DIA DE BRANCO
Por Carlos Nascimento*
E nesse dia dezenove lembramos desse povo gentil, dedicado e ordeiro. Responsável pela grandeza dessa nação. Razão pela qual se faz necessário que este manifesto seja escrito numa língua estranha às nossas nativas. Meio pelo qual, como minoria que é, possa compreender o que queremos dizer. Assim é em um Estado de Direito.
Gente que a mais de cinco séculos por aqui chegou para nos iluminar. Nos mostrar que um homem branco, esquálido, de uma terra distante onde nunca chove era sim o Deus único e verdadeiro, salvador dessas terras perdidas d’além-mar. E, de uma forma simples e delicada, nos fazer entender o quanto rude era nosso politeísmo que até então relacionava divindades ao sol, a lua, aos rios, aos ventos. Quanta tolice, quanta tolice.
Receptivos, ganhamos nomes cristãos e nos ajoelhamos para receber as bençãos desse Deus branco, que não entendemos bem o que veio aqui fazer. Como é bom aprendermos sempre com os mais humildes e leves e alma. E estamos sempre aprendendo.
Dessa gente que nos deu lugar na história, pequeno, é claro, aos que sobreviveram, é claro, às suas invasões, escravizações e massacres, além das gripes e de outros males com os quais até hoje pelejamos para superar. Mas superação é assim mesmo, um esforço diário, que premia os mais fortes, ou os que melhor se adaptarem às mudanças.
Além da fé, agora temos o valoroso “pudor”, que nos impõe roupas que encobrem as “vergonhas” que antes sequer sabíamos de deveriam ser escondidas, como se não fizessem parte de nossos corpos nus.
Com o tempo, e o reconhecimento de nossas igualdades, migramos para um lugar de convívio e respeito mútuo com essa boa gente, na beira das estradas, vendendo adereços, nas calçadas das cidades, na prostituição forçada, nas favelas. Agora vivemos felizes, mortos, vez ou outra, por posseiros ou pelo
mercúrio que nos toma o sangue. Coisas pequenas, mas que nos fazem ocupar, com alguma frequência, os noticiários da Globo ou de outros grandes jornais, até que, por óbvio, o Flamengo faça um gol e roube a importância de nossas vidas nas manchetes principais.
Mas é isso aí, resiliência é a ordem do momento e o que realmente importa é o quanto ainda temos a ensinar e essas pobres almas, que, em sua ingênua complexidade, são incapazes de elaborar a grandeza das simplicidades.
A vocês, povos não originários, nossas mais sinceras homenagens. Que possamos evoluir juntos para um mundo melhor, menos branco, mais humano.
* Carlos Nascimento é mestre em Ciências da Comunicação, bancário da CEF/Candeias e delegado sindical, Carlos Nascimento.