Por Luciano Siqueira.*
Não é simples e nunca foi construir e manter base parlamentar necessária para governar.
Por muitas razões – entre as quais a pulverização de legendas partidárias que caracteriza a institucionalidade brasileira.
Mais: diferentemente do que ocorre em outros países, Portugal por exemplo, onde vale o sistema de listas partidárias em que o parlamentar se elege comprometido com determinado programa – o que lhe impõe, no exercício do mandato, coerência e fidelidade às decisões do partido –, aqui o voto é uninominal.
Em última instância, prevalece a opção individual do parlamentar e não necessariamente a decisão partidária.
As exceções estão nos poucos partidos programáticos, situados à esquerda.
Tanto que nas primeiras votações de MPs neste terceiro governo Lula, o painel de votações da Câmara e do Senado mostrou-se caleidoscópico: até no PL a que pertence o ex-presidente Jair Bolsonaro o governo obteve votos, assim como registrou baixíssima adesão no União Brasil, por exemplo, que conta com três representantes na Esplanada dos ministérios.
Na verdade, a predominância de legendas do chamado centrão e da extrema direita na atual legislatura brotou das urnas.
Reverter isso demanda acordos minimamente razoáveis e consistentes. Dentro das regras do jogo, ou seja, respeitando a institucionalidade em vigor.
A liberação de emendas parlamentares, por mais questionada que seja, é irrecusável. Pelo menos por enquanto.
Esse cenário pode se alterar positivamente na medida em que outras variáveis indispensáveis ao êxito do governo se apresentem com força suficiente – sobretudo o apoio popular e a solidez de alianças sociais amplas.
Daí a íntima relação da busca de base parlamentar minimamente estável com as ações do governo no sentido de atender as necessidades básicas da maioria da população empobrecida, a retomada do crescimento econômico mediante investimentos públicos e privados e a introdução do “fator rua” na cena política, ou seja, a mobilização da sociedade.
Basta lembrar que numa correlação de forças extremamente adversa, ainda sob o regime militar, as eleições diretas para presidente quase são aprovadas no Congresso, pois faltaram poucos votos para o quórum necessário.
Na ocasião, em artigo na grande imprensa, o então líder PDS, partido da ditadura, senador José Sarney, escreveu que o clamor das ruas pelas diretas-já arrombou portas e entrou em sua própria residência.
Tanto que foi exatamente naquele Congresso, alargado com cotas de deputados estaduais para constituir o colégio eleitoral indireto, que se elegeu Tancredo presidente (tendo o mesmo Sarney como vice) contra Maluf, candidato do regime.
Portanto, nas circunstâncias atuais, têm peso a largura de visão e habilidade política do próprio presidente Lula, porém a conquista da maioria parlamentar ainda demanda um tempo útil que possa mesclar êxitos administrativos e ampla e efetiva mobilização social.
* Luciano Siqueira é médico, membro do Comitê Central do PCdoB e secretário nacional de Relações Institucionais, Gestão e Políticas Públicas do partido, foi deputado estadual em Pernambuco e vice-prefeito do Recife.