A entrevista desta edição d’O Piquete Bancário é com a doutora em Economia, professora e pesquisadora do Instituto de Economia da UFRJ, Denise Gentil. Ela aborda a reforma previdenciária proposta pelo governo. Confira.
Sob o argumento de ajustar as contas públicas, o governo anunciou que fará novas reformas na Previdência Social. O sistema previdenciário é realmente deficitário?
Tenho defendido a ideia de que o cálculo do déficit previdenciário não é correto, porque não está de acordo com os preceitos da Constituição Federal de 1988 que estabelece o arcabouço jurídico do sistema de seguridade social. O cálculo do resultado previdenciário que tem sido oficialmente divulgado pelo governo leva em consideração apenas a receita de contribuição previdenciária ao INSS dos empregados, empregadores e contribuintes individuais, diminuindo dessa única fonte de receita o valor dos gastos com benefícios previdenciários. O resultado dá em déficit. Ocorre que essa é uma equação simplificadora da questão. Há outras fontes de receita da Previdência que não são computadas nesse cálculo, como a COFINS, a CSLL, o PIS/PADEP e a receita de concursos de prognóstico. Quando todas as receitas de contribuições sociais são computadas no cálculo do resultado financeiro da Seguridade Social, obtém-se superávit, que foi de R$68 bilhões no ano de 2013, R$ 36 bilhões em 2014 e R$16 bilhões em 2015. Essa informação favorável não é repassada para a população, que fica com a noção de que o sistema previdenciário brasileiro enfrenta uma crise de grandes proporções e necessita de reforma. A população é empurrada para essas rodadas de reforma e para os planos privados de aposentadoria ofertados pelos bancos.
Se o sistema é superavitário, para onde está indo o orçamento da Previdência?
Para pagar despesas do orçamento fiscal como juros da dívida e o custeio de outros ministérios.
O governo pretende aumentar a idade mínima para obtenção do benefício. A Sra. considera que o avanço da expectativa de vida da população é o que mais afeta a sustentabilidade da Previdência?
O que mais afeta a sustentabilidade da Previdência são as desonerações em grande escala praticadas pelo governo e a política macroeconômica recessiva que provoca desemprego, queda de salários, elevação da informalidade e queda do faturamento das empresas. O governo Dilma privilegiou desonerações tributárias em larga escala como um dos eixos principais de estímulo ao crescimento. A renúncia de receitas em 2014 alcançou a cifra de R$253 bilhões ou 5% do PIB, dos quais R$136 bilhões (2,6% do PIB) pertenciam à Seguridade Social. Em 2015 a desoneração total chegou a R$282 bilhões e representou um valor maior do que a soma de tudo o que foi gasto, em 2014, em Saúde (R$93 bilhões), Educação (R$93,9 bilhões), Assistência Social (R$71 bilhões), Transporte (R$13,8 bilhões) e Ciência e Tecnologia (R$6,1 bilhões) pelo governo federal. Em 2015, do total do valor das renúncias de receitas tributárias, 55% pertenciam a Seguridade Social, isto é, R$157,6 bilhões (ver tabela 2). Não é aceitável que o governo conceda esse patamar estratosférico de desonerações e agora proponha cortar gastos do sistema de proteção social. O governo abriu mão de montantes gigantescos de receita em favor da margem de lucro das empresas.
Como esta reforma afetará quem já contribui e os futuros contribuintes?
O governo tem dito que não atingirá o direito adquirido. Os que já se aposentaram, não serão afetados pela reforma. Para os que ainda não se aposentaram, vai haver redução dos benefícios e regras mais difíceis para acessar o direito a aposentadoria. Ainda não se sabe exatamente a amplitude que essa reforma terá. A reforma proposta pelo governo abrangeria a recriação da CPMF, a prorrogação e aumento da DRU (para 30%) e a unificação, no longo prazo, de todos os regimes de Previdência. As regras passarão a ser as mesmas para homens e mulheres, trabalhadores urbanos e rurais, do setor público e do privado. Haverá o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição. Há economistas dentro do governo que propõem o descolamento do salário mínimo do piso previdenciário e dos benefícios da LOAS, de forma a modificar o critério de reajuste que, nos últimos anos, tem ficado acima da inflação. O governo também deve propor o fim do acúmulo de benefícios (pensão por morte e aposentadoria).
Qual a importância da Previdência Pública na vida dos trabalhadores?
A previdência pública é um seguro social destinado a proteger o trabalhador quando ele perde condições de se manter no mercado de trabalho seja por acidente, doença, idade avançada, invalidez ou morte. São riscos a que qualquer cidadão está sujeito, o de não conseguir prover seu próprio sustento, e que, com a Previdência pública, não é tratado como um problema meramente individual, do cidadão, mas é tratado como uma responsabilidade social, pública. A previdência, além disso, pertence ao Sistema de Seguridade Social, que no Brasil, reúne os serviços de saúde, assistência social e previdência. Através deste sistema o Estado assume a proteção social como um direito de todos os cidadãos e, se apoiando nos princípios da equidade e da justiça, procura atenua os conflitos distributivos decorrentes dos efeitos devastadores do capitalismo.
Quais são as fontes de arrecadação da Seguridade Social?
As fontes são a receita de contribuição previdenciária ao INSS (que incide sobre a folha) dos empregados, empregadores e contribuintes individuais, a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade social), a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), a receita de concursos de prognósticos e o PIS/PASEP. O artigo 195 da Constituição Federal assegura que essas receitas financiam o gasto com Previdência, Saúde e a Assistência Social.