O boletim observatório covid-19 da Fiocruz, divulgado no último dia 12 de novembro, chama a atenção para o quadro recente da pandemia na Europa e na Ásia Central, que vem registrando aumento de casos confirmados e de óbitos. Para falar sobre a covid-19 e a nova variante ômicron, o Brasil de Fato entrevistou o médico infectologista, Dr. Keny Colares que falou sobre a possível nova onda da pandemia, sua nova variante e como está o processo de vacinação em nosso estado.
Brasil de Fato: O Brasil corre risco de nova onda de covid assim como na Europa com essa nova variante?
Keny Colares: Mesmo antes do surgimento dessa variante já existia uma grande preocupação entre nós, ao olharmos o que está acontecendo, especialmente na Europa e no hemisfério norte como um todo. Ou seja, mesmo depois de julho, com o avanço da vacinação – e eles estão, digamos, mais avançados do que nós – a gente observou epidemias na Inglaterra, nos Estados Unidos, Israel entre outros, ou seja, a gente foi tendo epidemias em locais com nível de vacinação bem maior do que o nosso. Agora mais recentemente, Holanda e Alemanha chamando mais atenção. Então, mesmo antes dessa variante chegar já existia uma preocupação, que a gente sabe que uma das coisas que afeta e agrava essa problemática e que contribui com a distribuição das doenças é o aspecto climático.
Realmente, no período do segundo semestre, essas doenças costumam se concentrar mais no hemisfério norte, as doenças respiratórias virais. E no primeiro semestre do ano costuma se concentrar mais ao sul, e mesmo estando numa situação boa, boa no sentido de um momento mais flexível do vírus e da pandemia aqui no Brasil, já estávamos olhando para o Hemisfério Norte preocupados com o que vai acontecer quando estivermos em janeiro ou fevereiro.
Com a chegada dessa nova variante claro que se reforça essa preocupação, e aí deu muito mais visibilidade porque a população, a sociedade como um todo estava meio anestesiado, só as pessoas da área da saúde estavam preocupadas. E a variante, de alguma forma, por bem ou por mal, alertou a todo mundo de que a pandemia está em movimento, está em ação, e que não acabou. Qual o papel que ela vai ter? Para nós ainda não está completamente claro.
O que faz a variante Ômicron ser tão preocupante?
Nós conhecemos a variante há pouquíssimo tempo, seus dados ainda são muito recentes, o que não tem nos dado muitas informações sobre ela. A primeira coisa que chamou muita atenção é a quantidade de mutações ou de mudanças que tinham no código genético dela, muito maior do que todas as outras.
A característica de um organismo é dada muito pelo que tem no seu código genético, é como se fosse uma nova instrução de como montar aquele organismo. Então muda o manual de instruções. O que vai ser montado vai ser diferente. Nem sempre significa que vai ser pior, melhor ou enfim, mas chama muita atenção. Do ponto de vista prático o que já se observou foi uma evolução muito rápida e um domínio muito rápido das infecções na região da África do Sul e em Botsuana, onde ela foi detectada. Ela rapidamente apareceu e se tornou praticamente cem por cento dos vírus detectados, isso geralmente significa que o vírus compete com os outros vírus com maior sucesso e consegue dominar.
Isso mostra uma capacidade de transmissão maior, o fato de ter se espalhado já para outros continentes em tão pouco tempo é um sinal de alerta. Ainda assim temos muitas outras dúvidas: vai causar a doença de forma mais grave? As características serão diferentes? As vacinas terão 100% de eficácia contra essa nova variante? São as perguntas que estão no ar e que já estão sendo respondidas de forma lenta.
Então esse momento é mais de conhecer essa nova variante?
O momento para os cientistas e estudiosos é de tentar rapidamente buscar mais informações sobre essa variante. Do ponto de vista da sociedade, é acordar de uma situação que estava de flexibilização das medidas, aquela sensação de que a pandemia estava acabando. Precisamos voltar a fortalecer o comprimento das medidas de segurança que vinham sendo enfraquecidas.
Recentemente, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), anunciou a suspensão da tradicional festa de Réveillon, e também de festas carnavalescas para 2022. Gostaria que você comentasse sobre essa postura e as consequências dessas ações para a saúde da população.
