Conversamos com a presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, Silmara Moreira, sobre o Comsea de Conquista e o desmonte de órgãos de fiscalização.
Qual a atuação do Comsea em Vitória da Conquista?
O Comsea tem caráter consultivo e é um órgão de assessoramento ao poder público, que trabalha com as políticas de segurança alimentar no município. Tem um caráter também de fiscalização das políticas públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o Restaurante Popular, entre outros. Quando é verificado que alguma dessas atividades está sendo mal executada, o poder público é informado para que o programa seja melhorado e deixe de destoar da proposta original. Além disso, quando é verificada a necessidade da implementação de uma nova política pública, o Conselho faz a proposição ao poder executivo. Em Conquista, o Conselho tem um longo período e está passando por um momento de reestruturação, para trazer novos debates e renovar a atuação de fiscalização e orientação. O órgão tem as suas esferas municipais, estaduais e nacional. O Conselho Nacional, no momento, se encontra extinto através da MP 170, de janeiro de 2019. Contudo, o Comsea não possui dependência do Conselho Nacional.
Quem faz parte do Comsea?
O Conselho é composto pela sociedade civil e pelo poder público. Entre os diversos seguimentos da sociedade que fazem parte podemos destacar os movimentos sociais, associações, sindicatos, representantes da igreja católica, das igrejas evangélicas, da união espírita e das religiões de matriz africana, entre outros. A eleição acontece a cada dois anos, onde as organizações podem concorrer a uma vaga de titular e de suplente. Esta participação dos conselheiros é fundamental, pois políticas públicas importantes surgiram destas discussões, nos âmbitos municipal, estadual e nacional.
Você poderia citar algumas dessas políticas públicas?
Por exemplo, o Programa de Aquisição de Alimentos, onde os municípios e o estado compram alimentos de produtores familiares e redistribuem para entidades sociais. O Programa Nacional de Alimentação Escolar também é fruto de deliberações do Conselho. O Comsea abriu frente argumentando sobre a necessidade de um programa nacional que atendesse a alimentação escolar. O Pnae segue a proposta do PAA, são leis que normatizam que o poder público compre a alimentação direto do produtor. O Pnae, por exemplo, prevê que o município deve comprar, no mínimo, 30% da alimentação escolar de agricultores familiares. Então, se garante tanto a comercialização da produção dos pequenos agricultores, quanto que as escolas tenham uma alimentação com produtos locais. O programa também prevê que a alimentação deve estar contextualizada às realidades dos educandos. Nossa luta é para que essa alimentação também seja cada vez mais saudável, com comida de verdade, produzida no próprio município, que gere renda e para tudo isso o programa precisa ser bem gerido pelos entes públicos.
Neste momento de retirada dos direitos dos trabalhadores e do desmonte de órgãos de fiscalização, como a sociedade pode fortalecer o trabalho por melhores políticas alimentares? O Comsea possui seus conselheiros, mas é aberto ao público. Qualquer cidadão que tenha interesse em participar do Conselho terá garantido o seu direito a voz. Apesar de não ter o direito a voto, qualquer pessoa pode participar e contribuir com as políticas de segurança alimentar do município. Nós enquanto sociedade precisamos compreender que, se a gente está vivendo um desmonte das políticas sociais, dos conselhos e das conferências, este é o momento de dizer: “não! Eu preciso partir para dentro, deixar a minha contribuição e dar voz ao que eu acredito”. No momento que não se dá a devida importância e se permite o enfraquecimento destes espaços é que se derruba as políticas públicas.
“A fome voltou: Comer é um direito” foi o tema da Conferência. Como a sociedade pode lutar contra este sintoma da desigualdade? O Comsea atua muito no combate à fome. Hoje temos pesquisas sendo apresentadas, com a relatoria da ONU que o Brasil está voltando ao mapa da fome. A redução de recursos para as políticas sociais comprova isso e a gente vê o aumento do número de pessoas nas ruas pedindo comida, não é mais o dinheiro. Comer é um direito estabelecido na Constituição Brasileira e nós, enquanto sociedade, precisamos estar nessas instâncias de deliberação para poder dizer: o Estado tem o dever de garantir esse direito humano de acesso a uma alimentação adequada. Os conselhos e conferências são os espaços para cobrar essa atuação do Estado e de contribuir para que as ações aconteçam. É necessário também um esforço para que essas ideias se tornem lei, porque políticas governamentais são importantes, mas não são estruturantes. Quando a população conquista a transformação dos programas em Lei é imposta uma dificuldade para que governos consigam impedir os avanços sociais.
As opiniões expressas não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.