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População é explorada através da dívida, afirma Ladislau Dowbor

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O mecanismo de extração de riqueza atual e de submissão da população ao poder econômico no Brasil reúne pagamento de baixos salários, com redução das políticas sociais, cobrança de juros altos e o sistema de dividendos. É o que explica o economista e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Ladislau Dowbor*, em entrevista ao Brasil de Fato.

“Os 42 bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em R$ 180 bilhões em quatro meses na pandemia. Cento e oitenta bilhões de reais são seis anos de Bolsa Família, só que, em vez de ir para 50 milhões de pessoas, vai para 42 pessoas que não pagam impostos. Então está agravando a desigualdade e assim paralisa a economia”, ressalta.

Autor de diversas obras que apresentam uma visão progressista e renovadora sobre o desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental, Dowbor detalha que o povo passou a ser explorado por meio do pagamento de juros nas transações comerciais que gera o endividamento das famílias.

“A pessoa de capacidade mais modesta compra a prazo, então ela é explorada no crediário, no cartão, explorada na dívida que eventualmente pega como pessoa jurídica. O juro no endividamento permite você generalizar a exploração para todas as pessoas, inclusive para quem não tem vínculo formal de trabalho”, explica.

De acordo com o economista, o governo atual reduziu a capacidade de compra da população e de produção das empresas. Dessa forma, o déficit do estado aumentou.

“Desde que eles assumiram nós temos uma explosão do déficit. Vieram consertar o déficit e, na realidade, aumentaram. Porque é evidente, as famílias compram menos e o imposto pelo consumo é a principal fonte de receita tributária no Brasil, é 50% da receita tributária. Você reduziu a entrada pelas atividades de consumo e reduziu a entrada pelo sistema de construção que é parte produtiva. Então o resultado é o aumento do déficit e o travamento do conjunto do sistema. As famílias consomem menos, as empresas produzem menos, o comércio comercializa menos e você tem o estado que gera o déficit”, diz.

Na conversa, o professor explica ainda a diferença entre a taxa de juros que é cobrada no Brasil e em outros países e afirma que aqui há um sistema de agiotagem que cobra juros ao mês e investe na desinformação da população. “Aqui o rotativo do cartão em julho tava 256%, no Canadá é 11% ao ano. Porque é um sistema de agiotagem, por isso se apresenta os juros ao mês, é uma relação de força. Na televisão apresentam o problema como sendo as pessoas que se endividam porque não têm educação financeira e não sabem tomar crédito”, aponta.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato: Como é estruturado o sistema financeiro brasileiro e de que forma ele impacta na população em geral?

Ladislau Dowbor: O dinheiro é uma coisa imaterial, é simplesmente uma relação de poder, depende de quem está com o comando de uso desse sinal magnético imaterial que é o dinheiro para saber se a gente faz investimento ou se manda para paraíso fiscal. É uma relação social. Eu pego desde a situação das famílias que se endividam. Um milhão de famílias que estão negativadas e não estão conseguindo pagar suas dividas, é o que relata o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).

Você tem o endividamento das famílias, não é o volume de dívida que importa, porque é relativamente pequeno, mas sim a taxa de juros em cima dessa divida. Estamos falando em 75% no crediário. Na Europa é 6% ou 7%, tem o cheque especial, rotativo no cartão, são coisas surrealistas as taxas cobradas.

Tem também as tarifas, porque quando se faz uma compra com cartão de crédito, vai incidir 2,5% na modalidade débito e 5% na modalidade crédito. São dezenas de milhões de transações com cartão diários, a Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF) era 0,35%. Aqui não, é 2,5% ou 5% e não vai para o governo, vai para os bancos e só essas tarifas nos bancos representam cerca de uma vez e meio a folha de pagamento do sistema bancário.

Brasil de Fato: E por que tanta diferença do Brasil para Europa, por exemplo, se lá também existe o sistema financeiro, bancos?

Ladislau Dowbor: Aqui o rotativo do cartão em julho estava 256%, no Canadá é 11% ao ano. Porque é um sistema de agiotagem, por isso se apresenta os juros ao mês, é uma relação de força. Na televisão apresentam o problema como sendo as pessoas se endividam porque não têm educação financeira e não sabem tomar crédito. Bom, isso aqui é um insulto à inteligência humana. Eu apresento esses dados em reuniões internacionais onde se discute [o tema] e as pessoas não acreditam que um país pode praticar juros desse nível.

