Softwares de acompanhamento de tarefas, como os usados pelo Itaú para monitoramento da produtividade no trabalho, podem ser aplicados livremente pelas empresas, desde que os funcionários sejam avisados com antecedência e clareza, segundo especialistas.
“O monitoramento deve ser feito respeitando o direito à privacidade e intimidade do trabalhador. Tudo aquilo que for do trabalho, desde que previamente cientificado de forma bastante clara e transparente, pode ser monitorado”, diz Carla Felgueiras, sócia do escritório Montenegro Castelo Advogados Associados.
Nesta segunda-feira (8), o Itaú Unibanco demitiu, segundo sindicato, cerca de mil funcionários de diversos setores sob a justificativa de incompatibilidades entre a marcação de ponto e a atividade registrada nas plataformas de trabalho durante o home office.
“Em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco. Essas decisões fazem parte de um processo de gestão responsável e têm como objetivo preservar nossa cultura e a relação de confiança que construímos com clientes, colaboradores e a sociedade”, completou o banco.
O MONITORAMENTO É PERMITIDO?
Sim. Segundo Luís Gustavo Nicoli, advogado trabalhista e sócio do Nicoli Sociedade de Advogados, é possível monitorar o desempenho de colaboradores, mas essa prática precisa respeitar os princípios de finalidade, necessidade, proporcionalidade e transparência da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
“A empresa deve comunicar previamente o colaborador e jamais acessar conteúdos pessoais ou invadir a privacidade”, diz Nicoli.
Ele afirma que a fiscalização digital não pode ultrapassar os limites da dignidade e da legalidade. “Monitorar o tempo de uso de aplicativos ou acesso a sistemas pode ser legítimo. Já gravar telas ou ativar câmeras sem consentimento expresso, não.”
QUE INFORMAÇÕES EMPRESAS DEVEM FORNECER AOS FUNCIONÁRIOS SOBRE O MONITORAMENTO?
A advogada Carla Felgueiras afirma que a comunicação deve ser feita de forma ativa, clara, transparente, por escrito, detalhando o que será monitorado, qual aplicativo será utilizado e quais informações serão coletadas.
A EMPRESA PODE MONITORAR EQUIPAMENTOS PESSOAIS?
Felgueiras afirma que, por regra, o monitoramento deve ocorrer apenas no ambiente corporativo, tanto nos equipamentos fornecidos pela empresa quanto nos aplicativos disponibilizados por ela.
“Existem as exceções em que, em alguns casos, o empregado opta por utilizar o próprio equipamento, mas seria uma opção própria do empregado, e a autorização tem que ser prévia, explícita e detalhada para que aquilo seja monitorado”, diz a advogada.
NA PRÁTICA, O QUE PODE SER MONITORADO?
A especialista diz que, se a empresa fornece o equipamento de trabalho e conta com o prévio aviso de que ele está sendo monitorado, em tese, todo o conteúdo desse equipamento pode ser verificado por ser uma ferramenta de trabalho. “O que você não pode ter acesso são às informações pessoais ou da vida privada de alguém. Isso só com prévio consentimento”, diz Carla.
A EMPRESA PODE MONITORAR MINHAS REDES PESSOAIS?
Segundo a advogada, conteúdos de cunho pessoal não podem ser monitorados pela empresa, pois isso configuraria violação da privacidade e da intimidade do trabalhador.
“Portanto, sem a ciência e concordância expressa do empregado, a empresa não pode monitorar conversas ou informações pessoais, ainda que acessadas em equipamento corporativo”, diz.
O FUNCIONÁRIO PODE PEDIR ACESSO AOS RELATÓRIOS DE PRODUTIVIDADE?
Sim. Segundo a advogada, por se tratar de informações ligadas à vida profissional do empregado, ele deve ter acesso a esses dados —especialmente quando forem obtidos por meio de aplicativo, em razão da LGPD.
O RESULTADO DO MONITORAMENTO PODE SER USADO COMO JUSTIFICAVA PARA PUNIÇÕES E DEMISSÃO?
Bruno Minoru Okajima, sócio especialista em direito do trabalho do Autuori Burmann Sociedade de Advogados, diz que o monitoramento pode embasar medidas disciplinares, inclusive a dispensa, desde que respeitados os limites legais e que o empregado tenha ciência prévia sobre a ferramenta utilizada, a sua finalidade e os critérios de avaliação.
O sócio especialista em direito processual e material do trabalho do Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, Marcel Zangiácomo, destaca, no entanto, que ele não pode ser o único critério absoluto, pois é necessário considerar também entregas, metas e qualidade do trabalho.
O QUE O FUNCIONÁRIO PODE FAZER SE NÃO FOI INFORMADO SOBRE O MONITORAMENTO?
Zangiácomo diz que, nesse caso, há uma violação ao dever de transparência previsto na LGPD e na própria boa-fé contratual. Assim, o trabalhador pode questionar a empresa formalmente, solicitar esclarecimentos e, em caso de prejuízo, levar a questão ao sindicato ou à Justiça do Trabalho.
