Por Aldo Arantes*
A vitória do povo brasileiro, com a eleição do Presidente Lula, foi uma vitória contra o neofascismo e a retomada do caminho civilizatório.
Foi um resultado excepcional levando em conta o fato de que há quatro anos Lula estava preso e o neofascista Bolsonaro, eleito.
Na campanha de 2022 a extrema direita ameaçou com golpe, praticou violências, fez ameaças e praticou crimes contra eleitores de Lula. Se utilizou do dinheiro público para comprar votos, empresários ameaçaram trabalhadores, religiosos se utilizaram da fé para manipular consciências, militares respaldaram as denúncias infundadas de que os resultados eleitorais foram forjados. Foi assim, uma vitória marcante que inaugura uma nova etapa da vida do povo brasileiro.
Todavia a pequena diferença de votos entre os dois candidatos e a eleição de uma grande bancada de extrema-direita no parlamento, deixaram claro que deveremos lidar com a ação radical destes segmentos no parlamento, nas ruas e nas redes sociais.
Os atos terroristas de 8 de janeiro vieram confirmar a avaliação de que a derrota de Bolsonaro não significou a derrota do bolsonarismo e das ideias de extrema direita.
A grande questão que se coloca é saber porque milhões de pessoas que votaram em Lula passaram a votar em Bolsonaro em 2018. Como após tudo que ele fez, conseguiu obter quase a metade dos votos dos brasileiros em 2022. E qual o caminho para atrair estes setores de volta ao campo democrático e progressista.
A Guerra Cultural da extrema direita foi de fundamental importância para a conquista das mentes de milhões e a consequente vitória eleitoral de Bolsonaro. E ela garantiu a continuidade do apoio de milhões de brasileiros ao governo neofascista.
A Guerra Cultural difunde ideias neoliberais e neofascistas de ódio, violência, destruição do inimigo, negação da história, da ciência e o combate ao comunismo.
Com muito dinheiro, se apropriando das redes sociais, dos algoritmos e manipulando os fatos com a criação de uma realidade paralela através das fake news e do lawfare (uso do direito como arma política), a extrema-direita obteve vitórias eleitorais em vários países do mundo.
Recentemente li alguns livros que aprofundam a análise das consequências das redes sociais e dos algoritmos na captura e transformação das mentes das pessoas, com graves consequências para a democracia.
No livro “A Era do Capitalismo e Vigilância” – Shoshana Zuboff afirma que “Nesse modelo de relações sociais, a modificação comportamental opera logo além do limiar da consciência humana para induzir, recompensar, incitar, punir e reforçar um comportamento consistente com as ‘políticas corretas’. Logo o Facebook aprende que pode prever e mudar o dial da sociedade quanto a padrões de votação, estados emocionais ou qualquer outra coisa que quiser”.
Já no livro “Algoritimos de Destruição em Massa – como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia”, Cathy O’Neil cita que o Facebook estava estudando como os diferentes tipos de postagem influenciavam o comportamento de voto das pessoas, afirmando que ““Em horas, o Facebook podia colher informações de dezenas de milhões de pessoas ou mais, medindo o impacto de suas palavras e links compartilhados tinham umas nas outras. E poderia usar esse conhecimento para influenciar as ações dessas pessoas, o que neste caso era o voto”.
E que “estados emocionais podem ser transferidos para outros” e “os algoritmos do Facebook podem afetar como milhões de pessoas sentem, e essas pessoas não saberão que isso está acontecendo. O que ocorreria se jogassem com as emoções das pessoas no dia das eleições?”.
Ambas autoras mostram que estas técnicas são desenvolvidas não só pelo Facebook, mas também pelo Google, Microsoft, Apple e outras empresas digitais.
Tais métodos elevaram a eficácia da Guerra Cultural a patamares jamais pensados. A modificação de pessoas por este método diabólico é o que permitiu que milhões de pessoas fossem ganhas pelo bolsonarismo.
No Brasil, a Guerra Cultural contou com a assessoria de Steve Banon e o papel destacado de Olavo de Carvalho na articulação do que o professor João Cezar de Castro Rocha chama “midiosfera bolsonarista” – ampla rede de plataformas defendendo as ideias neoliberais, pregando a negação da ciência, da história, propagando o ódio, a violência e centrando seus ataques à esquerda com a simulada defesa da luta contra a corrupção. Com isto a extrema direita conseguiu incutir a falsa ideia de corrupção dos governos de esquerda, estimulando o voto antipetista.
Tal voto foi facilitado pela falta de ênfase na educação política, na politização da sociedade, levando a que milhões de pessoas não percebessem a relação entre a melhoria de suas condições de vida e as políticas públicas adotadas pelos governos de esquerda.
A extrema direita adotou o lema do fascismo brasileiro, o integralismo – Deus, Pátria e Família. Com isto conseguiu forjar uma hegemonia das ideias reacionárias e de extrema direita junto a milhões de pessoas, entre quais evangélicos e católicos pentecostais, militares, empresários e segmentos empobrecidos da população.
Obtida a vitória eleitoral nos deparamos com uma situação, nunca vivida pelo povo brasileiro: uma extrema direita organizada, com força política e com suas ideias tendo atingido milhões de pessoas.
Assim teremos que realizar um esforço para debilitar sua força política e ideológica. Acho que esta é uma tarefa fundamental do governo, dos partidos políticos e dos movimentos sociais.
Temos que reconhecer que os setores democráticos e de esquerda perderam assustadoramente na luta ideológica. Temos que retomar a inciativa para reconstruir a hegemonia do pensamento democrático e progressista na sociedade lançando mão da uma luta ideológica democrática, utilizando técnicas modernas.
A luta ideológica democrática se volta para despertar a consciência crítica das pessoas, com base nos fatos e não na mentira, nas fake news.
Esta dimensão da luta é essencial para atrair milhões para o lado da democracia e dos direitos assim, consolidando o Estado democrático de direito e impedindo novos retrocessos. .
Para isto torna-se necessário construir uma base tecnológica que nos permita romper com a dependência das Big Techs. Com este objetivo foi entregue ao Presidente Lula um Programa de Emergência para a soberania digital assinado por inúmeras personalidades ligadas às universidades e especialistas da área.
Por outro lado, é fundamental a regulamentação das redes sociais. A utilização massiva de fake news foi decisiva na mobilização para os atos terroristas de 8 de janeiro.
Os estudos sobre as graves consequências dos algoritmos para o agravamento das desigualdades sociais e fragilização da democracia exigem a realização de auditorias dos algoritmos. Tal medida tem sido sugerida por especialistas na área.
Medida importante será a criação, pelo governo federal, de um programa transversal de luta ideológica incorporando, principalmente, as áreas da comunicação, educação e cultura.
Estímulo aos partidos e movimentos sociais para criação de plataformas visando a luta de ideias.
A realidade veio alertar aos partidos políticos e movimentos sociais para a importância fundamental da luta de ideias. Torna-se necessário uma ação enérgica e rápida que permita às forças democráticas e progressistas superarem o atraso nesta área.