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Entrevista: “O governo não consegue se desprender das ideias neoliberais”

A atual crise que estamos enfrentando, além de sanitária, tem repercutido também no cenário econômico do país. Procurando entender melhor as escolhas do atual governo, nesta semana entrevistamos o economista, mestre em Economia (UFCG) e professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Marcos Antônio Tavares.

Qual é o projeto econômico que a equipe do governo Bolsonaro tem buscado implementar no país? E o que isso representa para a classe trabalhadora?

O projeto econômico é neoliberal, a equipe parte do pressuposto que o mercado se autorregula e com isso a economia caminha com suas próprias pernas. Como nessa fase do capitalismo predomina o capital financeiro, o ministro da economia, Paulo Guedes, entende que as suas políticas econômicas devem privilegiar os interesses desses senhores (banqueiros, especuladores, rentistas). Veja as medidas tomadas até agora pelo governo federal diante da crise causada pelo coronavírus. Todas para tranquilizar o mercado, mesmo que atormentem os trabalhadores. O governo sabe que no capitalismo os donos do dinheiro buscam aumentar seus lucros que pode ocorrer via ativos não-financeiros (indústria, comércio, serviços e agronegócio) e ou ativos financeiros (ações, títulos, contratos de depósitos, etc). Sendo a taxa de lucro desses últimos a referência para os primeiros. Assim, as políticas neoliberais intensificam os ganhos do capital, especialmente o financeiro, em detrimento dos interesses da classe trabalhadora. Para que isso ocorra, eles implementam a retirada de direitos trabalhistas e sociais via: contrarreformas trabalhista e da previdência; “carteira verde amarela” instituída pela MP 905; e a emenda constitucional que limita os gastos sociais por vinte anos (PEC do teto). Com a crise, o governo brasileiro não largou o credo liberal e a crença no mercado. Em outros países as políticas neoliberais foram abandonadas, mas aqui não. Basta olhar a MP 927. Esta aumenta o poder dos patrões ao retirar mais direitos dos trabalhadores.

Quais os impactos da reforma Trabalhista, da Previdência e a PEC do teto do gasto para economia do país? Qual o aprofundamento disso em um momento de crise como o de agora?

Os piores possíveis. As duas primeiras, trabalhista e da previdência, ao retirar direitos reduz a parte da renda nacional que fica com os trabalhadores (reduz o salário real, a aposentadoria, a pensão e os benefícios sociais), a qual é toda destinada ao consumo de bens e serviços. A Emenda Constitucional 95 (PEC do teto), aprovada em dezembro de 2016, por sua vez limita os investimentos e os gastos do governo na área social (saúde, educação, segurança, habitação, saneamento, cultura, etc.). Tudo isso para sinalizar para o mercado que o governo fará esforço fiscal para pagar os juros da dívida pública interna. Isto é, que o governo vai remunerar a turma da bufunfa, os detentores de títulos do governo. Ao retirar dinheiro da população, especialmente da classe trabalhadora, e reduzir gastos e investimentos, a economia tende a crescer menos, pois os brasileiros e o próprio governo passam a comprar menos. O governo também passa a gastar e investir menos em termos reais. Com isso, o mercado doméstico encolhe e a economia passa a depender mais das exportações. É isso que temos visto depois da intensificação do neoliberalismo no Brasil nos últimos seis anos. Nesse período a economia só desandou, com a taxa de desemprego saltando de 6% para 12 %, os investimentos e gastos socais despencando, e os lucros dos bancos batendo recordes. Com isso, temos uma população cada vez mais pobre e desassistida pelo Estado. Um bom exemplo é o subfinanciamento do SUS (Sistema único de Saúde), com a falta de verba a saúde pública se deteriora e não atende a todos. Não é de hoje que os hospitais vivem superlotados e que faltam leitos e materiais médicos hospitalares. Os investimentos nas universidades, na ciência e tecnologia ficam cada vez mais minguados. Tudo isso vai deixando o país mais frágil. Logo, as crises ficam mais profundas. No nosso caso em especial, ao contrário do que vem acontecendo em outros países, o governo não consegue se desprender das ideias neoliberais, fator esse que agrava ainda mais a crise atual. Paulo Guedes, na segunda quinzena de março, anunciou que para combater pandemia da “gripezinha” iria privatizar a Eletrobras e fazer andar as reformas administrativas e a carteira verde amarela. Dias depois editou a MP 927. Todas essas medidas inócuas no combate a pandemia, óbvio.

Neste momento, com o crescimento dos casos de Coronavírus em todo mundo. Como estava a situação da economia global antes e como fica diante da crise?

A economia global vinha crescendo com baixas taxas de crescimento e com bolhas especulativas, com os preços de boa parte dos ativos financeiros e ativos no mercado futuro supervalorizados. Com a crise, os preços são puxados para baixo, muitas empresas quebram e algumas economias nacionais entram em colapso. Na segunda quinzena de março as bolsas de todo o mundo desabaram, a nossa mais do que outras. Isso se deu porque, esse mercado opera supervalorizado. Só se recuperou levemente depois que governos de países da Europa e o dos EUA anunciaram aporte de recursos na ordem de trilhões de dólares para salvar os bancos e as empresas em dificuldades. Com a crise, a economia mundial entrará em recessão. Não sabemos a duração desta. A profundidade da crise econômica vai depender da extensão e do tempo que levar a pandemia. Os governos podem reduzir os impactos da crise do coronavírus via intervenções nos mercados de modo a assegurar os empregos, os salários e a implementação de programas de renda mínima. Medidas desse tipo já foram apresentadas pelos governos da Alemanha, Rússia, França, Inglaterra e dos EUA.

