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Consciência Negra e os impactos do racismo no setor bancário

Confira na reportagem uma entrevista exclusiva com a Presidente do setorial nacional de mulheres do Psol e ativista do movimento negro

O dia 20 de novembro representa a luta e resistência da população negra brasileira. Dados apontam que é nessa data que Zumbi, Líder do Quilombo dos Palmares – considerado o maior da américa latina – foi morto em combate e fuga pelos portugueses escravocratas. Tendo em vista que o racismo do Brasil tem aspectos estruturais e institucionais, é necessário dialogar sobre esse tema no setor bancário.

Desde a década passada, a Febraban divulga o Censo da Diversidade e, infelizmente, os dados refletem a desigualdade e a discriminação da população negra nos bancos. Segundo os dados, os negros correspondem a apenas 24% da categoria, enquanto os brancos são 71%. Desse total, somente 3,4% estão na categoria ‘pretos’. O sistema financeiro também é desigual quando se trata da remuneração. Os negros têm rendimento médio correspondente a 87% do rendimento médio dos brancos. E as mulheres negras sofrem ainda mais discriminação: seu rendimento médio corresponde a apenas 68% do salário dos homens brancos.

Leonardo Viana, Presidente do SEEB/VCR,  alega que: “Com os dados divulgados, é notório que o setor bancário tem uma conduta de invisibilização da mão de obra dos negros, pois sua contratação ainda é muito pequena e, normalmente, para cargos de início de carreira, limitando sua oportunidades de ascensão. Os bancos ainda utilizam da lógica racista de que a imagem do negro não é “vendável”. Por isso, a importância da luta pela quebra dos preconceitos e estigmas da imagem da população negra.”

Para a diretora de Raça e Etnia, Camille Correia, o Censo da Diversidade mostra o racismo estrutural da sociedade: “Precisamos intensificar a discussão étnica e racial junto aos bancários e bancárias, tanto pra fins de empoderamento das minorias representativas quanto para reconhecer nosso papel dentro da estrutura social, que na maior parte das vezes, perpetua as desigualdades sociais.”

Em 2019 a FEBRABAN começou a terceira edição do Censo da Diversidade, mas até o momento, não foi divulgado.

Para abordar o racismo na atual conjuntura, entrevistamos a ativista do Coletivo feminista Obá Elékó com vertente interseccional e Presidente do setorial nacional de mulheres do Psol, Keu Souza. Confira:

SEEB/VCR: Quando nós pegamos os últimos dados do setor da diversidade dos bancários, é possível observar que apenas 3% dos bancários do brasil são ‘pretos’, e desse número, apenas 1% são composto por mulheres. Tendo em vista que a população negra é a maioria do Brasil, do ponto de vista social, como podemos interpretar esses números relacionado ao racismo estrutural de nossa sociedade?

Keu: “A representatividade é realmente muito pequena por conta de toda a formação da sociedade que temos, que é pautada em um processo colonizador e escravizador, colocando os negros em uma condição sub-humana. A nossa luta social é constante, porque o processo da falsa abolição – e digo falsa abolição pois não foi promovido uma reparação social – é uma luta de todos e a pauta antirracista é uma pauta de negros e não negros. Imaginar que somos 54% da população brasileira e o índice de representatividade nas instituições no serviço bancário e, em tantas outras, é tão pequena, mostra que a gente precisa muito avançar e quilombolizar as forças com a consciência de classe.

O brasil tem o racismo em sua estrutura e a perspectiva da sociedade em qual vivemos se alimenta da desigualdades. Os segmentos que são lidos como minoria, com certeza, não vão ter as mesmas condições de acessar os mesmos espaços, seja da educação, seja de uma moradia digna, seja de uma saúde de qualidade e tantos outros princípios que deveriam ser básicos. Isso mostra que a desigualdades dos nossos país não permite que nós, negros e negras, alcancemos esse princípio e, por isso, a nossa representatividade é tão pequena.”

SEEB/VCR: Além disso, o sistema financeiro também é desigual quando se trata  da remuneração. Segundo os dados do senso da diversidade, os negros têm rendimento médio correspondente a 87% do rendimento médio dos brancos. E as mulheres negras sofrem ainda mais discriminação: seu rendimento médio corresponde a apenas 68% do salário dos homens brancos. Como você, atuante do coletivo de mulheres negras, observa esses dados?

Keu: “Existe uma pirâmide de vulnerabilidade social e temos uma hierarquia em que os homens brancos ocupam o topo dessa pirâmide. Depois dos homens brancos, as mulheres brancas, depois os homens negros, e no chão da pirâmide, as mulheres negras. É uma desigualdade que não se expressa só na raça, mas em gênero também. As vezes, nós mulheres, temos mais qualificações que os homens, mas como vivemos em uma sociedade misógina, machista e patriarcal, a  representatividade fica muito pequena dentro desses espaços e faz com a mulher não tenha o reconhecimento e a valorização devida de seu trabalho. Estar no chão dessa pirâmide não é fácil para nós negras, mas temos que estar em uma luta constante. Parafraseando Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.”

Por isso, a nossa luta é constante na perspectiva de descolonizar os corações e mentes para que todos possam compreender como se deu o recorte da nossa sociedade. O quanto de violência que foi atravessando o povo preto e o quanto que nós, pretas e pretos, contribuímos para a formação dessa sociedade, com muita ancestralidade e resistência… É isso que até hoje nos mantém de pé. Como uma militante orgânica do movimento de mulheres negras, eu observo esse dados com tristeza, mas com força para lutar, afinal, o movimento negro é marcado de resistência e o movimento das mulheres também.

Falar sobre o feminismo negro é de extrema importância, pois ele vem para trazer um debate que é muito necessário na democracia. Nós mulheres somos 52% da população brasileira, então não tem como discutir a democracia sem a participação das mulheres. Nós somos diversas e, por isso, a gente precisa pautar essa luta. Se afirmar em uma sociedade que é pautada no racismo, no machismo, que se alimenta das desigualdades, e se colocar como um corpo de luta, resistência, e inconformado com essa estrutura, mostra que é necessário passar por um processo revolucionário, que eu tenho certeza que é preta e feminista, ou não será. Vejo esses dados com muita tristeza, mas na luta para mudar e enegrecer mais todos os ambientes.”

Dia da Consciência Negra

O Dia da Consciência Negra é comemorado no Brasil no dia 20 de novembro e em 1.260 cidades foram aprovadas leis decretando feriado nesta data que lembra a morte de Zumbi dos Palmares, escravo que virou símbolo da luta do povo negro contra a escravidão ao liderar o Quilombo dos Palmares, em Pernambuco.

Zumbi morreu enquanto defendia a sua comunidade e lutava pelos direitos do seu povo. O dia 20 de Novembro foi incluído em 2003 no calendário escolar nacional. Mas, somente em 2011, a então presidenta Dilma Rousseff (PT) sancionou a Lei 12.519 que instituiu oficialmente a data como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

Cada estado ou cidade brasileira tem de aprovar uma lei regulamentando o feriado cujo objetivo é fazer uma reflexão sobre a luta do povo negro.

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