Essa foi uma postura muito corajosa do governador. Ele não está isolado nisso, outros gestores tem tido funcionamento firme nesse sentido. É preciso uma certa coragem. Você acreditar na ciência de que, apesar do ser humano ter uma certa dificuldade de acreditar quando às vezes parece que está tudo bem e ele não está sentindo nada, mas tem um problema muito grande à vista. Muitas vezes existe uma vontade de querer escapar, de negar, de não olhar para aquele perigo eminente, mas aí o preço vem depois, começam a surgir críticas ao gestor quando começarem a surgir problemas decorrentes de tal postura, por exemplo, se faltar oxigênio para as pessoas hospitalizadas.
Então eu acho que na responsabilidade dele ele foi muito corajoso e muito responsável. Claro que a gente torce para que não aconteça nada em janeiro e fevereiro, mas eu concordo que o risco é grande e a hora de cuidar é agora, não depois quando já tiver acontecido.
Quais os cuidados que devemos ter?
Na verdade, não existe nenhum cuidado novo, nem relação a variante delta que está fazendo toda essa epidemia no hemisfério norte, nem essa variante Ômicron que vem surgindo e ganhando força agora. Até que se prove o contrário, o uso da máscara continua sendo eficiente para barrar o contágio, a ventilação do ambiente e o distanciamento social mínimo. O que estava acontecendo é que estava todo mundo descuidando dessas medidas, e precisamos voltar a nos policiar quanto a isso.
Para além disso já existem vacinas que combatem o vírus, o que deve ser feito agora é estender de forma mais acelerada a campanha de vacinação para jovens. Existem países vacinando crianças, enquanto no nosso país vamos enfrentar resistência de pessoas que não vão querer vacinar suas crianças, e nosso dever é fazer esse debate, da importância de vacinar as crianças.
Então precisamos novamente fazer esse enfrentamento. Estamos diante de ameaças e é mais fácil das pessoas buscarem se prevenir, tomando essa terceira dose e reforçando o esquema vacinal, porque sabemos que a vacina é eficaz, porém, sua proteção é parcial, ou seja, a pessoa mesmo vacinada pode ter a doença e mais raramente pode até ter de forma grave. Mas, um fato é que realmente a proteção da vacina tende a cair com o passar do tempo, especialmente a partir de cinco ou seis meses, sendo necessário a realização de um ciclo vacinal constante.
Você falou um pouco sobre as pessoas já vacinadas e como elas ainda podem contrair o vírus. Então qual atenção essas pessoas ainda precisam ter, visto que a vacina não imuniza de forma integral a população?
Como a gente sabe, a vacina dá uma proteção parcial, em torno de 90%, e durante o passar do tempo essa porcentagem tende a cair. Essas pessoas precisam ficar mais tranquilas porque estão vacinadas, mas devem continuar utilizando as medidas de proteção em respeito a saúde dela e a saúde dos outros ao seu redor. O mais provável de acontecer, como já tem acontecido, é as pessoas se reinfectarem com a variante Delta, em muitos casos sem sintomas ou com sintomas leves e não procuram atendimento e acabam saindo por aí espalhando o vírus na sociedade até encontrar alguém com sistema imunológico mais vulnerável ou alguém que não vacinou e transmitir para ela e causar mais óbitos.
Nos países do Hemisfério Norte, tem se percebido que a curva de casos aumentou de uma forma explosiva, entretanto, a curva de óbitos ela aumentou de uma forma mais suave, mostrando que a vacina está protegendo contra as grandes complicações. Cerca de 90% de quem está se internando e morrendo nesses países em decorrência do vírus são pessoas que não se vacinaram. Por isso é preciso ter em mente que a vacina é eficaz, que a vacina protege, mas, ainda assim, que é necessário o uso de máscara, e continuar seguindo as demais medidas de segurança.
Sobre as vacinas, como você avalia o andamento da vacinação em nosso estado?
