Publicamos abaixo o discurso do presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) no seminário internacional que abriu o V Congresso da Central classista na manhã desta quinta-feira
A classe trabalhadora se defronta com grandes desafios e adversidades em todo o mundo. Além da pandemia, que já ceifou mais de 4 milhões e 300 mil vidas, presenciamos uma feroz ofensiva do capital contra o trabalho num ambiente de grave crise da ordem capitalista internacional. Esta crise econômica e geopolítica é caracterizada pelo declínio do poderio econômico dos EUA no mundo e a falência do modelo neoliberal. Em contrapartida, verifica-se a ascensão da China.
Esses fenômenos são provocados pelo desenvolvimento desigual das nações associado ao parasitismo que grassa na sociedade estadunidense. Uma sociedade habituada a viver muito além dos meios que produz, o que se traduz no déficit comercial e provocou a progressiva desindustrialização do país.
O avanço da China alterou a correlação de forças e o status quo da geopolítica global, evidenciando o esgotamento da ordem internacional acordada pelas potências capitalistas em Bretton Woods (1944) e alicerçada na hegemonia norte-americana. Em consequência, despertou-se um movimento de transição para uma nova ordem global, que tende a ser liderada pela China em aliança com a Rússia e outros países considerados emergentes.
A ascensão do gigante asiático suscita uma reação a cada dia mais agressiva dos líderes imperialistas em Washington, que ainda alimentam o sonho dourado de que o século 21 será mais um “século americano”. O governo Trump promoveu contra a China uma guerra comercial e tecnológica, fez crescer as tensões no Mar do Sul da China e na ilha chinesa de Taiwan.
A eleição de Joe Biden não mudou os humores no império. Conter a ascensão da China é o objetivo central da política externa dos EUA e uma guerra não convencional embasada pelas novas tecnologias da informação já está em curso no mundo e é interpretada por alguns analistas como uma nova guerra fria. Cabe também ressaltar que, dando continuidade ao governo do republicano, a gestão democrata formulou um ambicioso programa de reindustrialização do país, que preconiza uma forte e decisiva intervenção do Estado.
A hostilidade dos EUA já não tem o poder de mudar os rumos da história e o sentido da transição em curso. A economia chinesa continua crescendo de forma robusta. Em contraste, os EUA patinam sobre uma montanha de déficits e dívidas e a Europa mergulhou na estagnação, acelerando o deslocamento do poder econômico e geopolítico global do Ocidente para o Oriente. É uma marcha que aparentemente não pode mais ser interrompida ou revertida por meios pacíficos.
O que se vê hoje é o recrudescimento da corrida armamentista e o crescimento das tensões e conflitos internacionais. É de se temer que ocupantes da Casa Branca e do Pentágono decidam provocar conflitos mais sérios, abrindo caminho a uma guerra global para recompor a hegemonia imperialista.
O sucesso alcançado na contenção da pandemia do novo coronavírus em 2020 e a rápida recuperação da economia num cenário mundial desolador são novos fatos indicando a superioridade do sistema que os líderes comunistas de Pequim designam de socialismo com características chinesas sobre o capitalismo neoliberal do Ocidente.
Embora o avanço da China ocorra no interior da ordem mundial vigente, sob a égide da chamada globalização, ela é ao mesmo tempo a sua negação, na medida em que coloca em xeque a hegemonia dos EUA e o seu fracassado modelo econômico. A economia política chinesa, com forte protagonismo do Estado – dono dos bancos e setores estratégicos da produção -, diverge em sua essência e fundamentos do capitalismo neoliberal e converge em grande medida com as forças políticas que defendem projetos desenvolvimentistas soberanos opostos ao neoliberalismo.
A crise geopolítica tem e terá, cada vez mais, papel proeminente na história das nações e da civilização. O fator geopolítico foi determinante nos golpes de Estado e retrocessos verificados na América Latina no decorrer deste século, com notório protagonismo dos EUA e suas embaixadas.
Lembremos que, com Chávez na Venezuela, Lula no Brasil, Evo Morales na Bolívia, Correa no Equador, Lugo no Paraguai e outros governantes progressistas, lideranças políticas da América Latina e Caribe estavam desenhando um novo arranjo geopolítico numa região que os EUA consideram seu “quintal”.
