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Imbrochável? ‘Discurso hipersexualizado de Bolsonaro é típico da masculinidade frágil’, diz psicanalista

“Imbrochável, imbrochável, imbrochável, imbrochável, imbrochável.”

Em discurso na Esplanada dos Ministérios durante a celebração do 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) repetiu cinco vezes o termo “imbrochável”, palavra que não está no dicionário, mas indicaria suposta potência sexual inabalável.

Não é a primeira vez.

“Tenho certeza, eu sou ‘imbrochável’, não vou sair de combate”, disse, em maio de 2018, o então pré-candidato em discurso na Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern).

Em setembro de 2019, já presidente, Bolsonaro surpreendeu simpatizantes na entrada do Palácio da Alvorada com o termo: “Eu sou imbrochável”, disse, simplesmente.

Corta para fevereiro de 2020. “Não estou preocupado com reeleição”, falou Bolsonaro. “Não vou brochar para atender vocês (jornalistas) pensando em reeleição. Eu sou imbrochável.”

Agosto de 2020: “Com todo respeito, na política, eu sou imbrochável”.

Em maio de 2021, ele foi além: “Fique tranquilo. Já falei que sou imorrível, imbrochável e também sou incomível”.

Em 31 de agosto de 2021, na saída do palácio, Bolsonaro mostrou uma medalha prateada para as câmeras. Junto à sua foto, lia-se a frase: “Clube Bolsonaro – Imorrível, imbrochável e incomível”.

“Minha mulher não pode ver isso, não. Essa medalha não é qualquer um que tem, não, pô”, afirmou.

Mas por que o presidente da República que mais apostou na retórica religiosa e conservadora desde a redemocratização brasileira insiste tanto em se promover sexualmente?

‘Hipocrisia à brasileira’

O psicanalista Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e vencedor do prêmio Jabuti de 2021, tem suas interpretações.

“Uma característica inovadora do discurso do presidente é que ele usa alternadamente uma retórica do respeito à família, à moral e aos bons costumes, e uma retórica libidinal, do palavreado chulo, da linguagem privada em espaço público.”

Dunker diz que Bolsonaro inova ao trazer à política “uma característica curiosa da cultura brasileira: essa dupla moral, essa hipocrisia assumida publicamente”.

Um ditado conhecido pela maioria dos brasileiros ilustra a duplicidade citada pelo professor: “Aos amigos, tudo. Aos inimigos, nada”.

Para o psicanalista, Bolsonaro apostaria em um estilo de autoridade que tem apelo para essa “hipocrisia brasileira, sobrepondo o que é público e o que é privado”.

‘Controle da sexualidade’

O professor da USP também reflete sobre uma característica que ele aponta como comum entre “regimes ultraconservadores”: a tentativa de controlar a sexualidade das pessoas.

“A sexualidade, para as pessoas, é algo tido como dificilmente controlável. Algo que você não comanda, principalmente no campo da imaginação, do desejo sonhado, da fantasia.”

“A ‘brochada'” continua o professor, “é um desses elementos não controláveis da nossa sexualidade. Algo que o homem não domina”.

Dunker cita o psicanalista austríaco Wilhelm Reich (1897-1957).

“Para ele, os fascismos dos anos 1930 tinham a ver com a repressão sexual das pessoas. Ele pensava no operário que tinha uma vida sexual muito pouco rica, restrita por pressões e impedimentos, e dizia: ‘Essa é a presa fácil do fascista’. Ele vai receber várias mensagens políticas dizendo que essa pobreza erótica é a condição normal. E que você deve transferir a sua libido, a sua potência desejante, para aquele que vai dar proteção.”

No caso: o Estado, o líder da nação, a religião, o Exército.

Dunker cita outra postura recorrente de Bolsonaro: as falas pejorativas e ataques contra homossexuais, transexuais, e mulheres.

Em julho deste ano, em evento evangélico no Maranhão, Bolsonaro defendeu que “o Joãozinho seja o Joãozinho a vida toda”, que “a Mariazinha seja a Mariazinha a vida toda”.

Também disse que família é composta por “homem, mulher e prole”.

“A ideia de atacar, controlar e destruir sexualidades não hegemônicas, divergentes, é também uma maneira de reassegurar para as pessoas o controle daquilo que elas não conseguem controlar. É uma maneira de dizer assim: ‘Vamos oferecer uma pacificação subjetiva para vocês. Controlar as vozes de outras orientações, outros gêneros e outras possibilidades sexuais. Votem em mim para a gente resolver o problema desde fora, não de dentro'”, explica o professor.

‘Masculinidade frágil’

Dunker também aponta pontos “bem pouco originais” na narrativa de Bolsonaro.

“Há essa percepção social de que os homens brancos poderosos estão perdendo o seu lugar, que seu lugar esta ameaçado”, diz.

“Essa disponibilidade pemanente do ‘imbrochável’, esse falicismo exagerado, é um discurso de quem se sente ameaçado pelas mudanças na cultura e nos laços sociais. A reação de Bolsonaro é típica da masculinidade frágil: ele se sente atacado e responde com excesso, exagero.”

“Isso traz um efeito que vem de brinde que é comico”, diz o professor. “Algumas pessoas de fato acreditam, mas a maior parte tem uma relação de riso com essa frase (‘sou imbrochável’). E esse riso é muito importante porque é um tipo de prazer, de satisfação.”

“O que Bolsonaro está oferecendo é um espetáculo de fazer a pessoa sentir o prazer do ‘poder ser macho de novo’. O discurso dele vende que ele vai entregar aquilo que os torna grandiosamente masculinos de novo. E que a ordem vai voltar.”

– Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62795997

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