São desalentadores os números que mostram aumento do trabalho infantil no Brasil durante a pandemia. Segundo pesquisa da Fundação Abrinq, no último trimestre de 2021 havia 2,36 milhões de adolescentes de 14 a 17 anos trabalhando ou procurando emprego, e 1,2 milhão estavam em desacordo com a legislação, numa situação considerada trabalho infantil. Como mostrou O GLOBO, o estudo contou 317.385 jovens a mais nessas condições em relação ao mesmo período de 2020.
Pela legislação brasileira, adolescentes só podem trabalhar a partir dos 16 anos, mesmo assim com restrições. Entre 14 e 15 anos, podem exercer apenas atividades como aprendizes. Entre a lei e a realidade, existe um abismo que abarca crianças enfrentando o trabalho duro no campo, vendendo doces em sinais de trânsito, lavando carros, trabalhando como ajudantes em vans e assim por diante. Não poderiam e não deveriam estar ali. A pandemia e todas as crises a ela associadas ampliaram o desemprego e a miséria, sem dúvida empurrando crianças e adolescentes para as ruas. As escolas fechadas por quase dois anos agravaram o problema. A situação ruim ficou ainda pior.
Os números são mais preocupantes quando se constata que 640.720 adolescentes de 14 a 17 anos estão em ocupações que integram o tenebroso rol das piores formas de trabalho infantil, reunindo atividades que trazem riscos à saúde, ao desenvolvimento e à segurança de crianças e adolescentes. É o caso de serviço doméstico, construção civil, agropecuária, silvicultura, direção de tratores e máquinas agrícolas, tecelagem e exploração florestal.
Os dados da pesquisa foram coletados de acordo com os critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para identificar crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Representam apenas parte da tragédia, já que o levantamento não considera o contingente de crianças e adolescentes que trabalham para o tráfico de drogas e outras organizações criminosas. Não inclui também os menores vítimas de exploração sexual, outra aberração que avilta o país.
O Brasil deveria se envergonhar dos números. O governo não pode ficar inerte diante da calamidade. Programas de renda mínima existem — ou deveriam existir — para amparar as famílias mais necessitadas e, como contrapartida, manter as crianças na escola. Infelizmente, o mais abrangente, o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, está mais voltado para atender ao projeto eleitoral do presidente Jair Bolsonaro que aos brasileiros carentes.
Estados e prefeituras também têm responsabilidade, pois deveriam desenvolver políticas públicas para tirar meninos e meninas da rua e levá-los para a sala de aula. Além de ser desumano permitir que crianças trabalhem em ocupações precárias, isso perpetua a pobreza e a miséria. As crianças deveriam estar na escola, buscando um caminho para sair de onde estão.
Fonte: Editorial O Globo