Plataforma da Unifesp reúne cerca de 250 documentos que revelam como o negacionismo e a missão governamental agravaram a crise sanitária no Brasil

O Centro SoU_Ciência, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lançou nesta quarta-feira (12) o Acervo da Pandemia, um repositório digital com cerca de 250 documentos que revelam como a desinformação e o negacionismo influenciaram a opinião pública e comprometeram o combate à covid-19 no Brasil. O lançamento coincide com os cinco anos da primeira morte pela doença no país, que acumula mais de 700 mil óbitos e 40 milhões de casos.
“O material do acervo foi reunido e analisado com base em critérios científicos. Ele comprova como um sistema [de poder formado por agentes públicos e privados] coordenado e articulado, que beneficiou interesses econômicos e políticos, colocou em risco a vida da população brasileira ao incentivar práticas anticiência, como o uso de medicamentos ineficazes, a negação da vacina e o boicote a medidas sanitárias”, divulgou o SoU_Ciência.
A iniciativa é baseada no conceito de necropolítica, do historiador camaronês Achille Mbembe, que explica como alguns agentes do poder decidem quem vive e quem morre em uma sociedade. “Alguns desses materiais contêm discursos autoincriminatórios e evidenciam as condutas que levaram à ampliação do número de mortes evitáveis no Brasil”, ressaltou a instituição.
Discurso negacionista
O acervo documenta a disseminação de informações falsas e discursos contrários à ciência por parte do governo do então presidente Jair Bolsonaro e seus aliados entre 2020 e 2022. Os documentos incluem textos, vídeos e áudios que expõem a atuação de autoridades na propagação de tratamentos ineficazes, na minimização dos riscos da doença e no incentivo ao descumprimento de medidas sanitárias.
Diante disso, alguns itens receberam um selo de alerta para identificar a presença de desinformação, acompanhados de uma seção chamada O Que Diz a Ciência, que contextualiza e refuta informações falsas com base em evidências científicas.
Caso Manaus e a omissão governamental
Entre os episódios relatados, destaca-se a crise de falta de oxigênio hospitalar em Manaus, no início de 2021. Pacientes morreram asfixiados, enquanto familiares tentavam conseguir cilindros de oxigênio por conta própria. Para a professora de Saúde Pública da USP, Deisy Ventura, a tragédia não foi resultado de negligência, mas sim de “decisões políticas que tiveram cúmplices”.
O acervo também expõe o atraso na aquisição de vacinas e as tentativas de desacreditar a imunização em um momento crítico da pandemia. O Brasil só iniciou a vacinação em janeiro de 2021, com a enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, sendo a primeira pessoa imunizada.
Maurício Zuma, diretor-geral do laboratório Bio-manguinhos/Fiocruz, disse à Agência Brasil que a produção do imunizante em tão pouco tempo ocorreu devido a um grande empenho por parte dos profissionais da ciência em todo o mundo.
Clamor por justiça e responsabilização
A pesquisa realizada pelo SoU_Ciência e o Instituto Ideia, entre 5 e 10 de junho de 2023, apontou que a maioria da população defende a investigação e responsabilização pelos crimes cometidos durante a pandemia. O levantamento entrevistou 1.295 pessoas e revelou amplo apoio à luta por verdade e justiça.
O Acervo da Pandemia está disponível gratuitamente em uma plataforma digital baseada no software livre Tainacan, utilizado por instituições acadêmicas e culturais. A iniciativa conta com a participação de pesquisadores da Unifesp, da UFRJ e da Fiocruz, além de colaborações de grupos independentes e entidades como a AVICO Brasil.
O projeto reforça a importância da memória, verdade e justiça para que erros do passado não se repitam. “Este acervo é um chamado para garantir que a vida prevaleça sobre a política da morte”, conclui o SoU_Ciência.
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Fonte: Vermelho, com agências