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Artigo: vitória da vergonha na Câmara dos Deputados, por Maria Lúcia Fattorelli

Por Maria Lúcia Fattorelli*

 

Na calada desta madrugada de 4 de novembro de 2021, por quatro votos além do necessário, o texto repleto de cambalachos da PEC 23 foi aprovado na Câmara dos Deputados, graças, principalmente, aos votos de 15 deputados do PDT, que traíram completamente toda a história de Leonel Brizola, além dos demais que votaram “sim”.

O texto da “emenda” surgida de surpresa no plenário, à revelia das regras do Regimento da Casa, foi muito além do que constava da PEC dos Precatórios, enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso em julho, a qual tratava do adiamento e parcelamento de precatórios. Assim, inicialmente, a PEC 23 se restringia a uma proposta de calote de obrigações decorrentes de decisões judiciais definitivas, prejudicando principalmente professores(as) e outras categorias de trabalhadores e contribuintes.

Vários cambalachos foram adicionados à “emenda” surpresa, além da manutenção do ESQUEMA FRAUDULENTO de desvio de recursos arrecadados de contribuintes, denominado SECURITIZAÇÃO, que foi incluído sorrateiramente ao texto da PEC 23, sem explicação ou menção alguma em seu relatório.

Apesar da mudança no cálculo do teto de gastos que o relator já havia incluído na Comissão Especial, que dará ao governo uma folga de quase R$ 100 bilhões para gastar como quiser em ano eleitoral, os gastos com a chamada dívida pública que são, de fato, os verdadeiros responsáveis pelo rombo constante ao orçamento federal, continuam fora desse esdrúxulo teto de gastos.

Privatização das contas públicas

Os gastos com a questionável dívida pública nunca auditada e eivada de ilegalidades e ilegitimidades consumiram este ano de 2021, até outubro, quase R$ 2 TRILHÕES. Tais gastos abusivos, que incluem prejuízos ilimitados do Banco Central com sua política monetária suicida (remuneração diária da sobra de caixa dos bancos, escandalosos swaps e demais benesses concedidas ao bancos), nunca estiveram submetidos ao teto estabelecido pela EC-95, tão admirado pela grande imprensa e comentaristas neoliberais, que se calam diante da falta de limite para o rombo contínuo provocado pelo Sistema da Dívida, enquanto condenam os investimentos sociais que se encontram amarrados, aumentando cada vez mais a desigualdade social no Brasil.

A Securitização é matéria totalmente estranha ao texto da PEC, e foi incluída depois que o texto já havia passado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, ou seja, não teve a sua legalidade verificada, evidentemente, pois um esquema desses não passaria jamais pelo crivo de uma análise jurídica minimamente séria.

Os parágrafos 7º e 8º incluídos ao Art. 167 da Constituição Federal, pelo relator Hugo Motta (Republicanos/PB), autorizam a DESVINCULAÇÃO DE IMPOSTOS ARRECADADOS, o que significa que o dinheiro arrecadado do povo sequer alcançará os cofres públicos, pois durante o seu percurso pela rede bancária será desviado para esse esquema que nem poderia ser denominado “Securitização”, mas sim uma “privatização das contas públicas”.

Fora do controle dos entes federados

Os entes federados que adotarem esse esquema perderão o controle de parte da arrecadação tributária, que é cedida e direcionada para contas vinculadas ao esquema, ainda na rede bancária, as quais são controladas pelos investidores que adquirem os recebíveis lançados por esse esquema.

Os entes federados não têm controle algum sobre essas contas vinculadas ao esquema, conforme alertamos em Interpelação Extrajudicial entregue via Cartório de Títulos e Documentos a todos os lideres na Câmara.

Portanto, deputados(as) não poderão dizer que não sabiam dos danos provocados pelo esquema de securitização, pois foram alertados, e temos a prova disso.

Exatamente! A responsabilidade dos que votaram nesse esquema fraudulento poderá ser cobrada e será! Quem paga mais impostos no Brasil são os mais pobres e a classe trabalhadora! É um escândalo que esses impostos pagos com tanto sacrifício sejam desviados para esse esquema e sequer alcancem os cofres públicos!

