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A cada 100 mortos pela Polícia da Bahia, 98 são negros, afirma relatório

Na Bahia, de 616 pessoas mortas em decorrência de intervenção de agentes do Estado em 2021, 603 eram negras (528 pardas e 75 pretas). O número representa 97,9% dos casos, quando descartados os casos em que a raça da vítima não é informada.

Trata-se do maior percentual entre os sete estados monitorados pela Rede de Observatórios de Segurança, de acordo com o boletim Pele alvo: a cor que a polícia apaga, publicado pela organização nesta quinta-feira (17).

Bruno Paes Manso, pesquisador da Rede e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e um dos responsáveis pelo estudo, afirma que a Bahia é “uma novidade que vem se consolidando há alguns anos” em relação ao aumento da letalidade policial, “porque é um estado governado por partidos considerados progressistas há praticamente 16 anos”. Ainda assim, o estado se tornou junto com o Rio de Janeiro os mais violentos, sendo a maioria das vítimas negra.

O quadro “mostra mais uma reprodução desse processo de extermínio, que imagina que a eliminação traz algum tipo de ordem, o que vem há décadas produzindo tragédias no Brasil. E a Bahia entra nessa espiral de forma consistente nos últimos anos, apesar de ser governada por partidos progressistas, o que mostra como propostas civilizatórias de segurança pública também não fazem parte da discussão da esquerda”.

O pesquisador considera que é difícil elencar os motivos que levaram a Bahia a esse cenário, mas aponta para os conflitos internos entre pequenas facções e o aumento do tráfico de drogas decorrente de uma “profissionalização” do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior organização criminosa do Brasil que, direta ou indiretamente, dita padrões para outros grupos.

“Os grupos são ligados aos territórios onde existes conflitos e a polícia não soube administrar. Isso é a única coisa que dá para afirmar: para lidar com esse crescimento e com essa transformação do crime, a polícia baiana de fato decidiu declarar guerra, mas que só tem promovido uma auto destruição, uma solução quase suicida”, afirma Paes Manso. “O problema está em vários estados, só que a polícia da Bahia está agindo desproporcionalmente, de forma violenta, achando que vai resolver o problema, mas o problema só cresce.”

Nesse cenário, a estrutura racista da polícia, cuja letalidade acomete majoritariamente a população negra, é voz ativa. Em Salvador, capital da Bahia, de 299 mortos, apenas uma não era negra. No estado inteiro, uma pessoa negra é morta pela polícia a cada 24h.

A Rede conclui, em seu relatório, que a “ação policial é a face mais visível e palpável do racismo”. “Esses policiais saem às ruas instruídos a buscar elementos suspeitos, focalizando bairros negros e jovens negros, em geral com o álibi de apreender drogas. São nessas operações que ocorrem a maioria das mortes provocadas por essas corporações”, destaca o relatório.

Em Salvador, os bairros onde a letalidade policial é mais expressiva são Castelo Branco, Iapi, Fazenda Grande Do Retiro, São Marco, Valeria, Alto Do Cabrito, São Cristóvão, Sete De Abril, Mata Escura e Santa Cruz.

A estratégia de segurança pública levou a Bahia a ter o maior percentual com 98%, ainda que o Rio de Janeiro tenha o maior número absoluto, com 1.060 vítimas.

Rio de Janeiro 

Em números absolutos, a polícia fluminense foi a que mais matou gente entre os sete estados monitorados pela Rede, ainda que fique atrás dos estados do Nordeste em relação à proporção de brasileiros negros mortos. Ainda assim, a polícia do Rio de Janeiro mata uma pessoa negra a cada 9 horas.

Quando o assunto é chacina, o que significa três vítimas ou mais na mesma ocorrência, Rio de Janeiro lidera. Foram 57 registros, nos quais de 155 vítimas, 138 eram negras. No geral, foram 1.214 mortos em 2021, sendo 1.060 negros, o que representa 87,3% do total. Os quatro municípios mais violentos são Rio de Janeiro (458), São Gonçalo (209), Duque de Caxias (114) e Belford Roxo (81).

Paes Manso explica que Rio de Janeiro é “diferente” dos outros estados, porque as forças de segurança atuam com estratégias de operação de guerra nas comunidades. “Ao contrário dos outros estados, onde o patrulhamento da polícia no geral está mais ligado a prisões em flagrantes ou mesmo revistas em determinadas circunstâncias, um tipo de patrulhamento mais preventivo, o Rio de Janeiro é o único estado em que a Polícia Militar opera com estratégias de operação de guerra”, afirma.

“É um tipo de patrulhamento e policiamento ineficaz e violento que há muitos anos a polícia continua insistindo em fazer e só produz morte. E não é à toa que quem morre são os negros, porque são os lugares que têm pessoas mais pobres e de alguma forma a população tolera, como se isso não fosse um problema.”

A pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 11 de novembro deste ano, mostrou que a proporção de pessoas pobres no país era de 18,6% entre os brancos, em 2021, mas praticamente o dobro entre os pretos (34,5%) e pardos (38,4%).

