Tornar as pessoas dependentes de você pode parecer uma ideia inteligente, mas cria problemas para si mesmo, seus chefes e colegas
Por: Miranda Green
O que muita gente não daria para ter a confiança inabalável de um Harrison Ford? Questionado sobre o futuro dos filmes de Indiana Jones, talvez com outro artista no papel-título, o galã grisalho reagiu mal: “Você não entendeu? Eu sou Indiana Jones. Quando eu for embora, ele também vai. É simples”.
A frase oferece uma boa mistura de ameaça e zombaria –é bem Indy, na verdade. Mas, assim como é uma péssima ideia para os mortais comuns tentar fazer em casa as peripécias do herói das telas, também não devemos adotar no trabalho a posição do astro de “depois de mim, acabou”.
Tornar-se, ou considerar-se, indispensável é uma armadilha terrível.
A internet está cheia de conselhos sobre como ser “a pessoa sem a qual ninguém pode viver!” Um exemplo apareceu na minha caixa de entrada no mesmo dia em que eu estava rindo da entrevista com Harrison Ford. Como muitas coisas do gênero guru profissional, ela promovia uma estratégia para lidar com a insegurança, tanto emocional quanto econômica –afinal, há muito das duas por aí.
O exemplo chave dizia respeito a uma pessoa conservar seu emprego quando o resto do departamento foi demitido. Bem, nenhum de nós quer ser demitido, então vamos lidar com o lado positivo primeiro.
A maior parte dos textos sobre ser indispensável tende a repetir algumas joias: seja voluntário para tudo, limpe as bagunças que horrorizam seus colegas e torne-se “o cara” –ou “a garota”– que resolve os problemas para seu chefe.
Claro, não são péssimas ideias. Se você está tentando ser notado, assumir tarefas difíceis é um bom plano. Se você resolve problemas, é útil para tudo, e já que eles lhe pagam, isso é relevante (com sorte também pode ser recompensador).
Mas também existem algumas desvantagens sérias –até mesmo o potencial de um desastre total envolvendo esgotamento para você mesmo e ressentimento de colegas e chefes, pois eles percebem que foram manipulados para ficarem dependentes.
A menos que seja seu início de carreira, há uma terrível possibilidade de que você esteja dificultando o desenvolvimento ou a mudança de seu papel: algumas dessas listas e postagens em blogs poderiam ser mais honestas com o título “Cinco, seis ou até 17 maneiras de ficar preso num emprego que você já superou”. (Sim, encontrei uma lista de 17 –e se você chegar ao final dela sem perceber que está parecendo um pouco carente, está em pior forma do que eu.)
“Talvez seja uma coisa um pouco autodestrutiva de fazer”, adverte Monique Valcour, coach executiva que reconhece a aflição: ela já viu casos em que os chefes sabotam a capacidade de alguém seguir em frente ou sair de uma organização quando a pessoa se torna útil demais. Então, se você se emociona ao ouvir seu diretor dizer que você não pode ser dispensado para tentar algo novo, é definitivamente um sinal de perigo.
Que tal ser conhecido como um resolvedor de problemas? Sim, pode ser genuinamente satisfatório e promover a lealdade. Mas “as pessoas podem ficar presas em atividades de pequena escala e menos valiosas”, diz Valcour, “e você precisa ser capaz de sair do zoom e ter um foco estratégico”.
As empresas de serviços profissionais são notórias por contratar um tipo de personalidade apelidado de Realizadores Ansiosos. Mas Valcour vê muitos trabalhadores de colarinho branco, mesmo em níveis muito altos, caírem na armadilha psicológica de tentar se tornar indispensáveis por outros motivos. “Talvez sejam do tipo de pessoa que precisa ter o controle, então começa a se encarregar de alguns trabalhos de seu gerente, que então se torna dependente”, diz ela.
Se você está ocupado demais fazendo malabarismos com as tarefas para as quais se ofereceu, como pode decidir o que realmente quer? Como você pode delegar ou fazer uma pausa se não permitiu que seus colegas entendessem seu trabalho e o ajudassem? Um aviso de Valcour: “Agora você é uma daquelas pessoas com um fone de ouvido na espreguiçadeira que continua falando com o escritório”. Parabéns!
Quanto aos líderes que querem ser tão indispensáveis que não delegam a outros que são capazes de assumir –eles não podem ser considerados um sucesso, mesmo quando saem cantarolando: “Vocês vão sentir minha falta quando eu for embora”. E o sucesso em qualquer empreendimento normal deve depender de uma só pessoa? Parece mais uma falha de gestão.
Como um velho gorila de costas prateadas, Ford estava ansioso para se livrar de jovens pretendentes, e sua batida no peito deu certo –Chris Pratt, que foi mencionado para o papel, diz que agora está com muito medo. Um novo filme de Indiana Jones em produção ainda tem o astro no papel principal –nada de papéis secundários charmosos para Ford.
Mas você e eu precisamos abandonar o chicote e o chapéu. Não somos Indy e não somos indispensáveis. Nem deveríamos querer isso, pois poderia nos impedir de ter nossas próprias aventuras.
Fonte: Folha de São Paulo; Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves