Orçamento nota-se que, apesar de ele ter crescido 3,37% em relação ao ano passado —chegando aos 3,6 trilhões de reais— diversas pastas precisaram passar por cortes significativos. Somente 7 dos 31 ministérios e autarquias não sofreram redução nos gastos, conforme levantamento do jornal O Globo. As principais reduções ocorreram no ministério do Turismo (58%), no da Mulher, Família e Direitos Humanos (41%) e no de Minas e Energia, Infraestrutura e Meio Ambiente (30% cada um). Nem os ministérios de Educação e Saúde foram poupados, com reduções de 9% e 1,4%, respectivamente.
Na Câmara tramita uma proposta de emenda constitucional (a de número 438/2018) que reduz os valores de repasses constitucionais e que afunila a margem de manobra do Governo diante da tarefa de decidir onde e quanto deve ser investido. A dúvida é se em algum momento essa conta vai conseguir fechar.
Desde 2014, os investimentos do Governo federal vêm sofrendo seguidas quedas. Naquele ano, a União investiu 99 bilhões de reais. Caiu para 50 bilhões de reais em 2019. E o projeto de lei orçamentária anual enviado na última semana ao Congresso Nacional mostra que a previsão é que no próximo ano invista 19 bilhões de reais. Uma queda de 80% em seis anos. Especialistas dizem que há um claro risco do Brasil ser obrigado a paralisar serviços em 2020 numa espécie de colapso, ou shutdown, como ficou conhecida a expressão nos Estados Unidos quando o Congresso não valida o orçamento do Governo.
Outro fator que influenciou na mudança de discurso do presidente foram queixas diretas do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, e as declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Maia afirmou que “abrir o teto” não é tratar do problema. “É você esconder o problema, aumentar a despesa, aumentar o endividamento e gerar uma nova crise no futuro. É por isso que tem que manter o teto”.
A atual encruzilhada se dá, principalmente, porque cerca de 94% do orçamento da União é vinculado às despesas obrigatórias – como salários e aposentadorias, pagamento da dívida pública e transferências constitucionais – e apenas 6% às discricionárias – como investimentos em obras públicas, financiamento de pesquisas, manutenção de prédios públicos, modernização de hospitais e universidades.
A regra do teto, criada em 2016, prevê que o Governo não pode registrar despesas superiores às que teve no ano anterior somadas à inflação dos últimos 12 meses. Quando foi aprovada, foi apontada por alguns dos especialistas como uma das soluções para colocar o país nos rumos do crescimento. Enquanto outros a viam exatamente ao contrário, a classificavam como uma barreira que impediria qualquer investimento público e reduziria a arrecadação. Essa corrente entende que o governo tem de ser propulsor dos investimentos na economia. E somente a partir dos seus estímulos, a economia reage. Dessa maneira, aumenta o faturamento das empresas, elevando a arrecadação pública.
“O teto de gastos é um instrumento extremamente importante para acabar com a trajetória declinante da despesa obrigatória”, avaliou o consultor de orçamento da Câmara dos Deputados Hélio Martins Tollini. O professor da Universidade de Brasília, Roberto Piscitelli, avalia que esse princípio seria quebrado em algum momento porque o teto travaria o investimento público, frearia os financiamentos em pesquisas e a própria manutenção da máquina. “Não esperava que essa flexibilização pudesse ocorrer tão cedo”, ponderou. Para Piscitelli, a própria limitação de gastos já tem feito com que algumas atividades sejam paralisadas e a tendência é que sigam assim, caso nada seja feito.
Pela lei, a previsão de revisão só poderia ocorrer em 2026. Antes, qualquer mudança tem de acontecer mediante alterações legislativas por meio de uma emenda constitucional. Para evitar a alteração no teto de gastos, o consultor Tollini entende que a única alternativa seria reduzir a despesa obrigatória. E essa alteração só ocorreria mediante mudanças legislativas.
Fonte: El País