Bolsonaristas apostam na narrativa do estado de exceção
Quando a turba bolsonarista destruiu o Supremo Tribunal Federal, a Câmara dos Deputados, o Senado e o Palácio do Planalto, alimentada pela estratégia golpista do ex-presidente da República, havia duas alternativas.
Ou as autoridades não fariam nada, omitindo-se criminosamente, como aconteceu nas depredações de 12 de dezembro, data da diplomação de Lula, ou tomariam as providências para identificar, prender e processar os envolvidos.
A prisão em massa gera problemas logísticos: são centenas de depoimentos, de autos de apreensão e de levantamentos periciais. Mas a máquina se movimenta. Dez dias depois, tinham sido realizadas, por magistrados, 1.459 audiências de custódia. Desde então, centenas de presos deixaram a Papuda, em regime de liberdade provisória, adotadas medidas restritivas como a tornozeleira eletrônica.
Bolsonaro e seguidores radicais apostam na narrativa do estado de exceção. É a continuidade lógica do discurso que se apropriava (indebitamente) de valores como liberdade de expressão, legalidade, para atacar viés autoritário do Supremo e do TSE –tribunais que, em vários momentos, resistiram a seus devaneios fascistas.
Nos EUA, Bolsonaro defende os presos, manda sinais de solidariedade: são “chefes de família, senhoras, mães, avós” e com eles não foi encontrado nem mesmo um “canivete”. Parlamentar aliado fala em “pessoas de bem”.
Jornalista antigo e proeminente trata os bolsonaristas despirocados de 8 de janeiro como “cidadãos”, não como delinquentes, e assevera, com cinismo, que nunca houve na história da república o “massacre da legalidade que está sendo cometido contra os acusados”.
No Brasil de hoje, sob a mão de ferro de Alexandre de Moraes, não tem DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), não tem tortura, não tem desaparecido político, tem a garantia constitucional do habeas corpus, mas o jornalista reclama: nem as “ditaduras mais abjetas do mundo fazem coisas parecidas”.
Há queixas em relação à prisão. E elas procedem.
O próprio Supremo já declarou (sem maiores consequências práticas, é verdade) que vigora no sistema penitenciário brasileiro um “estado de coisas inconstitucional”, algo que, aparentemente, se perpetuará.
A Papuda está superlotada, a coabitação é insuportável. O banho é gelado. A alimentação é ruim.
Mas a marmita dos presos de 8 de janeiro não é pior do que a marmita dos presos pobres e pretos. A falta de assistência jurídica, monitorada pelo sempre zeloso Ministério Público do Distrito Federal, não difere da realidade imposta a milhares de detentos espalhados pelo país: “grande parte” não tem advogado constituído ou “recebeu atendimento apenas em alguma fase da apuração”.
A tentativa de golpe, além das dificuldades processuais resultantes da prisão em massa, põe em pauta outra questão institucional relevante: a competência para o julgamento dos oficiais militares envolvidos.
A Justiça Militar é corporativa e tende a ser condescendente ao cuidar de altas patentes. Serve para questões criminais de natureza estritamente militar ou em caso de guerra. Crimes contra a democracia e crimes praticados contra civis são graves e deveriam ser apurados pela justiça comum.
O desafio é a punição criminal do ex-presidente Jair Bolsonaro e do balaio golpista que o cerca. Por aquilo que fizeram, não por aquilo que pensam.
Bolsonaro perdeu por pouco. A democracia venceu, mas foi por um triz. Se o Brasil vacilar, aquilo volta.
Fonte: Folha de São Paulo