Quando Roma era a capital do mundo e a corrupção era galopante, houve a difusão de um ditado, vigoroso a ponto de chegar aos nossos dias: Impunitas semper ad deteriora invitat, a impunidade convida sempre a coisas piores. No Brasil, potentes e poderosos, acostumados com a impunidade e fautores da corrupção, buscam coisas piores.
Em curso estaria um “acordão” a fim de estancar a Lava Jato, a principal operação de contraste à corrupção na vida empresarial, institucional e política partidária brasileira. O tal “acordão”, como se diz no mundo do Direito, teria efeito ex-nunc (desde agora) e não ex-tunc (desde então). Ou melhor, não se mexeria com processos criminais consolidados, apenas se impediriam os ainda não iniciados ou os indefinidos. Do céu, o sempre ingênuo Garrincha repete a Feola, “acertaram com os soviéticos?”
Alguns sinais do tal “acordão” podem ser sentidos. Está em curso mudança legislativa a impedir colaboração com a Justiça por quem estiver preso, quer por condenação definitiva, quer por prisão cautelar. A respeito, sem nenhuma preocupação em mostrar o Brasil como o único no mundo civilizado. Mais ainda, pressão vem sendo feita junto ao Supremo Tribunal Federal para mudar a orientação jurisprudencial e voltar a impedir a execução provisória de sentença condenatória confirmada em tribunais de segundo grau de jurisdição.
Outras e salutares vias legais não são cogitadas, ou seja, mudança processual e de organização judiciária de maneira a reduzir instâncias e dar ao processo duração razoável. E de se implantar um sistema de julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição, a conferir maior probabilidade de acerto às decisões. Desse comentado “acordão”, os partidos políticos assumiriam o compromisso de garantir a par condictio nas disputas eleitorais. Um eufemismo para o adeus ao caixa 2 e aos desvios criminosos de verbas públicas feitos em conluio com empreiteiras e outros aproveitadores.
Como contrapartida, os partidos receberiam o perdão de multas elevadas e se manteriam ativos, sem risco de declaração de extinção na Justiça eleitoral. Aliás, algo contrário deu-se na célebre Operação Mãos Limpas, que gerou a extinção dos partidos políticos envolvidos na “roubalheira” e a criação de novas legendas. Quanto às empreiteiras coautoras de ilícitos de lesa-pátria brasileira, seria garantida maior abrangência aos acordos de leniência, a não deixar nenhuma de fora. Seriam exigidas somente substituições de dirigentes. Lógico, para inglês ver.
Alguma coisa irreal, igual ao que se passa com Romero Jucá, que continua ministro de fato, permanece no chamado núcleo duro do governo interino, sem perder a função de senador. Para os incrédulos e os acostumados a esquecer como no passado ficaram impunes os potentes e poderosos, convém recordar o episódio que envolveu Sérgio Machado, um corrupto confesso, ex-senador e já presidente dilapidador do patrimônio da Transpetro. Ele gravou os seus amigos Renan Calheiros, presidente do Senado, Romero Jucá, então ministro do governo interino Michel Temer, e José Sarney, ex-presidente da República e condestável do PMDB.
Os gravados cuidavam de alterações no interesse próprio. De mudanças legislativas ad personam. Sem atentar ao interesse público, este claramente voltado a não deixar impunes os crimes e evitar a expansão da cleptocracia no Brasil. Em resumo, o “acordão” está no ar. Os que comparam com entusiasmo a Lava Jato à célebre Mani Pulite podem se desiludir ao sentir em curso entre nós uma Operação Mani Mozzate, mãos cortadas.
O aposentado ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, sentiu-se ofendido na sua honra com matéria crítica desta Coluna sobre decisões colegiadas atinentes à: 1. Receptividade constitucional da Lei de Anistia, e 2. Legitimação de Roseana Sarney para assumir o governo do Maranhão em face da cassação do empossado Jackson Lago. As duas ações propostas, criminal por crimes de injúria e difamação e civil indenizatória, contra este colunista e, por tabela, a revista CartaCapital, foram extintas por acordo judicial.
O colunista esclarece que não teve intenção alguma de ofender a honra do ministro Grau. Não houve dolo de injuriar ou de difamar e até este colunista, no particular, obteve parecer do emérito professor Fábio Konder Comparato. Ocorreu apenas crítica jornalística às decisões colegiadas e, jamais, até porque não mencionado na coluna, intenção concreta ou sub-reptícia de contestar ou reduzir a importância dos títulos conquistados pelo mencionado ministro.
Fonte: Carta Capital