Esta iniciativa ganhou força com a criação de instituições como Unasul e Celac, excluindo EUA e Canadá e escanteando a OEA. Entretanto, uma sucessão de golpes de Estado (2009 em Honduras, 2012 no Paraguai, 2016 no Brasil, 2019 na Bolívia) interrompeu e reverteu este processo. Na sequência ocorreu a dissolução da Unasul, o esvaziamento da Celac e a revitalização da OEA, que forneceu a senha para o golpe em La Paz. O que se viu na América Latina foram golpes contra a integração, a Unasul, a Celac e o Brics, com dramáticos efeitos para os povos da região.
Acontecimentos como as vitórias eleitorais das forças progressistas no México, Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela, Montevidéu, Chile e Peru, assim como a instituição do imposto sobre grandes fortunas na Argentina e também no Chile, sugerem que o retrocesso no continente é um processo que contraria profundamente os interesses das nações. A onda conservadora esbarra em forte resistência popular e tende a ser efêmera, por não estar em sintonia com a época. Novos ventos políticos estão renovando as esperanças progressistas em nosso continente. O neoliberalismo faz água por todos os lados.
A luta pela paz e contra o imperialismo ganha maior relevância e cobra urgência neste período de transição histórica, que pode demandar décadas antes de um desfecho. É preciso reforçar e ampliar os laços de solidariedade com Cuba frente à intensificação do criminoso bloqueio e conduzem uma guerra não convencional contra a ilha.
Cumpre defender os demais países da Alba e os governos progressistas da região, a integração solidária e soberana das nações latino-americanas, a paz global, o fortalecimento do Brics e uma nova ordem mundial sem hegemonismos, unilateralismos, intervencionismos e guerras, em que prevaleça o diálogo, o respeito à autodeterminação dos povos, o efetivo multilateralismo e o direito internacional na solução de eventuais conflitos entre as nações. É também necessário denunciar as provocações do governo Bolsonaro contra a Venezuela.
A crise da ordem capitalista prevalecente no mundo é ao mesmo tempo uma crise do capitalismo em sua última versão, neoliberal. Está associada ao desenvolvimento das novas tecnologias e, com elas, da produtividade social do trabalho, que aumenta a composição orgânica dos investimentos capitalistas e tende a reduzir as taxas de lucros. O aumento da composição orgânica do capital, conceito desenvolvido por Karl Marx, significa o crescimento dos investimentos em máquinas, equipamentos e meios de produção em geral como proporção do capital total investido em detrimento dos investimentos em força de trabalho. Verifica-se, por consequência, a progressiva substituição de trabalho vivo por trabalho morto no processo de produção, ou do ser humano por máquinas, o que hoje em dia se traduz na automação e robotização que avançam sobre diferentes setores e ramos de atividades dizimando postos de trabalho e desafiando a classe trabalhadora e o movimento sindical.
O Capital reage à crise intensificando a exploração da força de trabalho e desencadeando em todo o mundo uma brutal ofensiva contra o Direito do Trabalho. Apropria-se das novas tecnologias para avançar neste sentido, impondo a crescente uberização, aliada à automação, robotização, terceirização e outras formas de precarização das relações trabalhistas e substituição do trabalho vivo por trabalho morto.
O desemprego em massa debilita a classe e facilita o retrocesso. Em nosso país, a reforma trabalhista do governo golpista de Michel Temer, com trabalho intermitente, prevalência do negociado sobre o legislado e incentivo à negociação individual em oposição à coletiva, foi um passo grande neste sentido, ao lado da terceirização irrestrita e do enfraquecimento dos sindicatos. A carteira verde e amarelo proposta por Bolsonaro, insinuada agora nos jabutis instalados na MP 1045, seria a coroação deste processo perverso de degradação do trabalho assalariado.
Não há perspectiva de solução para a crise que é global (econômica, geopolítica, sanitária e ambiental) nos marcos do sistema capitalista e imperialista. Nosso compromisso é com a resistência e a luta enérgica contra o retrocesso. Talvez mais do que em qualquer outra época histórica a humanidade se defronta com o dilema entre a barbárie capitalista e o socialismo.
Nosso desafio é conscientizar a classe trabalhadora sobre as mazelas deste sistema enfermo e apontar a necessidade histórica de sua superação e construção de um novo sistema social, socialista, voltado para a satisfação das necessidades e interesses do povo, o respeito ao meio ambiente e a paz mundial.
Fonte: CTB