Como o sr. avalia o pacote anunciado pelo governo que deve liberar R$ 1,2 trilhão aos bancos?

Essa injeção de recursos visa acalmar os banqueiros, “o tal mercado”. É certo que com mais dinheiro em caixa os bancos terão maior margem de manobra para poder renegociar as dívidas das empresas, podendo suspender pagamentos de parcelas, como fez a Caixa Econômica Federal. Então, visa estabilizar o mercado socorrendo bancos e empresas. Também serve para tranquilizar detentores de títulos públicos do governo brasileiro. Parte desse dinheiro, 300 bilhões de reais (60 bilhões de dólares) será destinado a recompra de títulos da dívida externa. É garantia de que os rentistas não vão perder dinheiro mesmo diante de uma pandemia. Então, veja, as ações do governo Bolsonaro buscam acalmar os investidores, “o mercado”. Ao mesmo tempo em que mandou para o Congresso Federal a Medida Provisória (MP 927), que tira o sono dos empregados. Essa MP permitia a redução de salários e de jornada dos assalariados em até 50%, isso por até quatro meses, além de possibilitar a suspensão de contrato e salário (artigo 18). Com a repercussão negativa, o governo revogou o artigo 18º da MP 927, conforme art. 2º da MP 928. Mas, manteve a essência da MP anterior, na qual o acordado entre o patrão e o empregado deve prevalecer sobre o legislado. Já no artigo 29 (MP 927), mais um ataque, diz que se o empregado contrair o coronavírus não será considerado como doença ocupacional, a não ser que ele prove que contraiu na empresa, algo bem difícil de se provar. Bem, essa MP ainda será votada, aguardemos. Assim, as medidas do governo são para tranquilizar os grandes empresários ao mesmo tempo que se apresentam como tormentas para os trabalhadores do setor público e privado.

De que forma o aumento do desemprego repercute na economia brasileira?

Bem, a situação do desemprego e da precarização do trabalho vai se agravar. O governo não vinha fazendo nada para gerar empregos antes da crise e, no meu entendimento, vai continua sem fazer. Como a crise vai gerar recessão, a tendência é o desemprego aumentar. Isso porque as prioridades do Paulo Guedes, ministro da economia, e do presidente são outras e ficam explícitas nos seus pronunciamentos e nas medidas que adotaram até o momento.

Na noite de ontem, quinta-feira, foi aprovado na Câmara dos Deputados o auxílio quarentena de R$600,00. Qual a efetividade dessa medida?

O governo mandou o projeto para Câmara dos Deputados propondo auxílio aos trabalhadores informais de R$200,00. Ao propor esse valor parece que o governo deseja que eles não se isolem. Nos EUA, o governo vai liberar US$ 1.200,00, o equivalente a seis mil reais. Valor este 30 vezes maior ao que o proposto aqui. Vários países da Europa adotam medidas de garantia dos empregos e salários associadas a um programa de renda mínima. Estas medidas atendem a demandas sociais e faz com que a economia continue girando. Os deputados federais na noite de ontem (26) não abriam mão que esse valor fosse no mínimo de R$ 500,00, o executivo mudou sua posição, certo da derrota, e sinalizou com R$600,00. Nesse momento o presidente perde popularidade e não tem maioria na Câmara dos Deputados. O valor de 600 reais foi aprovado com duração de três meses. Falta a votação no Senado. É um avanço importante. Sabemos que não é suficiente, pois, para se ter ideia o salário mínimo calculado pelo DIEESE é de 4.366 reais, nos EUA o auxílio é o equivalente a 6.000 reais, aqui será R$ 600,00. Mas é um avanço importante diante de um governo que não demonstra preocupar-se com a população mais pobre.

Qual a escolha econômica neste momento de crise seria efetiva para o bem-estar da classe trabalhadora?

Para atenuar os impactos da crise atual, penso que o governo deveria adotar as seguintes políticas: adoção do isolamento social com tempo definido de acordo com as autoridades da área de saúde; programa de renda mínima universal destinando o equivalente a um salário mínimo para as pessoas de baixa renda; proibição de demissões durante a crise e manutenção dos salários; suspensão temporária do imposto de renda; apoio as empresas via redução de impostos e contribuições; suspensão da cobrança das contas de água, energia, dívidas e aluguéis enquanto durar a pandemia; e ampliar o investimento no SUS. A maioria dessas medidas já estão em curso em alguns países. Também acredito que precisamos pensar que tipo de sociedade nós queremos viver, se esta que privilegia o lucro em detrimento da saúde das pessoas ou se em outra em que as decisões priorizem a vida.

As opiniões expressas não refletem, necessariamente, o posicionamento da diretoria do SEEB/VCR.

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