Tem o endividamento das famílias, depois tem o endividamento das empresas. As grandes não porque as multinacionais tomam dinheiro no sistema internacional e tipicamente pagando 4% a 5% ao ano. No brasil a média [de juros] que a Associação Nacional dos Executivos de Finança apresenta é 44%.

Se você soma os dados da pesquisa do Estadão [Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC)] só o que se tira de juros das famílias e empresas dá 16% do Produto Interno Bruto (PIB), dá mais de R$ 1 trilhão e some a isso a transferência de juros sobre a dívida pública, portanto, dinheiro do nosso imposto, que em vez de ir para educação e saúde vai para os bancos e para quem tem títulos da dívida pública.

Isso aí são R$ 310 bilhões em 2018 e 2019. Em 2015 chegou a R$ 500 bilhões. Baixou a taxa de juros da [taxa] Selic, isso é bom, mas como o estoque da dívida aumentou muito, mesmo com taxa bem menor, mas sobre um estoque maior da dívida e uma inflação muito baixa, isso continua representando um rombo muito forte.

Então se você soma o equivalente a 16% do PIB, resultado dos juros das famílias e empresas, e acrescenta os 4 ou 5% do PIB que são juros sobre a dívida pública, você tem cerca 20% do PIB que o sistema financeiro vai tirar da economia real para jogar na economia especulativa.

Agora se você acrescenta que os lucros e dividendos no Brasil não pagam impostos, são isentos desde 1995, lucros e dividendos distribuídos, significa que em vez de reduzir a disparidade e redistribuir, como se faz na Europa, no Canadá, etc. Aqui, como o sistema tributário é regressivo, proporcionalmente os pobres pagam mais impostos do que os ricos, o desequilíbrio é agravado.

Brasil de Fato: Então essa estrutura do sistema financeiro acaba estourando nas famílias mais pobres, na falta de serviço e nessa desproporcionalidade de cobrança tributária? Como que fica essa camada mais baixa da população?

Ladislau Dowbor: Isso atinge a todos porque você tem que pensar o seguinte, quando a principal forma de exploração era de salário baixo, isso, para você explorar as pessoas pelo salário, pelo menos você tem que dar um emprego. Agora através de juros, os 40 milhões de pessoas do setor informal, pessoas que se viram para sobreviver, sem falar dos 13 milhões de desempregados, dos desalentados e etc. Essa imensa massa da população é explorada através da dívida porque todos eles fazem compra.

A pessoa de capacidade mais modesta compra a prazo, então ela é explorada no crediário, no cartão, explorada na dívida que eventualmente pega como pessoa jurídica. O juro no endividamento permite você generalizar a exploração para todas as pessoas, inclusive para quem não tem vínculo formal de trabalho. No Brasil somos 210 milhões de habitantes, mas apenas 33 milhões de pessoas têm emprego formal no setor privado. O Brasil tem essa gigantesca subutilização da força de trabalho.

O mecanismo básico é que você reduz a capacidade de compra da população – ela paga tipicamente, se está em uma compra no crediário, 75% de juros.- então ela compra muito menos. Se ela compra muito menos, as empresas não têm para quem vender, por isso estão trabalhando com 70% apenas da sua capacidade.

Tem a entrevista aí de um empresário no Estadão dizendo que está mais barato contratar, mas para que vou contratar se não tem para quem vender? Agora quando você reduziu a capacidade de compra da população e reduziu a capacidade de produção das empresas, você aumenta o déficit. Por isso que desde que assumiram, basicamente estamos no sétimo ano da economia paralisada, desde que eles assumiram nós temos uma explosão do déficit.

Vieram consertar o déficit e, na realidade, aumentaram. Porque é evidente, as famílias compram menos e o imposto pelo consumo é a principal fonte de receita tributária no Brasil, é 50% da receita tributária. Você reduziu a entrada pelas atividades de consumo e reduziu a entrada pelo sistema de construção que é parte produtiva. Então o resultado é o aumento do déficit e o travamento do conjunto do sistema.

