“O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”. É este o trecho da fala de Lula que vem gerando histeria no sionismo e em seus satélite de direita e extrema-direita.
A carta do antissemitismo, principal arma retórica contra os que se opõem ao genocídio em Gaza, foi, obviamente, usada contra o mandatário, junto a sucessivas acusações de “banalização do Holocausto”.
Mas onde Lula cita o Holocausto em seu discurso? Em nenhum momento. Como bem observou Valter Pomar, a decisão de matar judeus foi um ponto de partida do nazismo, sendo a “Solução Final” e o Holocausto o seu ponto de chegada. Lula não falou deste ponto.
Os nazistas falavam em “vírus judaico-bolchevique” para justificar a aniquilação de judeus. A condição étnico-religiosa era ladeada à orientação política e ideológica, somada ao fato de alguns líderes da Revolução de 1917 terem origem judaica, como Trotsky. Isolados, judeus e comunistas já integravam os alvos preferenciais do nazismo. A sobreposição dessas características conferia, no olhar dos nazistas, uma legitimidade ainda maior para assassiná-los.
O nazismo, vindo da tradição colonial, abusou do acúmulo de experiências como a da Índia britânica e da conquista do oeste nos EUA, com a dizimação, deportação e prisão de povos nativo-americanos. O traço mais evidente deste acúmulo é a desumanização: se judeus, comunistas, negros, indígenas, ciganos, eslavos, homossexuais, não eram seres humanos, mas ratos ou baratas, não havia obstáculos morais para que os nazistas os matassem. Esta é a lógica do mundo colonial.
Assim, quando Hitler decidiu matar judeus, partiu da premissa de que não eram seres humanos. O sionismo emula o nazismo ao desumanizar o povo palestino: Yoav Gallant, ministro da Defesa de Tel Aviv, justificou o cerco a Gaza dizendo que Israel estaria “lutando contra animais”. Uma vez que não são gente, está autorizado bombardear hospitais, escolas, matar crianças e impedir o fornecimento de águas, gás, combustíveis e alimentos à região palestina. Não foi Lula, mas a insuspeita Hannah Arendt que concluiu que o sionismo “não é mais que a aceitação acrítica do nacionalismo de inspiração alemã”.
Não é coincidência que o embargo econômico e o controle de entrada de bens de primeira necessidade, matando o povo local por inanição, também façam parte das ações de Israel contra o povo palestino. Assim foi feito com o Haiti após a revolução que deu fim à escravidão entre os séculos XVIII e XIX. Assim foi feito com o Iraque na década de 90, com centenas de milhares de crianças mortas em razão das sanções. Assim foi feito com a China e a Rússia revolucionárias. Assim é feito com Cuba.
Israel transformou Gaza em gueto, controlando todas as suas saídas e entradas. Uma prisão a céu aberto onde os bombardeios já mataram 30 mil pessoas, a maioria mulheres, adolescentes e crianças. Desde sempre Israel repele a reivindicação legítima dos palestinos de retornarem à terra da qual foram expulsos violentamente após 1948, incentivando, ao mesmo tempo, que judeus de todo o planeta migrem para lá e expandam a colonização para os territórios que os palestinos ocupam hoje.
O nome disso é limpeza étnica, afirma o filósofo italiano Domenico Losurdo. A decisão de desumanizar e assassinar palestinos se assemelha sim à decisão de desumanizar e assassinar judeus pelo nazismo. A base moral é a mesma. E os judeus, enquanto nação, não têm qualquer responsabilidade disso. O estado sionista de Israel e quem o apoia sim.
Lula está mais do que certo.
Fonte: Carta Capital
Autor: Gustavo Freire Barbosa – Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”