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Artigo: “Golpe de trilhões em plena pandemia”, por Maria Lucia Fattorelli

Por Maria Lucia Fattorelli.

A pandemia do coronavírus atingiu a economia brasileira em momento de grande fragilidade. O país já vinha enfrentando uma crise econômica fabricada[i] desde 2015-2016, quando o PIB[ii] caiu cerca de 7%, ficando praticamente estagnado desde então. A desindustrialização estrutural[iii] também vem se agravando a cada ano[iv], assim como o desemprego[v] e a informalidade. A extrema pobreza chegou a 13,5 milhões de pessoas em 2019[vi], antes do vírus. As contrarreformas trabalhista e a da Previdência reduziram ainda mais os direitos sociais da classe trabalhadora. Os investimentos em áreas sociais essenciais, como saúde, educação, ciência e tecnologia, assistência social etc., vêm sendo prejudicados sistematicamente devido ao privilégio dado aos gastos financeiros com a dívida pública[vii]. Essa distorção se agravou após a vigência da Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu teto para todos os investimentos sociais e gastos com a manutenção do Estado em todas as áreas, deixando fora do teto, sem controle ou limite algum, os gastos financeiros com a dívida pública. Essa privilegiada dívida pública não tem servido para investimentos no país, como declarou representante do TCU[viii] ao Senado.

Esse cenário de escassez, que tem impedido o desenvolvimento socioeconômico do país, contrasta com o privilégio do gasto financeiro que, além de consumir a maior parte dos recursos orçamentários, ainda conta com garantia de recursos que o governo mantém acumulados em caixa, o “colchão de liquidez”, para tranquilizar os rentistas. Temos mais de R$ 4 trilhões em caixa: saldo de R$ 1,4 trilhão na conta única do Tesouro Nacional[ix], mais de R$ 1,7 trilhão em Reservas Internacionais[x], e mais de R$ 1 trilhão no caixa do Banco Central[xi].

A pandemia do coronavírus está escancarando a profunda desigualdade e vulnerabilidade social, e a precariedade dos serviços públicos essenciais. Em meio a esse drama social, o setor financeiro usa de oportunismo abominável e exige a aprovação da PEC 10/2020, que promove a transferência de trilhões de recursos públicos para os bancos, aumentando ainda mais os seus lucros.

As justificativas apresentadas para a PEC 10/2020 são insustentáveis! Não procede a alegação de que essa mudança constitucional seria necessária amparar pagamentos e contratações extraordinários durante o período da pandemia, tendo em vista que até o STF[xii] já afastou a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para os gastos relacionados ao combate à pandemia do coronavírus[xiii]. Também não tem o menor fundamento a afirmação do ministro Paulo Guedes de que o governo federal só poderia pagar aos pobres o auxílio emergencial de R$ 600,00 se essa PEC 10 fosse aprovada[xiv], tendo em vista que o gasto estimado com as 3 parcelas de R$600,00 para cerca de 46 milhões de pessoas será de cerca de R$82 bilhões, e temos mais de R$4trilhões disponíveis em caixa, como antes detalhado!

O clima de falsa urgência criado em torno dessa desnecessária PEC visa não dar tempo de mobilizar a sociedade contra o imenso golpe financeiro embutido nessa PEC 10/2020, que dá ao Banco Central autorização para operar no desregulado mercado secundário (de balcão) como um mero operador independente, podendo comprar derivativos sem lastro e debêntures de bancos, sem limite de valor, sem identificar os beneficiários, sem obedecer aos “Procedimentos Mínimos” recomendados pela Anbima, sem a possibilidade de investigação efetiva, sem limitar o prazo dos papéis, sem a exigência de contrapartida alguma ao país, e mais: pagando tudo isso com títulos da dívida pública, cujo peso recairá sobre o povo brasileiro[xv]!

O presidente do Banco Central informou ao Senado que a operação chegará a R$972,9 bilhões[xvi], porém, levantamento feito pela IVIX Value Creation[xvii] já havia revelado que “carteira podre” dos bancos chegava ao valor de quase R$ 1 Trilhão, sem considerar a correção monetária! Se computada essa correção, chegaremos a vários trilhões, pois esses ativos privados vêm sendo acumulados nos bancos há 15 anos, segundo o levantamento!