E, quando aumenta o déficit do estado, ele se defende não fazendo um teto de juros, mas fazendo um teto de gastos. Curiosamente os investimentos sociais se chamam de gastos, são investimentos nas pessoas. Mas aí você trava o sistema de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) perdeu mais de R$ 20 bilhões. Você trava o sistema educacional, a redução de bolsas, as Universidades, etc.

Não dá para você ter um sistema financeiro que são intermediários, não é atividade fim, não é atividade econômica, é atividade de intermediação, é pedágio. Mas se os intermediários ficam com 20% do PIB você tem um travamento do consumo familiar, da atividade empresarial e aumento do déficit do estado.

Brasil de Fato: Como o Estado pode agir, qual o papel e função do estado para conseguir consertar esses problemas tão estruturantes?

Ladislau Dowbor: É só olhar que efeito positivo teve na economia esses R$ 600, essa merreca que passaram para a base da população. Isso conteve, em boa parte, a caída generalizada da economia. Por que o que acontece? Durante a fase Lula-Dilma, de 2003 a 2013, quando teve não só o Bolsa Família, teve valorização do salário liquido, investimento do estado na saúde e educação e etc. Isso dinamizou a capacidade de consumo das famílias.

O bem estar das famílias depende tipicamente de 60% do dinheiro no bolso – estou falando de qualquer economia que funcione, França, Canadá, Coréia, China, Alemanha – podem ter sistemas políticos diferentes, mas funciona da mesma maneira.

Boa parte do bem estar das famílias é dinheiro no bolso, compra no supermercado, pagar aluguel, essas coisas. Outra parte é ter acesso a bens de consumo coletivos, você não compra hospital, escola, delegacia de polícia. Tem que ter educação, acesso à segurança, saúde, meio ambiente, parques na cidade, isso é o que chama de salário indireto, porque vem através do estado e representa em ordem de grandeza 40% do bem estar das famílias. O que faz o bem estar das famílias é esse conjunto de dinheiro no bolso e o acesso a bens de consumo coletivos.

Quando você dinamizou essa capacidade de consumo das famílias, significa que você movimentou a economia não para o benefício dos banqueiros, mas para a base da população. Isso aumenta a demanda e essa demanda gera mais atividade empresarial, porque você tem para quem vender e como você tem o aumento do consumo e atividade empresarial, ambos geram mais recurso pro estado.

O déficit era muito baixo durante toda a fase distributiva que vai de 2003 a 2013, que o Banco Mundial chamou de década dourada da economia brasileira. A partir de 2014 para cá, você não tem mais governo, você tem a Lava Jato, toda zona, depois Dilma é obrigada a chamar o Joaquim Levy e acabou a fase distributiva e tem a fase da austeridade.

Nessa fase tem uma queda radical, rompe-se o ciclo de crescimento e começa a fase recessiva que a gente está vivendo. Tivemos queda de 2015, 2016 e depois 1% ao ano de crescimento. Se você considera que a gente tem um aumento populacional de 0,8%, isso significa que a economia está parada né. Agora com o coronavírus, a gente está em recessão de novo.

O essencial na tua pergunta é que a gente sabe o que fazer, chama políticas anticíclicas, é o keynesianismo.

Quando tem processo recessivo você dinamiza o bem estar, você repassa recursos públicos, você pode emitir moedas sem problemas. Você repassa esse dinheiro para a base da população, isso gera consumo e 40% do consumo volta em forma de imposto para o governo. Você tem a dinamização da produção, porque as empresas têm para quem vender, ambos geram imposto e o ciclo volta a funcionar.

Brasil de Fato: Por que o bem estar da população, uma maior igualdade social, não interessa a esse capital rentista, a essas instituições financeiras? De que forma isso se dá?

Ladislau Dowbor: O sistema financeiro é em grande parte nacional e internacional. O governo e o sistema permitem extrair mais recursos, ganhar dinheiro sem produzir nada, simplesmente com aplicações financeiras. É um país que não tem Banco Central.

Formalmente, a gente tem o Banco Central, mas é um órgão regulador, como tem Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), etc. Assim como as outras agências de regulação, o Banco Central, como agência reguladora, é controlado pelos próprios bancos, por quem ele deveria regular. Por isso não intervém, por exemplo, no principal eixo que são as taxas de juros.

Brasil de Fato: Se os próprios bancos que fazem a regulação, então não existe uma regulação?