Todos os orçamentos públicos de todas as esferas serão aviltados, e a principal atribuição dos poderes legislativos de todas as instâncias também está sendo atingida! A Lei Orçamentária votada pelos respectivos legislativos (federal, estaduais ou municipais) irá decidir a destinação apenas das sobras dos impostos que não tiverem sido desviados para o esquema de Securitização, o que avilta também a destinação de recursos para todas as áreas sociais, desrespeitando-se inclusive os percentuais devidos à Saúde e à Educação.

Deputados se dobram aos interesses do mercado

O esquema da Securitização é extremamente oneroso e exige contínuas emissões de recebíveis (derivativos, debêntures), como nas escandalosas pirâmides financeiras, comprometendo parcelas cada vez mais elevadas para esse desvio de recursos do orçamento para alimentar o esquema. Isso já foi comprovado em âmbito global, como verificado na crise dos EUA a partir de 2007 e na Europa a partir de 2010, e também aqui no Brasil, onde o esquema já foi implementado!

Em Belo Horizonte, por exemplo, os recebíveis emitidos pelo esquema lá implantado ofereciam juros de 11% ao ano mais a inflação medida pelo IPCA, o que chegou a 23% em 2015! O município recebeu R$ 200 milhões de adiantamento e em troca cedeu o fluxo de arrecadação no montante de R$ 880,32 milhões + IPCA + 1% ao mês, o que levou o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais a suspender os pagamentos.

Todos esses alertas constam da Interpelação Extrajudicial entregue aos líderes na Câmara dos Deputados, que optou por se dobrar aos interesses do mercado e envergonhar o país ao usar de tantos cambalachos para incluir um esquema desses em nossa Constituição! A que preço?

Os discursos do relator e demais parlamentares que defenderam o texto da PEC 23 usaram e abusaram de alegações “em defesa dos pobres”, embora o tal “auxílio”, usado como chantagem para convencer a opinião pública de que essa PEC 23 seria necessária, sequer conste de seu texto! Claro! Nem precisaria dessa PEC para pagar o prometido auxílio temporário, com alcance bem inferior ao Bolsa Família, que já existe há 18 anos!

Ao contrário de resolver o problema dos mais pobres, com a mentira do “auxílio Brasil” que nem consta da PEC 23, os pobres serão os mais prejudicados com os desvios de recursos para o esquema de Securitização.

O vale-tudo imperou

A manobra feita no Plenário da Câmara incluiu mudança no Regimento da Casa, de última hora, para permitir que até parlamentares licenciados, atuando no exterior, pudessem votar a PEC. A regra para contagem do quórum mudou de repente! Inacreditável!

Para enganar professores(as) que lutam há décadas no Judiciário, o calote de seus precatórios será de três anos, sendo que a área da Educação será uma das mais prejudicadas com o desvio de impostos para o esquema de Securitização.

Incluíram no texto da PEC 23 outros cambalachos para angariar votos aqui e ali: temas relacionados a dívidas previdenciárias de interesse de alguns prefeitos e governadores, prejudicando a sustentabilidade da Previdência, mas o vale-tudo imperou!

A liberação de quase R$ 100 bilhões sem destinação específica na PEC 23 poderá financiar muitas emendas parlamentares que servirão para regar suas campanhas eleitorais em 2022, com retribuições generosas de apoio ao bondoso governo federal que irá liberar essas verbas às custas do povo e da entrega da arrecadação ao mercado!

Todos esses cambalachos desmascaram o que de fato está por trás da PEC 23 e que ficou bem escondido, sem análise da CCJ; incluído como contrabando ao texto, sem menção ou explicação alguma no Relatório; com alteração no Regimento da Câmara na hora da votação; com trapaça de “emenda” ilegal, traições e sabe-se lá o que mais, um vale tudo para colocar na Constituição a autorização para desviar os impostos que pagamos para o esquema da Securitização! O mercado irá se apoderar diretamente desses impostos desviados, que sequer alcançarão o orçamento, consolidando ainda mais a ditadura do capital e a fraude à Constituição!

*Maria Lúcia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e integra a Comissão Brasileira Justiça e Paz, organismo da CNBB. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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