Notícia publicada em novembro/2019, portanto, bem antes da decretação da calamidade pública decorrente da pandemia do coronavírus no Brasil, revelou que já havia mais de R$1 TRILHÃO DE CRÉDITOS PODRES NAS CARTEIRAS DE BANCOS , conforme trechos transcritos:
Retomada da economia pode destravar
carteira de R$ 1 tri em ‘créditos podres’
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O tamanho do mercado de dívidas em aberto no Brasil – de pessoas físicas e empresas no Brasil – é estimada em cerca de R$ 600 bilhões até o segundo trimestre deste ano, valor considerado recorde, segundo a Prime Yield, consultoria portuguesa de avaliação patrimonial. Mas, se considerados os débitos acumulados nos últimos 15 anos, chega a quase R$ 1 trilhão: R$ 915 bilhões, sem correção da inflação, de acordo com levantamento da Ivix, especializada em reestruturação de empresas em crise, a pedido do jornal O Estado de S. Paulo.
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Durante a crise, entre 2015 e 2016, os bancos ainda não tinham informações suficientes sobre o potencial de recuperação da saúde financeira de seus clientes, nem espaço para otimizar essas vendas de créditos. Havia um risco de piora da crise. Eles preferiram aguardar. O momento atual é mais benéfico para que todos os agentes recuperem parte desses créditos.
A notícia não deixa dúvida quanto à existência de grande volume de créditos privados confessadamente podres nas carteiras dos bancos, que esperavam a retomada da economia para cobrar esses “créditos podres” antigos existentes em suas respectivas carteiras.
Porém, em vez de retomada da economia, veio a pandemia e a crise!
Nessa conjuntura, os bancos querem transferir essa carteira podre para o Tesouro Nacional, e o § 9o do artigo 115 da PEC 10/2020 viabiliza exatamente isso, na medida em que autoriza o Banco Central adquirir qualquer tipo de título de crédito privado em mercado secundário, isto é, mercado de balcão, que funciona sem regulação ou supervisão alguma, sem transparência, podendo as operações serem realizadas por telefone!
Caso seja aprovado esse absurdo, um funcionário do Banco Central poderá comprar, por telefone, esses papéis antigos existentes nas carteiras de bancos que chegavam a R$ 1 trilhão em 2019, sem computar a atualização monetária! Caso calculada a referida atualização e demais acréscimos, a quantos trilhões essa conta poderá chegar?
E, segundo a PEC 10/2020, quem vai pagar essa conta absurda é o Tesouro Nacional, ou seja, o povo!
Segundo o § 10o do artigo 115 da mesma PEC 10/2020, o Tesouro Nacional efetuará o pagamento de pelo menos 25% das compras feitas pelo Banco Central nesse mercado de balcão! Porém, na prática, o povo vai arcar com toda a conta, pois todos os prejuízos do Banco Central são transferidos para o Tesouro Nacional, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (Art. 7o § 1o).
O Tesouro vai pagar esses trilhões com recursos do orçamento público, sacrificando todas as demais rubricas orçamentárias, e às custas do aumento brutal da dívida pública! Estamos diante da mais escandalosa transformação de dívidas privadas de bancos em dívida pública!
A compra de carteiras podres dos bancos com recursos públicos é algo tão grave que a Medida Provisória 930/2020, recentemente enviada pelo Banco Central ao Congresso Nacional, torna diretores e servidores do Banco Central inatingíveis pela Lei de Improbidade Administrativa!
A proposta legislativa de colocar diretores e alguns funcionários do Banco Central acima da Lei de Improbidade Administrativa é a própria confissão da ilegalidade da citada operação, que desviará grandes volumes de recursos públicos sem justificativa, sacrificando o orçamento público para garantir lucros cada vez maiores aos bancos, às custas da pobreza e miséria que aumentam de forma galopante no Brasil!
Por que autorizar o Banco Central a comprar de carteiras de derivativos e outros papéis privados de empresas e bancos nacionais e estrangeiros em poder dos bancos? Isso não significará ajuda alguma para as empresas ou para a economia do país, mas exclusivamente para os bancos! Isso não tem absolutamente nada a ver com a pandemia do coronavírus! Qual é a urgência dessa medida que foi aprovada na Câmara em apenas 48 horas e querem aprovar também a jato no Senado?
Cabe ressaltar o fato de que durante todos esses anos de crise econômica enfrentada pelo Brasil desde 2015, os lucros dos bancos seguiram batendo recordes de dezenas de bilhões a cada trimestre, enquanto toda a economia real vem sofrendo forte queda no PIB seguida de estagnação; falência de milhões de empresas de todos os ramos, em especial as indústrias; cortes de investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e pesquisa, ciência e tecnologia, assistência social, em na própria estrutura de funcionamento do Estado; aumento do desemprego, volta da miséria absoluta e aprofundamento da desigualdade social.
Apesar de todo o lucro acumulado ao longo dos últimos anos, os bancos ainda querem se aproveitar da situação de calamidade pública e transferir sua carteira podre incobrável para os cofres públicos! O SENADO NÃO PODE PERMITIR ESSA TRAPAÇA! Os § 9o e 10o do artigo 115 que a PEC 10/2020 devem ser sumariamente suprimidos e a MP 930/2020 rejeitada!
Maria Lucia Fattorelli é auditora fiscal aposentada da Receita Federal e coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.