 A PEC não estabelece limite algum para essa operação, e autoriza que o Banco Central opere com títulos da dívida pública nesse mercado secundário, o que provocará crescimento exponencial da dívida pública!

Na última semana o ministro Paulo Guedes anunciou que quer vender reservas internacionais para pagar dívida pública[xviii]! Falou também sobre a aceleração das privatizações de R$ 1 trilhão de imóveis públicos, e mais R$ 1 trilhão de participações em estatais[xix], também para pagar a dívida pública.

Se a PEC 10/2020 for aprovada, teremos um aumento de trilhões no estoque da dívida pública, o agravamento do arrocho orçamentário e a consequente redução de direitos sociais, além da perda de patrimônio público e reservas, ou seja, um rombo de trilhões de reais aos cofres públicos e à sociedade, em troca da “carteira podre” dos bancos!

Apelamos aos deputados e deputadas federais que terão que votar a PEC 10/2020 para que REJEITEM ESSE GOLPE!

 

Maria Lucia Fattorelli é auditora fiscal aposentada da Receita Federal e coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.


[i] Crise fabricada expande o poder do mercado financeiro e suprime direitos sociais https://auditoriacidada.org.br/conteudo/crise-fabricada-expande-o-poder-do-mercado-financeiro-e-suprime-direitos-sociais/

[ii] Fonte: IBGE https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9300-contas-nacionais-trimestrais.html?=&t=series-historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=pib#evolucao-taxa

[iii] Fonte: https://www3.eco.unicamp.br/cede/centro/146-destaque/508-desindustrializacao-no-brasil-e-real-e-estrutural

[iv] Fonte: https://iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_940.html

[v] Fonte: https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php

[vi] Fonte: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25882-extrema-pobreza-atinge-13-5-milhoes-de-pessoas-e-chega-ao-maior-nivel-em-7-anos

[vii] Fonte: https://auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Orc%CC%A7amento-2019-versao-final.pdf

[viii] Fonte: https://auditoriacidada.org.br/video/tcu-afirma-que-divida-nao-serviu-para-investimento-no-pais/

[ix] Fonte:  https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/docs_estatisticasfiscais/Notimp3.xlsx – Tabela 4 – Linha 44

[x] Fonte: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries , Série Temporal no 13621

[xi] Fonte: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/fonte-da-informacao-de-r-144-trilhao-no-caixa-do-tesouro-nacional-em-dez-2019/

[xii] Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=440384).

[xiii] http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=440384).

[xiv] Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/03/31/guedes-se-pec-emergencial-for-aprovada-em-24h-voucher-sai-em-24h.htm

[xv] Fonte: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/carta-aberta-dirigida-ao-presidente-e-demais-parlamentares-da-camara-dos-deputados-e-a-sociedade-em-geral-que-arcara-com-o-peso-dos-trilhoes-que-a-pec-10-transforma-em-divida-publica/

[xvi] Fonte: https://www.moneytimes.com.br/ativos-privados-que-bc-pode-comprar-caso-pec-seja-aprovada-somam-r-9729-bilhoes/ também disponível em:

https://auditoriacidada.org.br/presidente-do-banco-central-informa-a-senadores-que-as-operacoes-autorizadas-pela-pec-10-podem-chegar-perto-de-r1-trilhao/

[xvii]  Fonte: https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2019/11/epoca-negocios-retomada-da-economia-pode-destravar-carteira-de-r-1-tri-em-creditos-podres.html também disponível em https://auditoriacidada.org.br/grandes-jornais-revelaram-a-existencia-de-r1-tri-em-papeis-podres-nos-bancos/

[xviii] Fonte: https://www.infomoney.com.br/economia/guedes-defende-reducao-de-reservas-internacionais-para-diminuir-divida-bruta/

[xix] Fonte: Vídeo com a fala do ministro em https://www.esmaelmorais.com.br/2020/04/paulo-guedes-quer-repassar-mais-r-2-trilhoes-aos-bancos-enquanto-o-povo-se-humilha-para-receber-r-600/

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