Por Neuriberg Dias*
A disputa de narrativas na eleição do governo Bolsonaro, do pleito municipal recente e a que precede a escolha dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em fevereiro próximo, faz parte da tática da oposição de enfrentamento dos 2 últimos anos de mandato do presidente Jair Bolsonaro, até as eleições presidenciais de 2022. E do embate contra a agenda ultraliberal e conservadora em curso.
O empenho da oposição — nesse ambiente de correlação de forças desfavorável e centrado na agenda de reformas fiscalistas, com possibilidade também de inclusão da agenda conservadora em 2021 —, será fundamental no Congresso Nacional para o apoio de candidato que renove as presidenciais das Casas do Legislativo compromissados com a defesa imperiosa dos preceitos constitucionais de universalidade dos direitos humanos e sociais, a fim de evitar retrocessos civilizatórios.
A Constituição Cidadã de 1988, mesmo tendo passado por 114 mudanças desde sua promulgação, em 5 de outubro de 1988 — sendo 6 emendas constitucionais de Revisão e outras 108 EC promulgadas até 2020 —, nunca sofreu tanto risco de retrocessos no aspecto do bem-estar social e democrático como agora. Há até promessa feita pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), de plebiscito por uma nova constituinte.
Importante ressaltar que todos os governos pós-regime militar fizeram mudanças na Constituição. Ora adotando e incorporando a agenda do mercado e de direita — Collor, Itamar, FHC e Michel Temer — que aprovaram e promulgaram 53 EC, ora com alterações de cunho social, como as dos governos Lula e Dilma — de orientação de esquerda e centro-esquerda — que modificaram a Carta Político-Jurídica 52 vezes. E, mais recentemente, no governo de ultradireita de Bolsonaro, que até o momento promulgou 9 emendas constitucionais.
As mudanças patrocinadas pelos governos FHC e Temer promoveram distorções na Constituição de 1988, ao terem sido exitosas na adoção das diretrizes liberais, via privatizações, reestruturação do Estado, subtração de direitos trabalhistas, sociais, econômicos e fiscais, como a aprovação da EC do Teto de Gastos públicos, que limita a possibilidade de garantia e efetivação do bem social em favor dos mais necessitados.
Na seara infraconstitucional, destaques para a Lei de Responsabilidade Fiscal, que impôs limites e mais rigor nos gastos e investimentos públicos, e a Reforma Trabalhista, que desregulamentou direitos, regulamentou restrições e mitigou o acesso à Justiça do Trabalho pelos mais vulneráveis e fracos na relação entre capital e o trabalho: o trabalhador.
Diferentemente dos seus antecessores, o governo Bolsonaro defende uma agenda de reformas da Constituição de ultradireita e conservadora ao ter enviado e aprovado proposta de Reforma da Previdência que estabelecia um sistema privado de previdência. Mas sua intenção foi alterada pelo Parlamento; por apresentar a proposta de Emenda Constitucional que trata da Reforma Administrativa e Fiscal, em tramitação, e que transfere para a iniciativa privada serviços públicos essenciais; e a gestação de nova reforma trabalhista, que pretende eliminar mais direitos sociais.
Para ver sua agenda de reformas constitucionais e infraconstitucionais avançarem no Poder Legislativo, o governo Bolsonaro mudou a estratégia de relacionamento adotada no início do mandato ao formar agora uma base de apoio com o chamado “Centrão”, denominado anteriormente de promotor da “velha política”, mas essencial para a aprovação das reformas pretendidas pelo governo. E, para contar com o apoio e votos do “Centrão”, o governo promete distribuir cargos e recursos do Orçamento.
A mudança no modo de lidar com o Parlamento, pelo governo, além da intenção de aprovar a agenda de reformas, tem nesse início de 2021 o objetivo de assegurar a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado comprometidos com o Planalto, já que ambos são os responsáveis pela indicação de relatores, definição e operação da agenda de votações do Congresso.
Em que pese a pandemia do novo coronavírus ter alterado a forma de deliberação do Legislativo, riscos de retrocessos não foram eliminados e caberá novamente à oposição no Parlamento, o papel de unir as forças políticas contra o candidato oficial do presidente da República, de modo a assegurar e amenizar possíveis abalos nos já tão combalidos pilares sociais assegurados pela Constituição, em especial, os universais e civilizatórios, até o final do mandato em 2022.
(*) Jornalista, analista político, assessor técnico do Diap licenciado e sócio-diretor da Contatos Assessoria Política.