Ladislau Dowbor: A regulação não existe mais, a base legal foi quebrada desde uma emenda constitucional de 2003 [Emenda Constitucional nº 40/03] que liquidou o artigo 192 [da Constituição Federal] que regula o sistema financeiro nacional. Esse artigo limitava a taxa de juros a 12% ao ano mais inflação. A pessoa que fez a Constituição sabia da ameaça da agiotagem e colocou um teto à agiotagem. Hoje daria mais ou menos 14 a 15% ao ano, o teto. Sendo que a taxa na Europa de ir no banco pegar linha de crédito na França é de 3,5% ao ano.

Não existe juro ao mês, porque juro ao mês é para as pessoas não entenderem, porque você não vai conseguir saber quanto é um juro de 6% ao mês. Uu faço o cálculo e consigo saber que 6% ao mês dá mais de 100% ao ano. Agora essa pessoa que tá numa loja e tá lá escrito 6%, ela acha que está razoável.

Brasil de Fato: O senhor falou dessa dificuldade das pessoas entenderem o sistema que é feito, justamente, para as pessoas não entenderem. Falamos do papel do Estado, mas por onde passa o papel da população em geral, a emancipação dessa população dentro desse sistema financeiro?

Ladislau Dowbor: Começa com regulação. No Canadá, por exemplo, que as taxas de juros do rotativo do cartão está 11% ao ano agora na pandemia. Antes da pandemia tava 22% comparado com 256% do Brasil. Lá eles acharam que 22% já era demais e baixaram para 11%, porque tem Banco Central.

Na Suíça você tem repasses para os bancos agora na pandemia para ajudar as empresas e famílias, da maneira como foi esse R$ 1,2 trilhão no Brasil. Mas aqui quando repassam têm taxas de juros malucas. Na Suíça, o repasse do dinheiro do governo para os bancos para ajudar a economia na pandemia, os bancos são obrigados a repassar (para a população e empresas), os juros que eles têm direito de cobrar estão entre 0 e 0,5% ao ano, porque são repasses do governo e não têm custo para eles.

Você não tem como negociar, você faz uma compra no cartão, o intermediário dono do cartão fica com 5% do valor da sua compra. Ninguém te perguntou quantos porcentos você queria dar. Todos os bancos cobram no mesmo nível. Então você não tem opção, se te baixam salário na empresa, o conjunto dos funcionários pode brigar, mas se você está super endividado por causa da taxa de juros, vai fazer o quê? Piquete na frente do banco?

Brasil de Fato: Em resumo, então, o sistema é feito para manter a população submissa? A divida é uma forma de submeter a população ao poder?

Ladislau Dowbor: É um dos principais instrumentos, você extrai o excedente não mais através só de salário baixo, mas também do endividamento e dos dividendos pagos pelas empresas. Você pode pegar os dados que a Forbes [revista norte-americana] apresenta dos 42 bilionários no Brasil. 42 bilionários aumentaram suas fortunas em R$ 180 bilhões em quatro meses, entre 18 de março e 12 de julho, durante a pandemia.

Cento e oitenta bilhões de reais são seis anos de Bolsa Família, só que em vez de ir para 50 milhões de pessoas, vai para 42 pessoas durante a pandemia e não pagam impostos. Então está agravando a desigualdade e assim paralisa a economia. Não querem que haja pobre, mas eles querem extrair, você aumentar sua fortuna nesse ritmo numa economia que está caindo, em quatro meses, para 42 pessoas, eles não chamam de bolsa banqueiro.

Não pode ter uma economia que funciona assim. Em geral, você tem esse mecanismo de extração de riqueza que soma sistema de salário baixo com sistema de redução das políticas sociais, o sistema de juros e o sistema de dividendos. Isso enche o bolso do pessoal.

Agora você tem, para justificar o conto de fadas de que tem déficit, porque não tem recurso, porque a Dilma quebrou a economia… Todas as narrativas que podem ter, chama de conta de fadas. O mecanismo de extração de excedente você tem o conto de fadas para o pessoal não entender a coisa e o porrete para quem não acredita no conto de fadas, é assim que funciona a sociedade hoje.

* Ladislau Dowbor é economista e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

 

Fonte: FEEB/BaSe

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