E SE HOUVE ERRO NO MONITORAMENTO?
Para casos de erro, Bruno Okajima diz que a empresa deve manter canais para revisão e contestação, a fim de dar segurança ao processo. “Quando há um equívoco técnico, cabe ao empregado apresentar registros (entregas, relatórios, e-mails) e à empresa verificar de forma imparcial, corrigindo eventuais inconsistências”, explica o advogado.
Zangiácomo adiciona que o erro também deve ser comunicado por escrito ao gestor ou RH, apresentando provas, como prints de tela, registros de entrega, ou até mesmo relatos de instabilidade de internet ou de sistemas.
A EMPRESA PRECISA ADVERTIR ANTES DE DEMITIR POR BAIXO DESEMPENHO?
Embora a lei permita a dispensa sem necessidade de justificativa, Bruno Okajima diz que a boa prática empresarial sugere que a empresa registre advertências, avaliações e feedbacks. “Esse histórico demonstra a boa-fé do empregador e reduz riscos de futuras discussões judiciais”, diz o advogado.
A EMPRESA DEVE NEGOCIAR COM O SINDICATO ANTES DE DEMISSÕES EM MASSA?
Os especialistas dizem que, em linhas gerais, desde a decisão do STF (Tema 638), quando há uma dispensa coletiva, entende-se que deve haver comunicação prévia com o sindicato.
“Não se trata de pedir autorização ou de obrigação de firmar acordo coletivo, mas de abrir um diálogo institucional para mitigar eventuais impactos sociais”, afirma o Okajima.
POSSO QUESTIONAR ESSE TIPO DE DEMISSÃO NA JUSTIÇA TRABALHISTA?
Sim. Segundo Marcel Zangiácomo, os tribunais têm entendido que o monitoramento pode ser usado como indício de baixo desempenho, mas não como prova absoluta. Com isso, a jurisprudência exige que a empresa demonstre critérios objetivos, feedbacks prévios e oportunidade de melhora. Se isso não acontecer, há o risco de a dispensa ser considerada arbitrária ou abusiva.
A EMPRESA PODE TER QUE APRESENTAR OS DADOS DE MONITORAMENTO EM AÇÕES JUDICIAIS?
Sim. A empresa pode ser intimada, de acordo com Zangiácomo, a apresentar relatórios de monitoramento, sob pena de inversão do ônus da prova. Isso significa que, se não apresentar os dados, o juiz pode presumir verdadeiros os fatos alegados pelo trabalhador.
Além disso, o especialista destaca que a própria LGPD garante ao empregado o direito de acesso às informações pessoais coletadas pela empresa, o que reforça a obrigação de transparência.
OMO AS EMPRESAS E TRABALHADORES DEVEM AGIR PARA EVITAR CONFLITOS?
Segundo Luís Gustavo Nicoli, cabe à empresa estabelecer metas claras, manter uma comunicação ativa, respeitar os períodos de desconexão e oferecer a estrutura mínima necessária para o trabalho remoto.
Já o trabalhador deve cumprir horários e metas, manter uma comunicação transparente e agir com disciplina e foco nas entregas.
MONITORAMENTO EXCESSIVO PODE SER CONSIDERADO ASSÉDIO MORAL?
Sim. Nicoli diz que quando o monitoramento ultrapassa os limites da razoabilidade e da legalidade, tornando-se invasivo, constante e constrangedor, pode ser caracterizado como assédio moral digital.
Entre os exemplos, o especialista destaca a vigilância constante por câmera ou gravação de tela sem necessidade real, relatórios públicos comparando o desempenho de colaboradores de forma vexatória e controle abusivo de tempo ocioso, pausas fisiológicas ou contatos pessoais urgentes.
O QUE ACONTECE SE FOR COMPROVADO QUE A DEMISSÃO ACONTECEU COM BASE EM DADOS INCORRETOS? A EMPRESA PODE SER CONDENADA À REINTEGRAÇÃO OU APENAS À INDENIZAÇÃO?
A regra geral é a indenização, não a reintegração, especialmente na iniciativa privada, diz Nicoli. No entanto, dependendo do caso, se a demissão se basear exclusivamente em dados manipulados, falsos ou obtidos ilegalmente, o trabalhador poderá pedir indenização por danos morais e materiais.
O especialista diz que a reintegração ocorre apenas em situações excepcionais, como gestantes, acidentados com estabilidade ou casos previstos em cláusulas contratuais ou coletivas de estabilidade.
NOVAS LEIS DEVEM SER CRIADAS?
Luís Nicoli avalia que a legislação atual ainda é genérica e insuficiente para os desafios do mundo digital. Para ele, embora a CLT e a LGPD tragam diretrizes relevantes, faltam normas específicas que abordem: critérios legais de monitoramento no ambiente doméstico, direito à desconexão digital, regras para uso de inteligência artificial na gestão de pessoas e limites objetivos entre controle e invasão de privacidade.
Fonte: Folha de SP.