Acredito que estamos em um bom andamento, embora exista a preocupação com alguns municípios do Ceará que estão um pouco atrasados. A Secretaria de Saúde do Estado (SESA) tem buscado saber o motivo desse ritmo lento, assim como o que tem gerado essa lentidão na distribuição e aplicação das vacinas. De forma geral, vejo que estamos bem nesse processo de campanha, dentro do nosso contexto que foi uma chegada tardia das vacinas, que foi um problema no início da campanha, onde passamos por um momento de escassez, e em decorrência disso houveram outros problemas de atraso e distribuição dos imunizantes.
Recentemente tivemos uma manifestação de pessoas contra a apresentação obrigatória do passaporte vacinal, que passou a ser exigido pelo governo do estado em todos os espaços e eventos em geral, sejam eles públicos ou privados. Como você avalia a ação dessas pessoas?
Precisamos primeiro fazer o esforço de entender o que se passa nesse contexto. Nunca tivemos essa tradição aqui no Brasil de movimentos antivacinas. Então é uma novidade pra nós e provavelmente isso tem uma conexão muito grande com a questão social e política que o país está vivendo. É perceptível que muitas pessoas se colocam contra essa ação e contra até mesmo a vacinação por uma questão de fake news, disseminada constantemente pela ultradireita. Então aparece mais como uma questão ideológica do que de própria decisão individual do cidadão.
A gente não pode bater nas pessoas, nem as vacinar a força, mas podemos dizer, “olha, aqui você não pode entrar”, é uma forma civilizada de você dizer para as pessoas que para participar das sociedades de uma forma plena, você tem de cumprir suas obrigações como outras obrigações que nós cumprimos.
Brasil de Fato: Na questão anterior você citou as fake news. Ainda existem muitas notícias falsas? Tanto sobre variantes, mas também sobre as vacinas?
É curioso que nesse momento que a gente vive tem sido marcado também por essas notícias falsas e pela sua segmentação. Muitas vezes a gente não tem acesso a todas as notícias que estão sendo entregues para um público específico, e aí surgem essas notícias falsas, que acabam se disseminando dentro de uma bolha até conseguir furar ela e sair para outros públicos. E aqui está uma grande discussão, como regular esse sistema de informação de uma forma justa? Que não vá contra a liberdade de expressão, que é um dilema atual. Como podemos colocar ordem no meio virtual para minimizar ou acabar de vez com a propagação de informações falsas, sobretudo em relação ao vírus e a vacina? São questões que ganharam forças nesse período e que vem se tornando uma infodemia.
Em quais situações devemos procurar uma unidade de saúde para realizar a testagem da covid-19?
Essa pergunta é uma pergunta não tão simples. Essa doença, que gera alguns sintomas já conhecidos por também serem causados por outras doenças, sintomas como febre, moleza no corpo, dor de cabeça, dor no corpo, dor nas articulações, além de sintomas respiratórios, nariz entupido, dor de garganta, tosse, falta de ar, que já é um sinal um pouco mais grave. Então, geralmente essa doença acaba que sendo confundida com outras por terem sintomas bem semelhantes. Mas é importante que nesse período de pandemia todo e qualquer sintoma que seja sentido as pessoas busquem um atendimento médico, que façam a testagem, se isolem, pois estamos vivendo no momento com um vírus de fácil transmissão e que pode estar em qualquer lugar. Então por mais que sejam sintomas leves, é interessante que a pessoa busque se isolar e fazer o teste o mais rápido possível, garantindo sua segurança e a segurança do ciclo social dela.
Mesmo com sintomas leves você também pode ser um transmissor?
Sim, mesmo com sintomas leves e até assintomáticos a pessoa tem capacidade de transmitir o vírus para outras pessoas. A covid-19 já costuma ser assintomática ou com sintomas bem leves, e agora, com avanço da vacinação a tendência é que você tenha uma proporção maior de pessoas, ainda que mesmo contaminadas, não sentirão os sintomas, e isso faz com que saia por aí como se estivesse saudável quando na verdade está contagiado.
O momento então é de ficar atento a todos os sinais possíveis de sintomas do vírus, é isso?
Exato. Ficar atento a todos os sinais e qualquer coisa procurar atendimento e medidas de segurança o mais rápido possível. Nossa capacidade de testagem já aumentou muito, isso facilita o mapeamento de pessoas contaminadas e, consequentemente, o tratamento dela, e impede de que a mesma transmita o vírus para outras pessoas.
Fonte: Brasil de Fato.