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Artigo: Esquerda não está ante a ‘escolha de Sofia’ na eleição da Câmara

Marcos Verlaine*

Política não é “lugar” para “santos” ou “demônios”; para puros ou impuros. Política serve à interesses. Quais são os da esquerda e os da direita? Quais são os seus, os meus, os nossos? O debate em torno da presidência da Câmara dos Deputados funda-se aí. O resto é incompreensão ingênua ou interesses inconfessos. O céu é que é lugar para incautos, santos e puros!

O parlamento de um País como o Brasil — injusto, desigual e desequilibrado —, não é um espaço qualquer. É relevante que as forças políticas que defendem os genuínos interesses do povo tenham representantes, se possível muitos, em ambas as casas legislativas — Câmara e Senado.

Do contrário, será dominado por aqueles que defendem apenas os interesses da elite dominante e, de quebra, vários desses apenas com objetivo de se locupletarem. Como foi o caso de Bolsonaro, que passou 7 mandatos ou 28 anos como deputado fazendo pequenos negócios escusos que lhe tornaram homem rico, sem nada devolver ao País e ao povo em serviços retributivos.

Não será no Parlamento, sob a ordem capitalista ou burguesa, que a esquerda fará grandes transformações políticas, sociais e/ou econômicas. Isso não aconteceu em nenhum lugar no mundo. Mas é relevante, repita-se, ter representes no Congresso, a fim de disputar ideias e espaços (imaginar que não, é um erro grave; isso seria menosprezar o papel da instituição nos avanços civilizatórios) para expandir direitos e interesses do povo ou impedir ou ajudar a impedir retrocessos, sobretudo os graves, como seria a vitória do candidato de Bolsonaro na Câmara.

Assim, se deixar sucumbir pelo falso dilema entre apoiar os liberais ditos progressistas contra a extrema-direita obscurantista ou ter candidato próprio constitui-se num devaneio. Candidatura própria para afirmar “independência” e ter 10 ou 15 minutos de ribalta para “denunciar o entreguismo do governo e suas políticas de destruição do Estado de bem-estar social” é desejar “subir ao olimpo” de forma fugaz. A esquerda, nesse caso, não está diante da “escolha” ou “dilema de Sofia”1.

Relevância do Parlamento e seus limites
Duvidar, de um lado, da relevância do Parlamento ao ponto de deixá-lo ser transformado num “puxadinho” de um governo obscurantista como o ora ocupado por Bolsonaro seria erro crasso. Daí o acerto de a esquerda participar da amplíssima composição para derrotar a extrema-direita.

De outro, imaginar e fazer disso proselitismo, que não ter candidato mostra ausência de perspectiva de poder ou capitulação, expressa bem o quanto é necessário compreender o curso da luta política. As disputas políticas — inclua-se aí, a da presidência da Câmara —, devem ser calcadas na realidade concreta e objetiva do País. A hegemonia política, desde 2016, foi empalmada pela direita. Não seria qualquer candidatura de turno e, ainda sem chances reais de vitória, que poderia mudar esse quadro.

As disputas políticas e sociais não se dão apenas no Parlamento. Se dão também e, sobretudo, na sociedade. A propósito, a atual configuração política do Congresso é uma síntese dessa nova hegemonia erigida dos escombros do impeachment de 2016. Ter abandonado, menosprezado ou secundado os espaços sociais onde se dão as disputas da consciência político-social foi, talvez, o erro mais grave de um governo (2003 a 2016) que se pretendia popular e progressista.

As eleições municipais de 2020 comprovaram a hegemonia dos partidos que ora lideram o processo político brasileiro, o Congresso e as disputas nas 2 casas legislativas2. Confrontar essa realidade sem medir suas reais consequências pode trazer prejuízos incalculáveis. A esquerda está sob severa defensiva. A realidade, entre as décadas de 70 e 90, que permitiu acumular força mesmo perdendo eleições foi profundamente alterada.

Entender, talvez, a “revolução encalhada” na Alemanha, no final do 2º decênio do século 20, ajuda a compreender a relevância e os limites da luta parlamentar e institucional, que foram percebidos de forma contundente pelos revolucionários alemães, entre 1918 e 1919, quando a social-democracia, que governava o país e também tinha maioria no parlamento, esmagou a revolução germânica3. O poder real e de fato estava nas mãos da burguesia, que comandava o governo e o parlamento.

A propósito, daí derivou a ruptura entre a social-democracia e os comunistas alemães que se abrigavam no secular PSD (Partido Social-Democrata), instituído em 1863, com a formação do Partido Comunista, em dezembro de 1918. Os comunistas4 perceberam, então, que mesmo estando no governo e/ou com maioria no parlamento não era suficiente para imprimir as mudanças necessárias para alterar a estrutura social do país. Para isso, é necessário conquistar o poder político real e não apenas estar na institucionalidade.

Por fim, mas não menos importante, é relevante lembrar que todo acúmulo social e político, que permitiram ao PT e Lula vencer 4 eleições presidenciais começaram a erodir com as manifestações de junho de 2013. Implodiram com o impeachment da ex-presidente Dilma, em 2016. É como disse o economista Marcio Pochmann, em debate realizado com a direção estadual do PT no Rio Grande do Sul, em agosto de 2019: “A sociedade do final dos anos 70 e início dos anos 80, que deu origem ao PT, não existe mais”5.

Precisamos, todos, visitar ou revisitar os “intérpretes” do Brasil, os clássicos e os novos, a fim de entendê-los; decodificar a alma nacional não é obra para diletantes.

(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar licenciado do Diap

Fonte: Diap.

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