Entre os que vivem em habitações próprias, 20,8% das pessoas pardas e 19,7% das pessoas pretas não têm documentação da propriedade. Entre os brancos, o índice é de apenas 10,1%.

Outros dados 

No total, as polícias dos sete estados monitorados pela Rede (Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo) mataram em 2021 3.290 pessoas, das quais 2.154 eram negras. Isso significa 86% das vítimas e pelo menos cinco pessoas negras mortas todos os dias.

Está de fora do dado que faz o recorde de raça, no entanto, as informações referentes ao Maranhão. O estado vive um apagão de dados ao omitir a raça das vítimas. A Rede de Observatórios conseguiu apenas a quantidade de pessoas mortas pelas polícias e os bairros e os municípios com maiores índices de letalidade. No total, foram 87 assassinatos. A maior parte ocorreu na capital, em São Luís (10), seguido por Timon (7) e Turilândia (5).

Caso parecido é o do Ceará, onde o poder público não identificou a cor da vítima da violência policial em 69% dos casos. Ainda assim, dos 31% restantes, 92% dos mortos eram negros. O município em que a polícia mais mata negros, Caucaia, também foi considerada a mais violenta do Brasil no ano passado, segundo o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) com dados de 2020.

Em Pernambuco, 96,3% dos mortos pela Polícia Militar do estado são negros, o que significa 101 vítimas. É o segundo maior percentual entre os sete estados monitorados pela Rede.O município pernambucano com o maior índice é Recife, onde 100% dos mortos pela polícia eram negros, seguido por Cabo de Santo Agostinho, Paulista, Caruaru e Ipojuca.

No Piauí, das 32 pessoas mortas por agentes de segurança pública em 2021, 24 eram negras, o que representa 75%. A incidência dos casos é maior em Teresina 18 mortes. Segundo a Rede de Observatórios, isso ocorre porque é na capital em que está o maior contingente policial. De seis mil agentes, dois mil trabalham em Teresina. Também é lá onde estão os grupos policias com maior letalidade, como o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e a Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (ROCAM).

Uso de câmera nos uniformes deve ser replicado em outros estados 

O estado de São Paulo é o único que a Rede de Observatórios viu diminuição da letalidade policial nos últimos meses. A organização considera que a redução se deve, parcialmente, ao programa Olho Vivo, implantado pelo então governador João Doria (PSDB), que instalou câmeras nos uniformes dos agentes.

Bruno Paes Manso considera que a política tem produzido resultados importantes e, por isso, deve ser implementada em outros estados. “É algo que torna a atividade policial mais transparente, e o policial fica constrangido. É como se tivesse que prestar contas de todas as regras exigidas, algo que não existia. Costumava ser feito uma corregedoria forte para investigar e punir aqueles que cometessem excesso depois que o crime foi praticado. Isso nunca deu muito resultado porque a investigação era arquivada, os depoimentos eram forjados e nunca produzia resultados.”

O programa Olho Vivo foi implementado em 1º de agosto de 2020. Desde então, a letalidade da polícia paulista caiu 72%, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) estadual.

No primeiro trimestre de 2020, quando ainda não existiam as câmeras corporais, a PM de São Paulo matou 435 pessoas. No mesmo período, neste ano, foram 123 mortes. Hoje, 19 batalhões da PM usam as câmeras.

O pesquisador considera que a política deve ser adotada paralelamente a uma política de segurança pública mais abrangente para reduzir as taxas de homicídios. Em suas palavras, “as taxas elevadas de homicídio significam um frágil controle sobre a atividade policial e uma fragilidade dos comandos. Então um comando que percebe a relevância disso para lidar com a questão do crime é fundamental. Esse é o primeiro ponto”.

Manso sugere que também deva existir uma corregedoria forte – responsável pela investigação de crimes e infrações administrativas praticadas por policiais – e uma ouvidoria participativa – cuja função envolve receber reclamações de qualquer do povo contra abusos de autoridades e agentes e promover as ações necessárias a apuração da veracidade das reclamações e denúncias, de acordo com o Decreto 39.900, que criou a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo.

Devem ainda ser implementadas outras técnicas, como GPS nas viaturas e acompanhamento dos batalhões que mais matam, com o objetivo de identificar e solucionar os problemas.

Em São Paulo, no total, foram 480 mortos, das quais 330 eram negros. Isso significa que a despeito das reduções, ainda assim o percentual de negros mortos pela polícia segue o mesmo, cerca de 69%. Isso significa uma morte de uma pessoa negra a cada dois dias.

As piores regiões do estado são a capital, São Paulo, que concentra 209 dos assassinatos, seguida por Guarulhos (37), Guarujá (20) e Osasco (17). Dentro do município de São Paulo, os piores locais são Jardim São Luís, Guaianases, Capão Redondo, Iguatemi, Sacomã e Vila Andrade.

Fonte: Brasil de Fato.

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