Por Luciana Bessa*.
Exaltei, em textos anteriores, minha dileção pelo mês de janeiro, porque ele nos
permite guardar o passado, viver o presente e aspirar o futuro.
Fevereiro traz consigo a festa da carne – carnaval – me presenteando com um
feriadão em que posso ficar livre de certas obrigações e atada em mim mesma.
O poetinha, Vinícius de Moraes, chega trazendo “as águas de março fechando o
verão (…)” e abrindo os microfones das rádios, ampliando a produção de podcast,
de noticiários e programas de TV sobre a mulher.
É que no dia 08 de março comemora-se o Dia Internacional da Mulher. A
celebração é uma só, já as versões para a existência dessa data, oficializada pela
Organização das Nações Unidas, na década de 1970, são distintas.
Na primeira versão, no ano de 1857, em Nova York, 129 mulheres, na luta por
melhores condições trabalhistas, morreram em um incêndio provocado pelos
patrões da fábrica em que elas trabalhavam. Na segunda, em 1911, também em
Nova York, na Triangle Shirtwaist Company, outro incêndio vitimou 146 pessoas,
das quais 125 eram mulheres e 21 homens.
Mudam-se os tempos, às vezes, apodrecem os sujeitos. O fato é que em pleno
ano de 2023, as mulheres continuam morrendo vítimas das mais diferentes
barbaridades, dentre elas, o feminicídio, crime de ódio baseado no gênero. Ou
seja, ser do sexo feminino significou (e ainda significa) sinônimo de violência,
opressão, silenciamento e exclusão nas mais distintas áreas: política, social,
econômica e literária.
A maranhense Maria Firmina dos Reis e sua obra Úrsula (1859), por exemplo, foi
excluída do cânone literário por ser mulher e negra. A carioca Júlia Lopes de
Almeida, autora de A Falência (1901) e uma das idealizadoras da Academia
Brasileira de Letras (ABL), foi excluída da instituição também pelo simples fato de
ser do sexo feminino. Seu marido, o poeta português, Filinto de Almeida, que
também compunha o grupo de idealizadores, tornou-se um de seus fundadores.
Essa mácula não é a única da casa fundada por Machado de Assis, um escritor
negro, mas embranquecido pela sociedade. No ano de 1930, Amélia Freitas
Beviláqua, esposa de Clóvis Beviláqua, também teve sua inscrição negada na
ABL, quando resolveu concorrer a vaga que pertencia a Alfredo Pujol. A negativa
de Amélia e Júlia foram a mesma: o estatuto da agremiação só permitia que
“brasileiros” pertencessem ao seu quadro. Some-se a tais nomes o de Dinah
Silveira de Queiroz. Mas, diferentemente das outras duas, Dinah, conseguiu ser a
segunda mulher a ingressar na instituição, no ano de 1981, em sucessão a
Pontes Miranda. A primeira foi sua prima, a cearense, Rachel de Queiroz, em
1977.
Em 2018, outra mulher – Conceição Evaristo – foi excluída da ABL pela ousadia de
acreditar que o fato de não integrar “o clube de amigos” e dispensar a bajulação
habitual aos já imortais descrita por Jorge Amado na obra Farda, Fardão e
Camisola de Dormir (1987), a faria ser escolhida pelos seus dotes literários.
É preciso lembrar aos que se esqueceram, ensinar aos que não sabem, que o dia
8 de março, não é um momento para se “ganhar parabéns por ser mulher”, mas
uma data de visibilidade no calendário dos movimentos feministas e
progressistas. É uma data de resistência contra a exclusão, opressão e a
violência. É um “não” ao machismo, aos salários desiguais, ao assédio. É um grito
por direitos ainda não conquistados. É um basta aos estereótipos construídos em
torno de cada uma de nós.
Para dar mais visibilidade às mulheres, mais meses de março. Mais políticas
públicas. Mais espaços nas instituições públicas e privadas. Mais empatia. Mais
sororidade.
*Luciana Bessa é idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler.
Publicado originalmente no Vermelho.